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Menos bichos mais pesquisas

Os zoológicos reveem seu papel na conservação da vida silvestre

Eduardo CesarOnça-pintada, maior felino das AméricasEduardo Cesar

Muitas espécies de animais hoje em vida livre passaram por zoológicos. O mico-leão-dourado, o condor americano, o condor andino, uma espécie de cervo da Oceania e outra de cavalo da Polônia, o diabo-da-tasmânia e o panda já estiveram em perigo iminente de extinção, foram levados para zoológicos, conseguiram se reproduzir e voltaram à vida livre. A ararinha-azul não foi mais vista nas matas, mas vive em zoológicos do Brasil. O rinoceronte-branco, chimpanzés e lobos já estariam extintos se não estivessem em cativeiro.

“Para muitas espécies, o zoológico é a última fronteira”, diz José Luiz Catão Dias, professor da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de São Paulo e ex-diretor técnico-científico do zoológico de São Paulo, o maior do Brasil, com um acervo de cerca de 3.100 animais, visitado anualmente por 2,5 milhões de pessoas, a maioria crianças. Os zoológicos participam há anos do esforço para conservar animais silvestres, embora não consigam acompanhar o ritmo em que seus ambientes naturais se perdem: dos estimados 2 milhões de espécies de seres vivos no mundo, 150 tipos únicos de organismos são extintos diariamente. Agora intensificam a colaboração com outras instituições para ampliar a pesquisa científica que possa beneficiar tanto os animais quanto os seres humanos.

Dentro de cochos de alvenaria com a frente de madeira pintada de verde, em um pátio cercado por mata atlântica, uma mistura de folhas, galhos e troncos de árvores triturados, serragem, um lodo rico em microalgas resultante do tratamento da água dos lagos, dejetos e carcaças dos animais se  decompõe durante 90 dias, antes de ser usada como adubo nas plantações e jardins do zoológico paulistano. Em meio ao material de compostagem, uma equipe da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) encontrou quase 400 espécies de microrganismos de interesse biotecnológico, por produzirem enzimas que podem facilitar o desenvolvimento de novos antibióticos, produtos de uso amplo como sabões em pó ou combustíveis derivados da cana-de-açúcar. Se as pesquisas correrem bem, vários microrganismos podem ganhar uma aplicação ambiental, por digerirem compostos poluentes como fenóis e hidrocarbonetos.

Em outra vertente, Fernando Soares, pesquisador do Hospital do Câncer AC Camargo e coordenador do Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) do Câncer financiado pela FAPESP, conheceu em dezembro a coleção de lâminas e blocos de parafinas com amostras de órgãos e tecidos de animais necropsiados desde 1958 – e gostou muito. “É um material intocado, que abre imensas oportunidades de pesquisa”, disse. “Queremos começar a trabalhar assim que possível, oferecendo nossa experiên­cia de 13 anos do banco de tumores do Hospital do Câncer, para formar um banco de tumores dos animais.” Um dos animais que tinha sido necropsiado havia pouco tempo quando Soares estava lá era um tamanduá com um câncer de fígado – tumores são bastante comuns, já que os animais em cativeiro vivem mais do que em vida livre. Outro era um orangotango obeso com uma severa aterosclerose, causada pelo acúmulo de gorduras de origem animal nas paredes dos vasos sanguíneos. Algo intrigante, porque orangotangos são herbívoros.

Normalmente, os zoológicos aprovam os projetos de pesquisa e o acesso aos animais, mas raramente veem os resultados finais. Para dimensionar essa contribuição à produção de conhecimento, o atual diretor técnico-científico do zoológico de São Paulo, João Batista da Cruz, conta que vasculhou as fontes possíveis de informações e encontrou cerca de 1.100 publicações acadêmicas (artigos científicos, teses ou dissertações) elaboradas por grupos externos de pesquisadores nos últimos 50 anos.

Eduardo CesarUrumutum, harpia e urubu-rei, já raros em vida livreEduardo Cesar

Como quase nunca têm equipes científicas próprias, diferentemente das instituições equivalentes em Nova York, Washington ou Berlim, os zoológicos daqui dependem das iniciativas, dos interesses e das equipes de outras instituições. Luiz Antônio da Silva Pires, presidente da Sociedade de Zoológicos do Brasil (SZB), diretor do zoo de Bauru e professor da Universidade de Marília, ajudou a aprovar cerca de 150 trabalhos para serem apresentados no próximo congresso dos zoológicos, marcado para o final de março em Gramado, no Rio Grande do Sul – quase todos de universidades. É provável que os zoológicos brasileiros consigam produzir mais e mais rapidamente quando não forem apenas fornecedores de animais ou de materiais, mas também tiverem equipes próprias de pesquisadores.

Agora, ao acompanharem de perto as novas pesquisas, os diretores do zoológico de São Paulo procuram desfazer a imagem de que um zoológico é apenas um lugar para expor animais que nem sempre teriam o merecido conforto. Os zoológicos estão revendo seu papel, em resposta a pressões de grupos de proteção de animais, órgãos de governo e visitantes, que esperam ver os animais em cativeiro sendo bem tratados.

Em novembro de 2010, em um dos lances mais recentes de contestação aos zoológicos, um grupo de organizações não governamentais pediu judicialmente, por meio de um habeas corpus, a transferência para espaços mais amplos de um chimpanzé mantido em um zoológico de Niterói, alegando que o animal estava deprimido. Um juiz do Rio de Janeiro negou o habeas corpus.

À frente desse movimento, o cubano Pedro Ynterian, presidente do Projeto dos Grandes Primatas (GAP), diz que não desistirá: “Vamos até o Supremo Tribunal e queremos que os juízes se pronunciem, determinando se um primata é um sujeito, portanto com direitos, ou um objeto como um carro. Os primatas são só os primeiros, porque queremos que outros animais, como os golfinhos, muito parecidos em inteligência com os seres humanos, também sejam reconhecidos como sujeitos”.

Ynterian divide o tempo entre sua empresa de microbiologia na cidade de São Paulo e o GAP, em Sorocaba, interior paulista. Ali, segundo ele, vivem 50 chimpanzés, a maioria vinda de circos e zoológicos, em espaços amplos, fechados para visitação pública. Com base nessa experiência, ele diz: “Em geral os zoológicos do Brasil, do modo como são administrados, são depósitos de animais que nunca vão sair de lá. Os animais não representam as espécies de vida livre, estão todos estressados e se acomodam em espaços pequenos e inapropriados, alguns com problemas mentais, expressos nos movimentos repetitivos. O que as crianças veem é uma caricatura do que se passa na natureza”.

Segundo ele, seria mais proveitoso assistir a documentários que mostram chimpanzés em movimento na mata. “Eles são inteligentes e sofrem muito com o assédio do público. Se os zoológicos não têm condições de fazer recintos grandes, para eles terem privacidade, é melhor não ter nada. Não quero fechar zoológicos, nem desempregar ninguém, mas mudar o propósito dos zoológicos, que deveriam ser centro de conservação, fechados à visitação.”

Catão Dias discorda. “Os zoológicos são janelas de conscientização do mundo. Quando as crianças veem animais da Amazônia ou do cerrado, enxergam melhor a importância de conservar as espécies animais e os ambientes em que originalmente viveram.” Segundo ele, os zoológicos poderiam ir muito além se valorizassem também as culturas humanas ligadas a cada espécie animal. “No zoológico de Buenos Aires, as paredes dos recintos dos leopardos-das-neves estão decoradas com desenhos do Nepal, já que esses animais vieram do Himalaia, e grupos budistas às vezes aparecem para realizar uma cerimônia de adoração do leopardo”, diz ele.

Catão Dias conta que em janeiro de 2005 ele assistiu em Buenos Aires aos representantes do povo mapuche homenagear os condores, que são seus mensageiros diante das divindades, mantidos cativos. Depois, ele participou da soltura dos condores em uma península do sul da Argentina. As penas que caíam eram recolhidas e entregues a um xamã, que as abençoava e depois as soltava ao vento. Ele ganhou uma pena e a pôs em um quadro que mantém em frente à sua mesa de trabalho. “Seria fantástico fazer esses resgates culturais com nossos bichos, usando as tradições dos povos indígenas, como os guaranis com o lobo-guará e a onça”, diz.

eduardo cesarViveiro de aves no zoo de São Pauloeduardo cesar

O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) está contribuindo para a modernização dos zoológicos mostrando mais rigor na fiscalização: nos últimos anos, fechou totalmente ou apenas para visitação uma dezena de instituições que não tinham equipes, condições sanitárias nem infraestruturas adequadas. “Os zoológicos não eram obrigados a ter sequer um técnico para cuidar dos animais, mas hoje têm de ter no mínimo um médico veterinário e um biólogo”, observa Pires. “Não há mais como justificar a manutenção de um animal em cativeiro se não estiver em plenitude de saúde física e psicológica.” Ainda assim há muito por fazer. Das 129 instituições ligadas à SZB, apenas 45 estão registradas no Ibama.

Manter animais em cativeiro é um hábito antigo. Há 5 mil anos os faraós já colecionavam hienas, macacos, leopardos, girafas e aves. Os imperadores chineses e romanos e mais tarde os reis europeus também gostavam de expor animais exóticos, que atestavam como eram vastos seus domínios. No Brasil, as primeiras coleções tomaram forma no Museu Emílio Goeldi, em Belém do Pará, em 1882, e depois no Rio de Janeiro, Curitiba, São Paulo e outras cidades, mais intensamente a partir dos anos 1970. Agora, procurando se renovar, os zoológicos brasileiros diversificam as coleções, hoje de cerca de 40 mil animais do Brasil ou de outros países, incluindo os peixes, normalmente pouco lembrados por quem sai no domingo de sol para ver leões e girafas. “Aquário também é zoológico”, afirma Pires.

Segundo Catão Dias, os zoológicos tendem a ter menos animais, mas todos eles com mais qualidade de vida. Ele conta que em 2001, ao assumir a diretoria técnico-científica do zoológico paulistano, viviam ali cerca de 4.600 animais. Com base em um planejamento sobre espécies prioritárias para conservação e em informações sobre o estado de saúde, idade e abundância dos animais, começou um controle da procriação, por meio de esterilização ou vasectomia, e o total caiu para 3.100 em 2007, quando ele deixou o cargo. “Em seis anos, reduzimos à metade o número de grandes carnívoros, como leão, onça e suçuarana, cuja população era muito grande, sem prejuízo para a conservação dessas espécies.”

Outra decisão: “Desde 2001 não aceitamos mais animais provenientes de apreensão ou de doações”, diz Paulo Magalhães Bressan, diretor presidente do zoológico de São Paulo. “Não há mais espaço. Ainda temos um longo caminho a trilhar, mas a imagem de zoológicos como depósitos de animais é equivocada. Os zoológicos já foram assim, mas não são mais.” Tanto quanto a redução da população de animais, a pesquisa científica costumava correr em silêncio. Raramente se acompanhava de perto uma pesquisa, como está acontecendo com a busca de microrganismos no material em decomposição nos fundos do zoo de São Paulo.

Esse trabalho começou de modo inusual: com uma mala perdida no aeroporto de Chicago. A bagagem vinha do Japão, com amostras de microrganismos extraídos de fezes de animais de zoológicos. Kohei Oda, professor emérito do Instituto Tecnológico de Kyoto, pretendia investigar as propriedades desses microrganismos na Unifesp, onde estava temporariamente em 2007. Oda já havia descoberto micróbios produtores de enzimas que ajudaram a desenvolver novos métodos para degradar embalagens plásticas.

Em busca de organismos similares, o professor da Unifesp Luiz Juliano Neto levou Oda para conhecer a unidade de compostagem do zoológico paulistano. Oda exultou, mas logo teve de voltar ao Japão. A equipe da Unifesp prosseguiu. “Ninguém queria mexer nos dejetos dos animais, mas de repente todos estão vendo que aquilo vale ouro”, diz Juliano, coordenador do grupo, que já atraiu colaboradores da USP e da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Luis Fernando Tamassia, gerente de pesquisa da Tortuga, fabricante de rações para animais, acompanha o trabalho, com interesse especial em um grupo específico de enzimas, as fitases, que podem facilitar a absorção dos alimentos e gerar menos dejetos.

eduardo cesarRinoceronte-branco, ameaçado de extinçãoeduardo cesar

Pelo menos uma vez por semana, Renata Pascon e Julio Cezar Franco de Oliveira, professores da Unifesp, põem botas, avental e luvas, sobem nos cochos e colhem amostras de diferentes profundidades do material em decomposição. Isolar e identificar os microrganismos cultiváveis era demorado, mas em 2008 Juliano soube que um equipamento de seu laboratório, um espectrômetro de massa usado para separar e identificar proteínas, poderia ser utilizado para identificar microrganismos. “A identificação das espécies passou de semanas para algumas horas”, diz Renata. O próximo desafio é produzir as enzimas de maior interesse. Segundo Oliveira, raramente os microrganismos crescem fora de seus próprios ambientes. Por essa razão, os pesquisadores estão formando um banco de microrganismos e de clones de genes. Eles acreditam que poderão expressar os genes em bactérias que produzirão as enzimas.

O zoológico de São Paulo deve participar da gestão do Centro de Pesquisa de Triagem de Animais Silvestres (CPTRAS), que deve entrar em operação este ano em Cubatão, litoral paulista. Dirigido por Eliana Matushima e Luiz Carlos de Sá-Rocha, professores da Faculdade de Veterinária da USP, o centro deve promover a pesquisa de animais provenientes da mata atlântica e ajudar na busca de novos critérios sobre o que fazer com eles.

Estima-se que os órgãos do governo apreendam milhões de animais todo ano do tráfico ilegal; só a Polícia Ambiental paulista reteve 25 mil animais em 2005, o último ano contabilizado. A maioria morre. Os que sobrevivem são soltos, nem sempre nos espaços de onde vieram, ou vão para criadores autorizados. “Soltar animais sem o devido cuidado pode ser desastroso”, alerta Cruz. “Duas espécies de saguis, o Callithrix jacchus, vindo do Nordeste por meio do tráfico e introduzido no estado de São Paulo, e o C. penicillata, que ocorre em zonas de transição entre estados em São Paulo, são mais agressivos e ameaçam uma espécie endêmica em São Paulo e Rio de Janeiro, o C. aurita, competindo por espaço e alimentos. O resultado pode ser a perda de biodiversidade do Sudeste.”

Bressan e Cruz acreditam que, por meio do novo centro, poderão propor, com base em recomendações internacionais, critérios sobre a destinação dos animais selvagens apreen­didos ou abandonados. “Não existem diretrizes legais, técnicas ou científicas que indiquem claramente o que fazer”, diz Cruz. “A eutanásia de animais silvestres, adotada em instituições públicas de outros países, por aqui ainda é polêmica.” Segundo Pires, em alguns países os animais são sacrificados no próprio aeroporto em que são apreendidos, o que contribui para evitar a disseminação de vírus desconhecidos. Diz Catão Dias: “Os zoológicos da Austrália não podiam atender cangurus atropelados, que eram eutanasiados, porque a população desses animais em cativeiro já era grande o bastante”.

Bressan conta que o labirinto de leis dificulta o esforço de conservação: “Um criador de Belo Horizonte está separando harpias machos e fêmeas porque não quer que se reproduzam mais. As harpias nos interessam, mas enquanto não tivermos as autorizações de vários órgãos do governo federal, elas não saem de lá”.

Cristiano Azevedo, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais e atualmente no Centro Universitário de Belo Horizonte, verificou que os zoológicos brasileiros estão longe de representar a diversidade das aves brasileiras. Seu levantamento, publicado na Zoo Biology, indicou que os zoológicos brasileiros mantêm 350 espécies de aves – ainda pouco diante das quase 2 mil espécies nativas. Outra conclusão é que as espécies mais ameaçadas de extinção são as menos encontradas nos zoológicos. Azevedo participou da elaboração de um índice matemático que avalia o papel dos zoológicos na conservação de animais silvestres: “O único com resultados satisfatórios foi o zoológico de São Paulo. Os outros estão aquém do desejável”.

Dificilmente os zoológicos conseguirão acompanhar o desejo dos amantes da vida silvestre.“O Brasil é um país megadiverso, com megaproblemas e micro-orçamentos. Não conseguiremos representar a biodiversidade brasileira nos zoos”, comenta Catão Dias. Bressan acrescenta: “Temos de identificar as espécies prioritárias”. Pires alerta: “Os zoológicos não são uma Arca de Noé”.

De volta às matas

Eduardo Pontes/Mata CiliarAnhanguera, encontrada em uma rodovia e solta na serra do JapiEduardo Pontes/Mata Ciliar

Anhanguera, uma suçuarana de quase 2 anos de idade, um metro e meio de comprimento e 42 quilogramas de peso, voltou à liberdade no dia 10 de fevereiro, ao deixar um cercado de 100 metros quadrados, limitado por telas de metal, em que viveu durante um mês, em meio a uma vegetação alta e fechada, a quase 2 mil metros de altitude na serra do Japi, remanescente de mata atlântica próximo à capital paulista.

“O que sempre sonhei agora estamos conseguindo”, celebrou Cristina Harumi Adania, coor­denadora de fauna da Associação Mata Ciliar, uma das raras organizações não governamentais do país que cuidam de animais silvestres e fazem pesquisas sobre estratégias de conservação, em colaboração com universidades do Brasil e dos Estados Unidos, órgãos públicos e empresas.

Cristina estava à frente dos pesquisadores que subiram a serra até o cerco onde Anhanguera vivia. Sem que o animal os visse, instalaram três câmaras para registrar sua saída, abriram a entrada e partiram em silêncio por volta das 5h30 do dia 10. Também sem ser visto, o biólogo Jairo de Cássio Pereira subiu e desceu dois quilômetros de mata íngreme uma ou duas vezes por dia no último mês, para enviar presas vivas (codornas e cobaias) através de um tubo de PVC para dentro do cercado; assim a suçuarana poderia caçar, preparando-se para a volta à liberdade, sem associar alimento à presença humana.

“Não queremos só soltar, mas também monitorar os animais após a soltura. Como saber se realmente conseguirão sobreviver?”, diz Cristina. Encontrada muito magra, com ferimentos e um dente quebrado após ter sido atropelada na Rodovia Anhanguera em setembro de 2009, a suçuarana agora carrega um colar especial, por meio do qual os pesquisadores da Mata Ciliar pretendem seguir seus movimentos e conhecer melhor seu comportamento em vida livre. Desde o ano passado, eles seguem uma onça e dois lobos-guarás com coleira. Nem tudo sai como desejado. Em novembro de 2010, um dos lobos, capturado em Campinas, morreu atropelado na Rodovia Dom Pedro I, depois de correr 25 quilômetros em um só dia (bem mais dos que os habituais um ou dois quilômetros dos dias anteriores) fugindo da queimada de uma mata de Bragança Paulista, onde fora solto.

A equipe da Mata Ciliar, por meio do Centro de Reabilitação de Animais Silvestres (Cras) e do Centro Brasileiro para Conservação de Felinos Neotropicais, localizados em uma fazenda de 36 hectares em Jundiaí, a 60 quilômetros da capital, recebe em média cinco animais silvestres da região por dia e quando possível os solta nos próprios lugares de onde vieram. Em um único dia do início de fevereiro, a equipe da ONG tinha soltado duas jiboias, um gavião-carijó e 15 aves, que apareceram na cidade de Cabreúva depois de chuvas fortes alagarem o trecho da mata em que viviam.

Às vezes a equipe da Mata Ciliar devolve os animais assim que os encontra, como aconteceu com uma onça-parda, retirada, com a ajuda dos bombeiros, de uma árvore, a 30 metros do solo, no município de Itirapina, próximo a São Carlos. Os felinos são carismáticos a ponto de atraírem admiradores e patrocínio de empresas que ajudam a pagar, por exemplo, os colares. Mas o que fazer com um gambá, ou melhor, com os oito gambás trazidos por moradores da região? “Também cuidamos, reduzindo ao mínimo o contato com as pessoas, e os devolvemos à mata”, diz Cristina. Segundo ela, ainda existem lacunas nas regras que estabelecem como e quando soltar.

Banco de DNA
Nem todos os animais voltam aos espaços em que viviam. Uma das razões é que as matas estão encolhendo. William Douglas de Carvalho, pesquisador da Mata Ciliar, tem notado que os condomínios residenciais estão “estrangulando a serra do Japi”, como ele diz. “Os animais se perdem e não conseguem mais voltar aos espaços em que viviam.” Nas matas da serra, Carvalho localizou 32 espécies nativas de mamíferos, além de espécies invasoras como a lebre europeia, o ratão-do-banhado e um número crescente de cachorros domésticos. Outra razão é que muitos animais resgatados seriam predados facilmente ou provavelmente não conseguiriam sobreviver se retornassem às matas. Por essa razão é que a Mata Ciliar mantém atualmente cerca de 200 animais, entre eles um gavião de asa amputada, bugios feridos por cães e papagaios sempre criados por pessoas, além de felinos nascidos em cativeiro.

Em freezers e botijões de nitrogênio líquido estão cerca de 20 mil amostras de DNA, sangue e outros materiais, que têm sido úteis em pesquisas sobre a biologia, a reprodução e o comportamento de animais silvestres. Em 2007 nasceram ali três jaguatiricas, por meio de transferência de embriões, uma técnica muito pouco usada com felinos no Brasil e adotada como resultado de uma colaboração com as equipes do zoológico de Cincinnati, Estados Unidos. Cristina terminou em 2009 o doutorado na USP sobre fisiologia e gestação de jaguatiricas, que, como outros felinos brasileiros, se encontram ameaçadas de extinção.

O projeto
Estabelecimento de um laboratório de microbiologia aplicada no parque zoológico de São Paulo: identificação e isolamento de microrganismos que produzam enzimas e seus inibidores (nº 2009/52030-5); Modalidade Linha Regular de Auxílio a Projeto de Pesquisa; Co­or­de­na­dor Luiz Juliano Neto – Unifesp; Investimento R$ 1.046.124,23 (FAPESP).

Artigo científico
AZEVEDO, C. et al. Role of Brazilian Zoos in Ex Situ Bird Conservation: from 1981 to 2005. Zoo Biology. 29, 1-17. nov. 2010

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