A mistura de magmas em reservatórios subterrâneos hoje é considerada essencial para prever ou explicar erupções como a do vulcão da Islândia em abril. De acordo com estudos realizados no Brasil e em outros países nos últimos anos, magma novo, viscoso e escaldante que vem das profundezas da Terra encontra um magma mais antigo, que resfriava calmamente em compartimentos que podem ter quilômetros de extensão. Sem poder avançar, o magma novo estaciona nas câmaras, começa a esfriar, liberando gases e esquentando o material antigo que as ocupa. Como resultado da interação entre as duas massas de magma, a pressão interna da câmara aumenta a ponto de formar uma massa quente que força sua passagem pelo vulcão e transborda de modo explosivo. Os gases que se libertaram das rochas também escapam e mancham o céu com uma fumaça rica em partículas de rochas vulcânicas. Não vale mais dizer simplesmente que um vulcão entra em erupção porque recebe um magma que se formou em regiões profundas do planeta, sobe como água em um encanamento doméstico, transborda e escorre como lava quando encontra o caminho livre.
“Hoje sabemos que a interação de magmas e sua eventual mistura é que é a regra”, diz Valdecir de Assis Janasi, professor do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP), que tem investigado as dimensões, o tempo de vida e os movimentos internos desses compartimentos, chamados câmaras magmáticas, onde os magmas se encontram e se transformam mutuamente. Essas pesquisas indicam que as câmaras são constantemente realimentadas por materiais novos e dão pistas do que se passa em regiões mais profundas – e inatingíveis – do planeta. “Até resfriarem completamente, essas regiões que estocam magma podem ser extremamente dinâmicas”, diz Valdecir, à frente de um grupo com pesquisadores do Instituto de Geociências da USP, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e da Universidade de Alberta, Canadá.
Câmaras vivas – Vistas como gigantescas panelas de pressão cozinhando magma, as câmaras de vulcões como o Yellowstone, nos Estados Unidos, ganharam mais atenção e se tornaram alvo de vigilância constante: quanto maior a movimentação no interior das câmaras, maior o risco de uma catastrófica erupção de lava. Cercado por um parque nacional, o Yellowstone é o que os geólogos chamam de supervulcão. Sua erupção poderia trazer impactos negativos sobre todo o planeta.
No Brasil, não há mais o que Valdecir chama de câmaras vivas, em que magmas quentes e menos quentes se misturam. Temos apenas vulcões extintos que ainda liberam um calor que esquenta a água de termas como as de Poços de Caldas, em Minas Gerais. As câmaras vivas mais próximas estão sob a cordilheira dos Andes, a cerca de 20 quilômetros de profundidade. “Algumas estão em atividade há 10 milhões de anos, indicando que o tempo de vida de uma câmara magmática pode ser muito longo”, diz ele.
O tempo de fechamento de uma câmara – com a cristalização do magma formando rochas – depende da profundidade: quanto mais rasa, menos quente é o ambiente e, portanto, o magma resfriará em menos tempo que nas mais profundas. Pode não ser assim, porém, quando esses espaços, ainda que mais rasos, recebem magma novo e mais quente, como aconteceu na Islândia em abril deste ano. Um dos cerca de 30 vulcões dessa ilha do Atlântico Norte, o Eyjafjallajokull ou E+15, como geólogos dos Estados Unidos o apelidaram, ganhou fama mundial repentina ao cobrir o norte da Europa com uma espessa nuvem de cinza vulcânica. Valdecir conta que esse foi o resultado da chegada de magma basáltico com temperatura próxima a 1.200o Celsius, por meio de fraturas entre rochas mais antigas, que encontrou um magma diferente, granítico, resfriando a 700 ou 800o Celsius na câmara. O novo magma resfriou e o antigo esquentou. Depois de se misturarem, começou uma erupção explosiva, reforçada pela interação com o gelo que cobria o vulcão. Ganharam os céus densas nuvens de fumaça carregada de partículas de rocha vulcânica que pode prejudicar o funcionamento das turbinas dos aviões.
Enquanto saía mais fumaça preta do vulcão da Islândia, geólogos do mundo inteiro debatiam em blogs como um vulcão visto como frio e inerte tornou-se tão intempestivo. A hipótese que ganhou força é que pequenos tremores de terra podem ter facilitado a circulação de magma novo e a mistura com o magma residente. Correram debates também sobre onde as câmaras do vulcão deveriam estar e o quanto poderiam abrigar de magma que chegava do interior da Terra. As câmaras, estimaram, deveriam estar entre dois e cinco quilômetros de profundidade e possivelmente conectadas com as de outros vulcões da ilha.
No Brasil apenas os resultados da mistura de magmas é que são visíveis, por exemplo, nos pisos de granito cinza das estações de metrô mais antigas de São Paulo. Valdecir e Adriana Alves, pesquisadora de seu grupo recentemente contratada como professora do Instituto de Geociências da USP, estavam intrigados com o que eram – e como teriam se formado – as rochas que apareciam como esferas dentro do granito, extraído de pedreiras em Mauá, na Grande São Paulo. Como as manchas eram mais escuras que o granito, eles pensaram que poderia ser outro tipo de rocha, um basalto. Não era. Era granito mesmo, de composição parecida, porém mais escuro. “O magma novo que invadiu o magma residente estava mais quente e congelou se desfazendo em esferas grandes que se romperam e formaram esferas menores chamadas enclaves”, diz Valdecir.
Raridades do manto
No Brasil há milhares de antigos depósitos de magmas. Só o estado de São Paulo deve abrigar pelo menos 220 de apenas um dos tipos, o magma granítico, que gera as rochas conhecidas como granito, de acordo com levantamentos feitos há mais de 10 anos. Esse número pode crescer à medida que os levantamentos de campo avancem. No município paulista de Itu, a equipe da USP encontrou pelo menos quatro grandes antigas câmaras magmáticas – e não apenas uma, como se imaginava inicialmente.
Em 2007, a equipe da USP se pôs a estudar essa massa de antigo magma granítico que se cristalizou a três quilômetros de profundidade e hoje, por causa da erosão, encontra-se parcialmente à flor da terra. As análises preliminares indicaram que há cerca de 600 milhões de anos cada uma dessas câmaras foi palco de vários episódios de mistura de magmas, alguns do mesmo tipo e outros resultantes de injeções de basalto, como na Islândia. A suspeita é de que exista ali uma conexão com o vulcanismo, já que a câmara era bastante rasa. Em termos mais concretos, a atual cidade de Itu pode ter sido uma das saídas de lava das profundezas da Terra para a superfície, há milhões de anos.
Houve achados inesperados, como os primeiros fragmentos de manto em São Paulo. Em 2006, Valdecir estava na praia Vermelha, ao lado da cidade de Ubatuba, examinando afloramentos rochosos com um grupo de 40 estudantes de graduação quando um deles lhe trouxe um bloco de rocha verde- -claro. “Não lembro quem foi”, conta o professor. “Eu disse que eram olivinas, um tipo de mineral, mas era meio estranho. Os estudantes não se satisfazem com qualquer coisa. Vimos pela lupa e identificamos que eram fragmentos de uma rocha formada pela combinação de dois minerais, olivina e piroxênio. Tivemos acesso pela primeira vez ao manto de São Paulo. O mais curioso é que já tínhamos passado por ali e não tínhamos visto nada antes. Quer ver? Aqui está”, diz ele, pegando uma rocha esverdeada, pouco menor que uma maçã, do canto de uma mesa coberta de papéis, mapas e rochas.
Vidyã Vieira de Almeira, atualmente no Serviço Geológico do Brasil, confirmou em seu mestrado que os 10 fragmentos trazidos da praia de Ubatuba eram amostras do manto superior, a camada situada logo abaixo da crosta, a mais externa. Essas rochas devem ter se formado a uma profundidade de 60 quilômetros e só puderam chegar à superfície sem derreter porque vieram de carona em um magma basáltico rico em fluidos que subiu rapidamente. “Esses magmas subiram por fraturas que se abriram há cerca de 80 milhões de anos, depois que o oceano Atlântico começou a se formar. De modo geral, não há como pôr a mão nas rochas do manto se o magma não as trouxer”, diz Valdecir. “E ter acesso a esse material é crítico, porque é no manto que ocorre, ou pelo menos que se inicia, a maior parte dos processos de formação de magmas.”
“Ninguém vê as câmaras magmáticas em atividade, mas apenas o resultado, que são as rochas expostas”, diz Valdecir. O Havaí oferece algumas exceções. Em 1959, o magma que saiu do vulcão Kilauea ocupou uma depressão e formou um lago de lava com 640 metros de diâmetro e 135 de profundidade. Os geólogos esperaram a superfície da lava esfriar, andaram sobre o lago e acompanharam o resfriamento do magma durante anos, por meio de sucessivas perfurações, entendendo melhor o que se passava nas câmaras magmáticas.
Em 2008, como resultado inesperado de uma perfuração em uma região próxima ao Kilauea, o magma incandescente, que repousava a 2,5 quilômetros da profundidade, subiu à superfície. Um dos pesquisadores disse que encontrar o magma daquela forma era “tão emocionante quanto encontrar um dinossauro vivo brincando em uma ilha distante”.
O projeto
Contribuicões do manto e diferentes reservatórios crustais no magmatismo granítico neoproterozoico no Sudeste brasileiro (nº 2007/00635-5); Modalidade Linha Regular de Auxílio a Projeto de Pesquisa; Coordenador Valdecir de Assis Janasi – IG/USP; Investimento R$ 161.773,20
Artigo científico
ALVES, A. et al. Microgranitic enclaves as products of self-mixing events: a study of open-system processes in the Mauá granite, São Paulo, Brazil, based on in situ isotopic and trace elements in plagioclase. Journal of Petrology. v. 50, p. 2.221-47, 2009.