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Internacionalização

Atração de talentos

Grupo do Instituto de Física da Unicamp se destaca por trazer pesquisadores de outros países

Laura daviñaNum tempo em que se discute a importância de internacionalizar cada vez mais a ciência brasileira, o grupo de pesquisadores liderado pelo físico Marcelo Knobel, professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), mostra como o intercâmbio de experiências entre estudantes de pós-graduação de nacionalidades diferentes tem o condão de oxigenar um ambiente de pesquisa – e de atrair mais pesquisadores de fora, num círculo virtuoso. Knobel, de 42 anos, coordena desde o final dos anos 1990 um grupo dedicado à pesquisa de novos materiais magnéticos, instalado no Laboratório de Magnetismo e Baixas Temperaturas (LMBT) do Instituto de Física Gleb Wataghin, da Unicamp. Como o grupo mantém colaborações com cientistas de vários países e é reconhecido internacionalmente, Knobel recebe com frequência mensagens de estudantes estrangeiros interessados em fazer mestrado, doutoramento e pós-doutoramento na Unicamp. Ele sempre avalia os pedidos com interesse e, com a ajuda da universidade e de agências de fomento à pesquisa, tem conseguido atrair gente de vários países para seu laboratório – atualmente reúne doutorandos e pós-doutorandos da Índia, Espanha, Chile, Colômbia e Canadá.  “Além do interesse dos pesquisadores, ajuda muito o fato de termos bolsas de estudo com valores bastante competitivos internacionalmente”, diz Knobel. “Eles vêm para o Brasil estimulados pela chance de trabalhar num ambiente em que é possível realizar pesquisa de ponta e até fazem um pé de meia”, afirma o professor, que agora também é pró-reitor de Graduação da Unicamp.

A canadense Fanny Béron é uma das pós-doutorandas que atuam no grupo de Knobel. Ela fez graduação, mestrado e doutorado em engenharia física na École Polytechnique de Montreal e, em 2007, procurava uma universidade num país estrangeiro para fazer pós-doutorado. Foi seu orientador Arthur Yelon, que mantinha uma colaboração com Knobel, quem sugeriu a Unicamp. “Não queria ir aos Estados Unidos, porque já conheço muito bem o ritmo de vida norte-americano, e não achei lugar na Europa que tivesse um bom laboratório numa cidade interessante”, lembra Fanny, que não se arrependeu da escolha. “Tenho acesso fácil a equipamentos que não tinha em Montreal, trabalho com um bom grupo que produz muito e tenho a possibilidade de colaborar com vários pesquisadores de alto nível”, afirma. Recentemente trocou a bolsa de pós-doutoramento que recebera de uma instituição canadense por outra da FAPESP, que tem o valor de R$ 5.028,90 mensais. “A quantia era semelhante, mas a FAPESP dá uma reserva técnica muito útil para ir a conferências”, explica. “Sei que as condições de pesquisa na Unicamp são melhores que em outros lugares no Brasil. O Brasil não é uma escolha tradicional para jovens pesquisadores estrangeiros, que em geral preferem Estados Unidos e Europa, mas encontrei aqui tudo o que precisei e ainda tive a oportunidade de conhecer melhor a América do Sul”, conclui.

Outro pesquisador estrangeiro satisfeito com a experiência na Unicamp é o espanhol Jacob Torrejón Díaz, que acaba de concluir o pós-doutoramento de um ano no grupo de Knobel e se prepara para fazer um novo pós-doutorado, agora no Laboratoire de Physiques des Solides em Paris, do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França (CNRS, na sigla em francês). Em 2009, quando acabou seu doutorado em materiais nanoestruturados na Universidade Autônoma de Madri, constatou que as alternativas para pós-doutoramento na Europa estavam limitadas. “Era o início da crise econômica e a maioria dos programas de bolsas e contratos de pesquisa foi reduzida drasticamente”, recorda-se. Conhecia o professor Kleber Pirota, do grupo de Marcelo Knobel, que lhe sugeriu a Unicamp. “Ele me falou das bolsas de pesquisa da FAPESP de fluxo aberto, as quais eram aprovadas muito rapidamente, de um a dois meses, enquanto na Europa a maioria das agências demora um ano pra conceder uma bolsa. Eu considerei muito atrativo e interessante o projeto da pesquisa, o equipamento do Laboratório de Magnetismo e Baixas Temperaturas e as condições econômicas da bolsa. E vim para o Brasil”, afirma.  Às vésperas de deixar o país, considera sua passagem pela Unicamp bastante proveitosa. “Aprendi diferentes técnicas de caracterização magnética, criogenia, técnicas de medida no Síncrotron, uso de potentes aparelhos, além da língua portuguesa e a maravilhosa cultura do Brasil”, enumera. Também desenvolveu trabalhos em áreas diversas, de ressonância ferromagnética a nanofios isolados, que estão sendo publicados em revistas internacionais. “Estou feliz por contribuir para melhorar o equipamento do laboratório. Participei ativamente da montagem do laboratório de fabricação de nanoestruturas. Minha passagem serviu para o estabelecimento de uma colaboração que espero seja duradoura”, afirma.

Laura daviñaSegundo Marcelo Knobel, a concentração de estudantes da América Latina fez com que dois idiomas fossem adotados no laboratório: além do inglês, que é a língua franca da ciência, também o portunhol pode ser ouvido. Fanny e Torrejón Díaz trabalharam em conjunto com pesquisadores como o indiano Surender Kumar Sharma, que fez graduação, mestrado e doutorado em física na Universidade Himachal Pradesh e, desde 2007, está na Unicamp, com bolsa da FAPESP. “Comecei a colaborar com o Surender durante o seu doutoramento e depois ele decidiu vir”, lembra Knobel. “No caso dele, há um aspecto interessante. Ele acaba de conseguir trazer a sua esposa, que também conseguiu uma bolsa de pós-doc na biologia, também da FAPESP”, afirma. O grupo tem ainda estudantes como a chilena Lenina Valenzuela, licenciada em física pela Universidade de Santiago do Chile, que desde 2007 se dedica, sob orientação de Knobel, a um doutoramento em magnetoimpedância, com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Todos os estrangeiros trabalham com alunos de mestrado e de iniciação científica brasileiros, que, de acordo com Knobel, se beneficiam não só do conhecimento e da experiên­cia partilhados como também da oportunidade de se familiarizarem com outros idiomas e com um ambiente de pesquisa internacional.

Tarefas burocráticas
Knobel conta que não basta disposição para trazer os pesquisadores estrangeiros – o apoio institucional também é fundamental. “Em outros países, o líder de um grupo de pesquisa recebe um grant e tem autonomia para gerenciar os recursos e trazer gente de fora. Aqui no Brasil não é assim que acontece. Só tem funcionado porque a Unicamp tem metas fortes para a internacionalização e busca ativamente novas parcerias para intercâmbios de estudantes”, afirma. O pesquisador adverte, contudo, que ainda há vários empecilhos a resolver, que, não raro, acabam sobrecarregando o líder do grupo com tarefas burocráticas, tais como obter visto e até ajudar o aluno convidado a obter moradia. O pró-reitor de Pesquisa da Unicamp, Ronaldo Pilli, confirma que ainda há dificuldades. “Tive de ser fiador do aluguel de um pesquisador estrangeiro convidado que trouxe para o meu grupo”, afirmou.

O grupo de Knobel chama a atenção pela diversidade de pesquisadores estrangeiros, mas está longe de ser um exemplo isolado na Unicamp. Um programa de bolsas de doutorado estabelecido pelo CNPq em parceria com a Academia de Ciências do Mundo em Desenvolvimento (TWAS) já trouxe algumas levas de estudantes paquistaneses interessados em fazer doutorado no Instituto de Química (IQ) da universidade. “O interessante é que isso se retroalimenta e recebo pedidos de cada vez mais paquistaneses interessados em vir para o Brasil”, diz Pilli, que é professor do IQ. Há outro exemplo bem-sucedido no campo da iniciação científica, também na área de química. Trata-se de um programa piloto da FAPESP e da National Science Foundation (NSF) que promove intercâmbio de alunos de graduação de química de universidades paulistas e norte-americanas. A oportunidade, no caso, é de mão dupla: tanto os alunos da Unicamp fazem estágio nos Estados Unidos quanto os alunos norte-americanos vêm estagiar no Brasil. Um dos alunos da Unicamp que participaram do programa, Ricardo Barroso Ferreira, de  21 anos, recentemente foi coautor de um artigo na revista Science. Por conta do estágio que realizou na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, ele participou de um projeto que resultou na criação de um cristal sintético tridimensional capaz de capturar emissões de dióxido de carbono – tema do artigo da Science.

A Unicamp tem uma estratégia para ampliar sua internacionalização. Segundo o pró-reitor Ronaldo Pilli, teve início em 2009 um projeto voltado a atrair professores visitantes estrangeiros para ministrar cursos de curta duração. Um edital lançado no ano passado em parceria com a Pró-Reitoria de Pós-Graduação recebeu 60 propostas de departamentos interessados em trazer professores visitantes para ministrar cursos de pós-graduação de no máximo dois meses. Vinte e sete propostas foram selecionadas e a Unicamp vai investir R$ 400 mil no primeiro ano. Também há um esforço para atrair pesquisadores visitantes por perío­dos maiores. A meta é oferecer bolsas de um a dois anos para nomes de interesse dos departamentos com a chance de prestar um concurso para docente ao final do período da bolsa. Anúncios em revistas científicas internacionais, como Nature e Science, atraíram mais de 50 interessados, que enviaram seus currículos para a Unicamp e foram submetidos ao escrutínio dos departamentos. Os selecionados foram convidados a visitar a universidade e já há dois deles, um canadense e um francês, que virão passar até dois anos na Unicamp a partir de março. “Nosso interesse não é apenas trazer estrangeiros, mas também repatriar pesquisadores brasileiros estabelecidos no exterior”, diz Pilli. Para facilitar a incorporação desses pesquisadores, a Unicamp planeja mudar as regras de concursos de certas categorias de docentes, permitindo que as provas sejam feitas em idiomas estrangeiros.

Também no campo do ensino a Unicamp tem um trabalho forte pela internacionalização. A cada semestre a instituição recebe cerca de 100 estudantes estrangeiros de graduação e de pós-graduação, na maioria de países da América Latina com quem a universidade mantém convênios – o total de estrangeiros estudando na Unicamp oscila entre 800 e mil alunos. “A procura é grande por estudantes de países como o Peru e a Colômbia, que veem a Unicamp como referência em ciências exatas e engenharias”, diz o físico Leandro Tessler, responsável pela Coor­denadoria de Relações Institucionais e Internacionais (Cori). Segundo ele, a universidade tem se esforçado em fazer convênios com universidades norte-americanas e europeias. “Há espaço para crescer, principalmente com os Estados Unidos”, diz. A ideia, segundo Tessler, é aplicar no ensino a mesma estratégia da pesquisa. “A universidade se qualifica quando se expõe ao exterior. Na pesquisa, usamos parâmetros internacionais e nos tornamos reconhecidos. Estamos fazendo o mesmo agora com o ensino”, afirma. Uma das vantagens é fazer com que os estudantes da Unicamp tenham contato com ideias diferentes. “Os grupos universitários brasileiros são muito homogêneos e é bom conhecer mais diversidade”, afirma. Mas o objetivo fundamental é garantir uma formação superior internacionalizada. “O aluno se torna mais competitivo quando tem vivência internacional”, afirma Tessler.


Esta é a primeira reportagem de uma série sobre a internacionalização da pesquisa científica em São Paulo. Veja as outras reportagens da série:

A preparação do salto
Ambiente multicultural
Babel de vidro
Interesse em diversidade
Qualidade e experiência
Sinapses sem fronteiras

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