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Agricultura

Inseto contra inseto

Empresa multiplica vespas que atuam no controle biológico e é escolhida uma das 50 mais inovadoras do mundo

Podcast: Marcelo Poletti

 
     
Uma startup criada há 11 anos por estudantes de pós-graduação da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP), é uma das 50 companhias mais inovadoras do mundo, segundo ranking elaborado pela revista norte-americana de tecnologia Fast Company. A empresa Bug Agentes Biológicos, com sede em Piracicaba, no interior paulista, atua no controle biológico de pragas e desenvolveu um método eficiente para multiplicar insetos capazes de dizimar outros seres semelhantes que atacam plantações de cana-de-açúcar e outras lavouras. A lista da Fast Company, publicada anualmente, é encabeçada em 2012 por grandes multinacionais do setor de tecnologia, como Apple, Facebook e Google.

A Bug é a primeira brasileira da relação, à frente de gigantes como Petrobras, Embraer e Grupo EBX. A empresa também figura na terceira posição no top 10 do setor de biotecnologia, elaborado pela revista. “Foi uma surpresa esse prêmio da Fast Company”, disse o engenheiro agrônomo Alexandre de Sene Pinto, um dos sócios da Bug. “A tecnologia adotada para multiplicar a vespa do gênero Trichogramma galloi, que ataca uma praga comum em canaviais, contribuiu para essa colocação. Mas também foi relevante o fato de termos conseguido, em apenas dois anos de comercialização desse inseto, tratar no Brasil uma área equivalente a 500 mil hectares de cana-de-açúcar”, diz ele.

A ação do T. galloi é diferenciada porque a vespa ataca os ovos da mariposa conhecida como broca-da-cana (Diatraea saccharalis), inoculando neles seus próprios ovos e impedindo que o inseto, na sua fase de lagarta, ecloda e ataque a planta. Os insetos usados no controle biológico parasitam lagartas e congêneres adultos que já tiveram a chance de atacar a plantação. A multiplicação e a comercialização de vespas do gênero Trichogramma não é algo inédito no mundo – aqui no Brasil a técnica foi desenvolvida décadas atrás no Laboratório de Biologia de Insetos da Esalq-USP.

A inovação da Bug foi desenvolver um método eficiente e economicamente viável de multiplicar a espécie T. galloi. “Isso é mais difícil de ser feito, porque essa vespinha se desenvolve muito bem nos ovos da broca-da-cana, cuja criação em laboratório é muito onerosa. Para vencer esse obstáculo, utilizamos ovos de um hospedeiro alternativo, uma traça de farinha, de fácil criação, chamada Anagasta kuehniella, para multiplicar a vespa. Com isso, conseguimos reproduzi-la em escala industrial”, diz Alexandre.

heraldo negri / bugAs cartelas são colocadas na plantação de cana a intervalos de 20 metros. Depois da eclosão dos ovos, as vespinhas saem por furinhos da cartelaheraldo negri / bug

O controle biológico, como o nome sugere, é uma atividade que emprega agentes – insetos, ácaros, fungos, vírus e bactérias – para combater pragas que destroem as mais variadas plantações. Além da cana, o método também é empregado nas lavouras de soja, milho, plantas frutíferas, hortaliças e outras. Ele faz parte do manejo integrado de pragas,  conceito surgido nos Estados Unidos e na Europa nos anos 1960 como alternativa à aplicação de agrotóxicos para controlar insetos e outras pragas presentes no campo.

Combater pragas com organismos vivos é uma atividade em expansão no Brasil. As estatísticas são imprecisas, mas estima-se o seu emprego em mais de 7 milhões de hectares de lavouras, apresentando vantagens ambientais em relação ao uso de inseticidas. O setor, segundo a Associação Brasileira das Empresas de Controle Biológico (ABCbio), faturou R$ 250 milhões em 2010. Esse número representa 3% do mercado de agrotóxicos no Brasil, que foi de R$ 8 bilhões no mesmo ano. “O controle biológico é uma das poucas medidas de controle de pragas que atende às exigências de uma agricultura sustentável, tão desejável no mundo”, diz o professor José Roberto Postali Parra, coordenador do Laboratório de Biologia de Insetos da Esalq e um dos maiores especialistas no tema no Brasil. Segundo ele, controle biológico não é poluente, não causa intoxicação nos aplicadores e não deixa resíduos nos alimentos. Além disso, não precisa ser aplicado diretamente na praga, porque os agentes localizam suas presas no campo, não causa impactos secundários – entre eles atingir organismos que não são alvo – e não desenvolve resistência da praga.

“A maioria dos inseticidas não consegue alcançar nenhuma dessas vantagens e os demais falham em algumas delas, especialmente no que se refere aos impactos secundários, que, de alguma forma, geram desequilíbrios ambientais”, afirma Alexandre Pinto.

Atualmente, por volta de 230 agentes são empregados no controle biológico de pragas em todo o mundo. De forma geral, eles são divididos em duas categorias: de um lado, organismos microbiológicos (ou microrganismos) como fungos, vírus e bactérias, e, de outro, organismos macrobiológicos, visíveis a olho nu, como insetos e ácaros. Os últimos, por sua vez, podem ser classificados como predadores ou parasitoides. Geralmente menores que seu hospedeiro, precisam de apenas um desses insetos para completar seu ciclo. Sua fase adulta é livre e normalmente não mata seu hospedeiro até sair dele. Já os predadores costumam ser maiores do que suas presas, precisam de mais de um indivíduo para completar seu ciclo e matam as presas antes de completar todo o ciclo. A tecnologia de multiplicação e liberação de organismos macrobiológicos costuma ser mais complexa do que a produção de microrganismos, que são vendidos em formulações em pó ou granulado.

heraldo negri / bugParasitoide Telenomus podisi no combate aos ovos de percevejoheraldo negri / bug

No Brasil, cerca de 70 empresas comercializam 12 insetos e ácaros, além de dezenas de microrganismos. Outros 55 laboratórios mantidos por usinas de cana criam agentes macrobiológicos para uso próprio. A Bug possui no seu portfólio três ácaros predadores (Neoseiulus californicus, Phytoseiulus macropilis e Stratiolaelaps scimitus) e quatro vespas parasitoides (Cotesia flavipes, Trichogramma pretiosum, Trichogramma galloi e Telenomus podisi). Outros quatro animais – o percevejo Orius insidiosus, o ácaro Neoseiulus barkeri e as vespas Telenomus remus e Trissolcus basalis – já são multiplicados e usados experimentalmente pela empresa, mas ainda não possuem registro nos órgãos oficiais de controle de atividade.

Apoio financeiro
No final de 2011, a Bug fundiu-se com a Promip, outra companhia do segmento, com o objetivo de aumentar a oferta de produtos. Com a fusão, ela passou a vender quase todas as espécies de insetos e ácaros disponíveis no Brasil. As duas empresas, Bug e Promip, tinham muito em comum: eram da mesma cidade, nasceram dentro da Esalq e contaram com projetos de inovação tecnológica aprovados pela FAPESP para se viabilizar. A Bug recebeu três financiamentos da Fundação (ver Pesquisa FAPESP n° 87) e a Promip, um.

O apoio financeiro se deu em grande parte para o desenvolvimento da multiplicação dos agentes biológicos, uma tarefa complexa que envolve também a multiplicação das pragas. No caso do Trichogramma galloi, os técnicos da Bug precisam criar em laboratório tanto as vespas quanto os hospedeiros alternativos, as traças. No início do processo indivíduos adultos da traça são colocados para acasalar em caixas plásticas contendo farinha de trigo e levedura – essa mistura é a dieta das traças. Nesses recipientes as fêmeas colocam seus ovos, que, numa etapa posterior, serão parasitados pela vespinha T. galloi. Após a emergência dos primeiros adultos da traça, eles são separados, peneirados para a eliminação de restos de farinha e transferidos para caixas coletoras de ovos. Essas caixas são produtivas por cinco a sete dias, período de vida das traças adultas, quando os ovos desse inseto são recolhidos e esterilizados com luz ultravioleta, inviabilizando o embrião da traça. Em seguida, os ovos são oferecidos à vespinha, que põe de um a dois ovos dentro do ovo da traça.

heraldo negri / bugVespa Cotesia flavipes ataca a broca-da-canaheraldo negri / bug

Os ovos parasitados são colocados em embalagens perfuradas criadas e patentea-das pela Bug. Elas são feitas de cartelas biodegradáveis formadas por três camadas superpostas de papelão. A camada intermediária tem “túneis” milimétricos, que formam cápsulas capazes de armazenar 2 mil ovos. As cartelas são vendidas aos agricultores, que as instalam na planta. Depois que as vespinhas eclodem dos ovos, elas saem voando pelos furinhos da cartela (veja o infográfico no fim da matéria). “A liberação deve ser feita semanalmente, durante três semanas seguidas, numa média de 50 mil vespas por hectare. Como o inseto só voa 10 metros durante sua curta vida, de uma semana, as cartelas precisam ser posicionadas num raio de 20 metros uma das outras”, explica o sócio da Bug.

Quando a fêmea adulta do Trichogramma encontra os ovos da broca-da-cana, ela os parasita, inoculando dentro deles seus próprios ovos. Com isso, impede que a lagarta se prolifere. Em sua forma adulta, a broca é uma mariposa de hábitos noturnos, de cor amarelo-palha. As fêmeas colocam os ovos nas folhas. As lagartas, depois de algum tempo, penetram na cana, onde se abrigam e se alimentam, prejudicando o canavial.

A cultura da cana é a que mais utiliza o controle biológico de pragas no Brasil. “Há cerca de 50 anos os agricultores empregam essa tecnologia e já incorporaram a atividade no seu modo de produção”, diz Parra. A vespa Cotesia flavipes, que também parasita a broca-da-cana, é o inseto mais usado no combate a essa praga. A diferença é que ela ataca a lagarta, enquanto o Trichogramma parasita os ovos antes da eclosão da lagarta. Estima-se que 4 milhões de hectares de canaviais – cerca de 50% da área cultivada – são tratados com as vespas Cotesia e Trichogramma e com o fungo Metarhizium anisopliae. Este último combate duas outras pragas, a cigarrinha-das-raízes e a cigarrinha-das-folhas.

072_INFOPraga_195Estudos revelam que a associação de T. galloi com C. flavipes tem garantido resultados excelentes. “Em áreas onde a infestação supera os 15% da plantação, o uso concomitante das duas vespinhas é uma prática rentável. Liberando-se por três semanas seguidas Trichogramma e, logo após, por duas semanas Cotesia, é possível evitar perdas de R$ 935,00 por hectare, descontando o investimento. Caso o agricultor opte por usar apenas Cotesia, a redução de perda cairia para R$ 674,00 por hectare”, diz Alexandre. Esses cálculos, explica o pesquisador, levaram em consideração apenas os valores sobre o açúcar refinado amorfo, produto adquirido pela indústria alimentícia.

O controle biológico também está presente em mais de 2 milhões de hectares de soja – cerca de 8% da área total do plantio no país. O produto mais usado é o fungo Trichoderma harzianum, que combate o mofo branco, doença causada pelo fungo Sclerotinia sclerotiorum. Em cerca de 18 mil hectares são usadas a vespa T. pretiosum no controle das lagartas desfolhadoras e a vespa Telenomus podisi, que parasita ovos de percevejos. “A cultura de soja tem um potencial fantástico para o controle biológico, especialmente depois da proibição do uso do agrotóxico endossulfam, empregado para o controle de percevejo. Sem esse inseticida, a cultura fica sem muitas opções químicas para combater a praga”, diz Parra.

Na cultura do milho, os agricultores utilizam em 20 mil hectares (menos de 1% do total) a vespa Trichogramma pretiosum contra a lagarta-do-cartucho e a T. galloi contra a broca-da-cana, também comum em milharais. Em 3 mil hectares de plantio de tomate, a vespa T. pretiosum é empregada no controle de lagartas desfolhadoras. Florestas de pinus também recorrem ao controle biológico para combater a vespa-da-madeira e as lagartas desfolhadoras. Segundo a bióloga Susete Penteado, da unidade Embrapa Florestas, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, no Paraná, cerca de 1 milhão de hectares de plantações de pinus – metade da produção nacional – são tratados com o nematoide Deladenus siricidicola. Esse verme, de dimensões microscópicas, ataca a vespa-da-madeira, esterilizando as fêmeas do inseto. “Criamos esse nematoide desde 1989 e distribuímos para silvicultores de São Paulo, Minas Gerais e dos estados do Sul”, diz Susete.

Mercado atrativo
A Cotesia flavipes é o principal inseto oferecido por grande parte das empresas brasileiras que atuam no controle biológico de pragas. É o caso da Biocontrol, de Sertãozinho, fundada em 1994. “Comercializamos a Cotesia e os fungos Metarhizium anisopliae e Beauveria bassiana. Os três fazem o controle biológico de pragas de canaviais”, diz Maria Aparecida Cano, uma das sócias da empresa, que também presta assessoria de produção de insetos e microrganismos para as usinas de açúcar e etanol do estado de São Paulo.

O vigor da agricultura nacional tem atraído para o país multinacionais do setor de agrotóxicos interessadas em entrar no mercado de produtos biológicos, como as japonesas Sumitomo e Ihara e a americana FMC e outras companhias especializadas nesse segmento, como a holandesa Koppert Biological Systems, uma das líderes mundiais em agentes biológicos e polinizadores. A empresa instalou-se em Fortaleza em 2009, mas no ano passado transferiu-se para Piracicaba. “Em princípio criamos uma filial no Ceará, em razão da proximidade com a Europa e da relação com exportadores de melão, cultura na qual temos grande experiência. Com o avanço dos negócios, a empresa mudou para investir na criação de produtos destinados ao mercado brasileiro”, diz o engenheiro agrônomo Danilo Pedrazzoli, diretor-geral da empresa e ex-sócio fundador da Bug.

A linha de produtos da Koppert abrange de ácaros predadores a fungos para controle de pragas e doenças. Na Europa, a lista ultrapassa 50 produtos. No Brasil, a companhia deu início ao processo de registro de 26 produtos, cinco dos quais estão em fase final de homologação. Pedrazzoli, que também é diretor da ABCbio, acredita que o controle biológico tem grande potencial de uso no Brasil, mas sofre com a falta de empresas eficientes para atender à demanda.

Para o engenheiro agrônomo Santin Gravena, dono da Gravena Pesquisa, Consultoria e Treinamento Agrícola, outro problema enfrentado é a resistência de parcela dos agricultores. “Os agricultores brasileiros são conservadores e foram criados na cultura do controle químico. Além disso, o controle biológico é de atuação ligeiramente mais lenta, embora no final produza o mesmo resultado do produto químico sintético”, diz o professor aposentado de entomologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

Criada em 1993, a Gravena é especialista na criação da joaninha Cryptolaemus montrouzieri, predadora da cochonilha-branca, praga que ataca plantas frutíferas e ornamentais. “Na última década fornecemos a joaninha para cerca de 20 propriedades citricultoras. Hoje, infelizmente, não temos mais clientes no controle biológico. Somos uma prestadora de serviços de pesquisa científica e estudos técnicos e atendemos por volta de 50 empresas e laboratórios que nos contratam para fazer estudos de eficácia e impacto ambiental de produtos químicos e biológicos usados no manejo ecológico de pragas”, diz.

Os Projetos
1. Criação massal e comercialização dos parasitoides de ovos Trissolcus basalis e Telenomus podisi para o controle de percevejos da soja (nº 2005/60732-9); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Coordenador Alexandre de Sene Pinto – Bug; Investimento R$ 419.460,00 (FAPESP)
2. Estudo de formulações eficazes de conídios do fungo Metarhizium anisopliae para o controle biológico de pragas (nº 2005/55780-4); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Coordenadora Ana Lucia Santos Zimmermann – Biocontrol; Investimento R$ 42.743,00 (FAPESP)
3. Controle biológico aplicado de Tetranychus urticae (Acari: Tetranychidae): produção massal e comercialização de linhagens de Neoseiulus californicus e Phytoseiulus macropilis (Acari: Phytoseiidae) resistentes a agrotóxicos (nº 2006/56680-6); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Coordenador Roberto Hiroyuki Konno – Promip; Investimento R$ 477.608,27 e US$ 6.107,56 (FAPESP)

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