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Indústria de papel

Brancura total

Pequena empresa desenvolve enzima para alvejar a celulose sem dano ambiental

Leo RamosUm novo tipo de enzima para branqueamento de celulose, mais eficiente e barata e que não causa problemas ambientais, poderá chegar em breve ao mercado. Ela foi desenvolvida pela empresa Verdartis Desenvolvimento Biotecnológico, que se originou de um grupo de pesquisas da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto. Entre as vantagens do novo produto estão a redução do volume de água usada no processamento da madeira para a obtenção da celulose e da quantidade de dióxido de cloro, o agente químico empregado no seu branqueamento. Além disso, a enzima pode ser personalizada, de acordo com as características e necessidade de cada indústria de papel. Para conseguir criá-la, a Verdartis contou com os recursos de cinco projetos financiados pelo programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), da FAPESP.

O sócio da empresa, Marcos Roberto Lourenzoni, formado no Departamento de Química da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP), da USP, explica que a celulose é composta de elementos fibrosos que são individualizados no processamento industrial da madeira e adquirem uma coloração marrom devido à presença de lignocompostos. Para tornar  essas fibras adequadas para a fabricação de papéis, o branqueamento é uma etapa fundamental em que são necessários compostos químicos  de custo alto e exigentes em cuidados específicos  durante o descarte na forma de efluentes industriais. Nesse processo, duas substâncias químicas remanescentes, a lignina e grupos chamados de urônicos, são responsáveis pelo consumo dos reagentes presentes nas fibras e que podem ser reduzidos com o emprego de enzimas.

O dióxido de cloro reage com a lignina, responsável pela coloração marrom, quebrando-a em moléculas menores, que são solúveis e extraídas no processo. Muito dessa lignina fica encapsulada pela polpa, o que exige maiores quantidades de dióxido de cloro e outros reagentes para acessá-la. “No caso das enzimas, elas são específicas para atuar na quebra do substrato e de outros componentes da celulose, como a lignina residual”, explica Lourenzoni. “Isso proporciona a criação de poros na polpa e possibilita que o dióxido de cloro acesse mais facilmente a lignina. Com isso, é necessária uma quantidade menor de químicos para alcançar o mesmo efeito. A vantagem é uma redução de custos.

Além  de reduzir os custos do branqueamento, as enzimas desenvolvidas pela Verdartis podem fazer o mesmo em relação ao gasto com a energia elétrica necessária para o refino da celulose. Nessa etapa, a celulose é diluída em água, passando por refinadores para provocar desfibrilamento de macrofibrilas consumindo energia elétrica em processo mecânico. A ação das enzimas quebra grupos de celulose, facilitando a ação de refino e, consequentemente, diminuindo o consumo de energia elétrica.

Enzimas são proteínas produzidas pelos organismos vivos que desempenham a função de catalisadores, ou seja, têm a propriedade de acelerar reações químicas. Para que possam ser usadas em um processo industrial, no entanto, elas têm de ser produzidas em grande quantidade, em pouco tempo e com características específicas e desejadas. Já existe no mercado uma série de enzimas para branqueamento de celulose. O problema é que elas são muito caras e liberam grande quantidade de material orgânico nos efluentes, que exige tratamento e mais aumento de custos.

É aí que entra a tecnologia desenvolvida pela Verdartis. Por meio de engenharia molecular (ou engenharia genética), a empresa produz, a partir de microrganismos como a bactéria Escherichia coli, catalisadores personalizados para cada processo industrial ou cada fábrica de seus clientes. “Ou seja, criamos a enzima para o processo em vez de modificar o processo para a enzima”, diz Lourenzoni. “Além disso, ela não solta resíduos na água, o que a torna mais eficiente no âmbito econômico e ambiental.”

Entre as técnicas usadas para isso, está a chamada evolução dirigida, também conhecida como biotecnologia evolutiva. De forma mais rápida que na natureza, ela reproduz em laboratório a evolução da biodiversidade natural por meio do mesmo mecanismo de seleção por adaptação ao ambiente. Na prática, a evolução dirigida mimetiza o que ocorre na natureza, ou seja, na evolução natural (mutação, recombinação e seleção natural). A diferença é que as propriedades que se deseja para as enzimas são predefinidas pelos cientistas.

Nessa técnica, mutações aleatórias são induzidas no DNA, dando origem a uma “biblioteca” de genes modificados, na qual cada um deles codifica um catalisador. “Nessa biblioteca há milhões de possibilidades ou combinações, dentre as quais algumas são boas soluções para expressar a característica que se está buscando para uma determinada enzima”, explica Lourenzoni. “Na prática, uma biblioteca com genes de enzimas selvagens é criada. Depois, cópias desses genes são inseridas em vetores de expressão, que são usados para transformar o microrganismo, no caso da Verdartis, a E. coli.”

Genes para a evolução
 Dessa forma, um conjunto de bactérias, cada uma com um determinado gene, vai produzir uma enzima diferente. Um conjunto desses é selecionado, o que representa uma quantidade bem pequena em relação a todas as combinações da biblioteca, pois é impossível processar e testar todas as possibilidades geradas. Com esse conjunto é possível encontrar enzimas adaptadas para atuar num determinado ambiente, que simula as condições industriais desejadas, e selecionar aquelas que forem funcionais. O passo seguinte é sequenciar o DNA dessas enzimas e verificar suas mutações. “Os genes dessas melhores enzimas podem ser submetidos a recombinações visando à evolução”, explica Lourenzoni.

Mas isso só não basta. Embora a evolução dirigida seja muito mais rápida que a natural, não é o suficiente para sustentar o modelo de negócio de enzimas parsonalizadas. O processo para criar uma determinada enzima pode demorar meses, mas a necessidade do mercado por novas é imediata. Por isso ele precisa ser acelerado. Para resolver o problema, a Verdartis desenvolveu um software, chamado Artizima, usado para lidar com o número astronômico de variantes de enzimas que são avaliadas experimentalmente. O uso da ferramenta possibilita acelerar ciclos de evolução dirigida, minimizando o tempo do desenvolvimento de um catalisador específico para uma determinada função.

O passo final da tecnologia é a produção em escala laboratorial e posteriormente industrial fase que a empresa ainda não atingiu. De qualquer forma, Lourenzoni explica que esse processo é dividido em duas etapas: a primeira é a produção propriamente dita em fermentadores e a segunda, chamada downstream, é a de separação e purificação da enzima.

Bases da transformação
A biotecnologia foi inicialmente desenvolvida na tese de doutorado de Roberto Ruller, orientada pelo professor Richard John Ward, do Departamento de Química da FFCLRP. Após o fim de seu próprio doutoramento, Lourenzoni foi trabalhar em uma empresa de base tecnológica, na qual foi procurado por Ward, que queria saber se ela se interessaria pela tecnologia. Como o foco dela era tecnologia da informação, a ideia não foi aceita. “Decidimos então, em 2006, abrir outra firma para transformar a pesquisa feita pelo Ruller e Ward em tecnologia”, conta Lourenzoni.

Na época, a Verdartis participou de concursos de planos de negócios organizados pela Incubadora de Empresa de Base Tecnológica Supera, criada em 2003, numa parceria entre a USP, a Fundação Instituto Polo Avançado em Saúde (Fipase), a Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto e o Sebrae. “Vencemos o concurso em 2007 e um dos prêmios foi o direito de ter uma sala na incubadora, que era muito pequena e o espaço muito disputado”, lembra o diretor da Verdartis. “Dessa forma, a empresa foi criada em junho do mesmo ano, quando submetemos um projeto Pipe do qual fui coordenador.”

O financiamento da FAPESP possibilitou à empresa avançar no desenvolvimento de tecnologias a partir do que foi transferido dos laboratórios de Ward. Outros projetos apoiados pelo Pipe se seguiram. O segundo, aprovado em 2009, foi para o desenvolvimento do bioprocesso para produção de enzimas. Ainda no mesmo ano, a Verdartis teve um terceiro projeto aprovado na FAPESP, dessa vez um Pipe para a criação de software para auxiliar a desenvolver catalisadores in silico (num computador). A empresa também recebe recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e dos sócios.

Em 2011, o quarto Pipe foi iniciado e está em vigência, com o objetivo de melhorar a eficiência catalítica de enzimas, em altas temperaturas e pHs entre 8 e 10. Em 2012 a Verdartis aprovou no edital Pipe-III seu quinto projeto, para desenvolver parte do escalonamento do bioprocesso de produção de enzimas. Esse projeto está sendo apoiado pela Suzano Papel e Celulose S/A, que tem interesse nesse desenvolvimento. O próximo passo é construir uma fábrica, com capacidade para a produção de qualquer catalisador, por meio de fermentação de qualquer microrganismo. Para montá-la, a Verdartis está em conversações com alguns possíveis parceiros investidores.

No que depender da avaliação da Suzano, as enzimas desenvolvidas pela pequena empresa de Ribeirão Preto têm futuro. “Nós já testamos a maior parte das que existem no mercado e sempre encontramos problemas”, conta Augusto Fernandes Milanez, consultor de produção e pesquisa e desenvolvimento da companhia. “Os dois principais são o preço alto e a grande quantidade de material orgânico que elas liberam nos efluentes.” Por isso, a Suzano está apoiando e orientando a Verdartis no desenvolvimento de seus catalisadores, além de fornecer a celulose para testes e realizar ensaios e análises dos resultados. “O pessoal dessa empresa tem conseguido avanços promissores”, diz Milanez. “A cada vez que vemos o produto, constatamos evoluções. Por isso vemos potencial nas enzimas da Verdartis.”

O que também não falta é mercado em potencial para esses catalisadores. O Brasil é um dos maiores e mais modernos fabricantes de papel do mundo, com 222 indústrias em atividade e 2,2 milhões de hectares de florestas plantadas para fins industriais. Segundo dados da Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa), a receita de exportações do setor em 2011 foi de US$ 7,2 bilhões, um crescimento de 6,2% em relação a 2010. Desse total, US$ 5 bilhões correspondem às exportações de celulose, responsáveis por 69,5% da receita total de exportações do segmento no ano passado. Como se vê, não faltará mercado para enzimas branqueadoras.

Os Projetos
1. Persozyme – enzimas personalizadas criadas por evolução dirigida para uso no biobranqueamento da polpa de celulose (n° 2007/51561-1); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Co­or­de­na­dor Marcos Roberto Lourenzoni – Verdartis; Investimento R$ 261.866,47 e US$ 72.891,00 (FAPESP)
2. Artizima – ferramenta computacional para evolução in silico de enzimas utilizadas em biorrefinarias (n° 2007/59308-3); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Co­or­de­na­dor Renato Luis Tame Parreira – Verdartis; Investimento R$ 79.120,80 (FAPESP)
3. Bioprocesso de produção de enzimas para biorrefinaria de biomassa: branqueamento de celulose (nº 2008/53426-7); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Co­or­de­na­dor Alvaro de Baptista Neto – Verdartis; Investimento R$ 141.712,46 e US$ 22.582,85 (FAPESP)
4. Desenvolvimento de enzimas para biobranqueamento de celulose: serviço de personalização de enzimas através de um processo robusto e inovador de engenharia molecular (nº 2010/50328-4); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Co­or­de­na­dora Ninive Aguiar Frattini – Verdartis; Investimento R$ 262.280,68 e US$ 145.863,76 (FAPESP)
5. Bioprocesso de produção de enzimas para biorrefinaria de biomassa: branqueamento de celulose (nº 2011/51096-2); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Co­or­de­na­dor Alvaro de Baptista Neto – Verdartis; Investimento R$ 64.463,72 e US$ 38.212,41 (FAPESP)

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