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Fotônica

Esculpindo com a luz

Técnica permite criar micro e nanoestruturas poliméricas de geometria complexa

IFSC/USPLaboratório no IFSC: estruturas diminutas para uso na eletrônica e na medicinaIFSC/USP

A utilização do laser na medicina, nas cirurgias de olhos, por exemplo, e nas telecomunicações, no interior das fibras ópticas, já é bem conhecida. Mas os vários tipos de laser ainda podem ser mais explorados em outras atividades. Atualmente o que se busca na pesquisa científica e tecnológica com esses feixes concentrados de luz é o uso mais ampliado nas escalas de tamanho em micrômetros e nanômetros. Nesse sentido, um passo importante foi dado por pesquisadores do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (IFSC/USP). Em parceria com um grupo de pesquisadores da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, eles dominaram a técnica óptica que utiliza pulsos ultracurtos de luz laser para fabricar estruturas poliméricas tridimensionais e de geometria complexa que não se podem ver a olho nu. O domínio desse novo processo permitirá, no futuro, a fabricação de dispositivos miniaturizados para circuitos elétricos, microcápsulas para entrega controlada de medicamentos, microagulhas de uso médico, memórias ópticas de dimensões micro ou nanométricas, microplataformas para crescimento de tecidos biológicos, microguias de onda em aparelhos de telecomunicações e minúsculos elementos para sistemas de processamento de informações, como os ainda inéditos computadores ópticos.

Denominada de fotopolimerização por absorção de dois fótons, a técnica é muito recente e foi proposta em 1997 pelo pesquisador japonês Satoshi Kawata, professor especializado em nanotecnologia da Universidade de Osaka. Apenas em 2001, com a publicação de um artigo na revista Nature pelo grupo de Kawata, ela ganhou projeção nos meios científicos internacionais. Atual­mente, poucos grupos de pesquisa no mundo, notadamente no Japão, Estados Unidos, Alemanha e Coreia do Sul, conseguem reproduzi-la, incluindo agora o Brasil com o grupo de São Carlos.

Para dimensionar o avanço que representa essa técnica, é necessário antes saber que a polimerização é uma reação química pela qual são fabricados os mais variados tipos de plástico. Por meio desse processo, moléculas chamadas monômeros são ligadas quimicamente, resultando em materiais sólidos constituídos por macromoléculas.

A reação de polimerização pode ser iniciada de diversas maneiras, inclusive opticamente com a incidência de luz, quando recebe o nome de fotopolimerização. Nesse caso, utiliza-se um composto chamado fotoiniciador, o qual, ao absorver a luz que incide sobre ele, inicia o processo de transformação da resina líquida e viscosa num material sólido. O principal diferencial da fotopolimerização por absorção de dois fótons é que a reação fica confinada à região focal da luz, o que significa que apenas nesse ponto ocorre a solidificação do material. Com a movimentação do feixe de laser e, portanto, de seu foco, é possível fabricar estruturas tridimensionais complexas com resolução micro e nanométrica – da ordem de milésimos ou milionésimos de milímetro.

“De uma forma mais simples, podemos dizer que na medida em que o feixe de laser, controlado por computador, vai percorrendo a resina polimérica o material vai endurecendo. É como se o feixe de laser fosse desenhando – pela solidificação – a estrutura desejada no espaço tridimensional – e não apenas no plano”, afirma o físico Cleber Mendonça, professor do IFSC e líder das pesquisas. “No processo tradicional de fotopolimerização, onde apenas um fóton é absorvido pelo composto fotoiniciador, não dá para fabricar estruturas tridimensionais tão pequenas”, destaca o pesquisador, ressaltando que a nova técnica depende de altas intensidades luminosas geradas por lasers pulsados de femtossegundos, unidade de tempo que corresponde a um segundo dividido por um quatrilhão de vezes ou 10-15 segundos. Atualmente, pulsos laser de femtossegundos são usados em pesquisas que visam principalmente ao desenvolvimento de transistores ópticos.

A parceria com a Universidade Harvard, que permitiu o domínio da técnica, teve início em agosto de 2005 quando Cleber Mendonça fez seu pós-doutorado, finalizado em dezembro de 2007, no grupo do professor Eric Mazur, no Departamento de Física e Escola de Engenharia e Ciências Aplicadas da instituição. Mazur é considerado uma das maiores autoridades mundiais na utilização de pulsos ultracurtos de laser para a microfabricação e microestruturação de materiais. A temporada no exterior foi apoiada por uma bolsa da modalidade Novas Fronteiras da FAPESP, destinada ao financiamento de estágios de longa duração em centros de excelência internacionais em áreas de pesquisa ainda deficientes no estado de São Paulo. “O Grupo de Fotônica do Instituto de Física de São Carlos já trabalhava com processos ópticos não lineares – que dependem da intensidade luminosa – e pulsos ultracurtos de luz laser há vários anos. Mas foi durante o tempo que passei em Harvard que tomei contato com a técnica de fotopolimerização por absorção de dois fótons”, afirma Mendonça, que conta também com financiamento da FAPESP por meio de um projeto de auxílio regular a pesquisa. Dentro desse projeto, o pesquisador também investiga a utilização de laser de femtossegundos na estruturação superficial (bidimensional) de materiais.

Embora seja uma técnica bastante promissora na área de microfabricação, Mendonça diz que ainda não existem produtos feitos em escala comercial com esse processo, apenas protótipos. “Acreditamos que em poucos anos as primeiras microestruturas comerciais fabricadas pelo processo de fotopolimerização por absorção de dois fótons deverão estar no mercado. Os estudos mais avançados concentram-se na área de MEMS (Micro-Electro-Mechanical Systems), sistemas microeletromecânicos projetados em escalas micrométricas, como sensores, motores e atuadores”, diz o pesquisador da USP. Uma das empresas pioneiras na nova técnica é a americana Focal Point Microsystems LLC, uma spin-off (empresa de tecnologia originária de uma instituição) fundada por pesquisadores do Instituto Tecnológico da Georgia, mais conhecido como Georgia Tech, dos Estados Unidos, que está desenvolvendo um equipamento comercial de bancada para fotopolimerização via absorção de dois fótons visando a aplicações comerciais em MEMS.

IFSC/USPMicroscopia eletrônica de estrutura produzida com feixes de lasers e polímerosIFSC/USP

Compostos dopados
Um importante diferencial do trabalho realizado em São Carlos é a dopagem das microestruturas poliméricas com compostos orgânicos de interesse. Dopagem é o termo científico para designar a adição de substâncias estranhas a um material qualquer com propósitos bem definidos, como, por exemplo, a melhora de algumas de suas propriedades mecânicas. A dopagem permite fabricar micro ou nanoelementos com características ópticas, elétricas ou biologicamente ativas indicadas para determinadas aplicações. “Em nossos trabalhos já fizemos dopagem das resinas-base com corantes orgânicos, polímeros eletroluminescentes e biocompatíveis. Nos três casos a dopagem é realizada anteriormente ao processo de fabricação a laser”, diz Mendonça. Segundo o pesquisador, a técnica de dopagem em si é amplamente utilizada por grupos de pesquisa no mundo todo, mas a dopagem de resinas utilizadas na fabricação de micro e nanoestruturas por meio do processo de fotopolimerização por absorção de dois fótons é um tema extremamente novo.

Um desses estudos teve como foco a área de sistemas de engenharia voltados para crescimento de tecidos biológicos, como osso, cartilagem e pele. Um passo importante nessa pesquisa, que pode trazer avanços para a produção de próteses humanas, é o entendimento da movimentação e adesão celular. O estudo desse fenômeno em laboratório depende da existência de matrizes micro ou nanométricas onde as células possam se movimentar e aderir. Aí entra a fotopolimerização por absorção de dois fótons. “Por meio dessa técnica podemos desenvolver estruturas 3D com desenhos específicos que propiciam uma investigação sistemática da adesão e migração celular. Essa pesquisa pode facilitar o desenvolvimento de novas técnicas em engenharia de tecido porque permite um estudo mais adequado do comportamento das células”, afirma Mendonça. Um grupo de pesquisadores finlandeses da Universidade de Tampere, na Finlândia, anunciou há alguns anos avanços no desenvolvimento de estruturas usadas como suporte para crescimento de tecidos vivos.

Outro trabalho feito pelo Grupo de Fotônica da USP, cujos resultados foram publicados no jornal Applied Physics Letters, em setembro deste ano, concentrou-se no desenvolvimento de microestruturas contendo compostos orgânicos emissores de luz com propriedades ópticas diferenciadas. Esses dispositivos poderão ser utilizados na fabricação de circuitos ópticos ou sensores ópticos. Nesse caso, a fonte luminosa miniaturizada estaria integrada no dispositivo e diretamente acoplada aos demais elementos que constituem o circuito óptico. O grupo também prevê a confecção de estruturas contendo moléculas orgânicas que, na presença de uma fonte de excitação luminosa, são orientadas numa dada direção. “Essa orientação poderia ser usada como método de armazenamento de informação. Regiões onde as moléculas estão orientadas corresponderiam à presença de informação, enquanto áreas onde elas estão aleatoriamente distribuídas corresponderiam à ausência de dados, processo similar ao que ocorre com CDs ou HDs de nossos computadores”, destaca Mendonça.

Todos esses avanços na área da fotônica, segundo o pesquisador, se devem em certa medida à escolha de resinas poliméricas como o material básico a ser trabalhado. A vantagem de usá-las no lugar de outros materiais, como cerâmica, vidro ou metal, é a possibilidade de fazer a reação nas condições ambientais de temperatura e pressão. Com outros tipos de materiais isso não seria possível. “Eles teriam que ser utilizados na forma de pós para que, com a incidência da luz, as partículas se unissem por um processo de difusão”, afirma. Nesses casos, contudo, haveria um menor controle do processo de fabricação. “Além disso, materiais poliméricos são mais fáceis de dopar e as propriedades dos produtos finais fabricados com eles são completamente distintas daquelas fabricadas com cerâmicas e metais, como flexibilidade, transparência óptica e índice de refração.”

Os projetos
1. Dinâmica ultra-rápida e determinação da função dielétrica em materiais orgânicos (nº 05/50621-5); Modalidade Bolsa de Pesquisa no Exterior – Novas Fronteiras; Co­or­de­na­dor Cleber Renato Mendonça – USP; Investimento R$ 61.633,61 (FAPESP)
2. Microfabricação e microestruturação em materiais poliméricos utilizando laser de femtossegundos (nº 08/00652-0); Modalidade Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa; Co­or­de­na­dor Cleber Renato Mendonça – USP; Investimento US$ 87.731,25 e R$ 3.450,00 (FAPESP)

Artigos científicos
MENDONÇA, C.R. et al. Three-dimensional fabrication of optically active microstructures containing an electroluminescent polymer. Applied Physics Letters. v. 95, p. 11.330-9. 2009.
CORREA, D.S. et alTwo-photon polymerization for fabricating structures containing the biopolymer chitosan. Journal of Nanoscience and Nanotechnology. v. 9, p. 5.845-9. 2009.

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