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Agricultura

Atraentes e repelentes biológicos

Substâncias químicas extraídas de insetos e plantas são estratégias para combater pragas

Besouro Cyrtomon ataca plantas de fumo: foco dos estudos é o feromônio de acasalamento para futura aplicação

Léo RamosBesouro Cyrtomon ataca plantas de fumo: foco dos estudos é o feromônio de acasalamento para futura aplicaçãoLéo Ramos

Uma visita de férias do então estudante de agronomia José Maurício Simões Bento a uma fazenda produtora de cana-de-açúcar em Olímpia, no interior paulista, no início da década de 1990, resultou alguns anos depois no lançamento do primeiro feromônio comercial brasileiro, uma substância química identificada na fêmea do besouro Migdolus fryanus usada para atrair os machos para o acasalamento. Sintetizada em laboratório, ela é usada para combater o inseto no canavial. “Fui visitar um colega da universidade que era gerente agrícola da fazenda e, na época, estava ocorrendo uma revoada dos besouros”, diz Bento, que hoje é o responsável pelo laboratório do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Semioquímicos na Agricultura na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP) em Piracicaba. Até aquele momento não existia nenhum tipo de controle efetivo sobre a praga que atinge até 5 metros de profundidade, ataca as raízes da cana e causa graves prejuízos à cultura. As condições ambientais que Bento encontrou na visita foram propícias, porque os machos só saem em revoada para acasalar durante uma semana no início do período das chuvas. Para minimizar os danos à plantação, os boias-frias da fazenda andavam pelo campo coletando os besouros. Mas um deles tinha uma tática bem particular. “Seu Geraldo sentava debaixo de uma sombra, colocava as fêmeas no bolso e ficava esperando os machos chegarem perto. Quando se aproximavam, eram recolhidos e jogados em um balde”, relata.

De volta à Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais, onde estudava, começou a trabalhar na identificação do feromônio de atração sexual do besouro sob orientação da professora Terezinha Della Lucia e do professor Evaldo Vilela, pioneiros nos estudos de sinais químicos no Brasil. “Após a extração do feromônio do Migdolus, mandamos as amostras para o químico brasileiro Walter Leal, que na época trabalhava no Instituto Nacional de Sericultura e Ciência Entomológica [Nises, na sigla em inglês] no Japão, e lá ele conseguiu identificar o composto natural e sintetizá-lo.” Até hoje ele é utilizado em armadilhas nas plantações brasileiras. Como na época não se discutiu a propriedade intelectual da inovação, a empresa japonesa que fez a identificação e síntese, chamada Fuji Flavor, passou a produzir o feromônio sintético. Mais tarde essa mesma empresa fez uma doação em dinheiro para a construção da fase incial do prédio que viria a abrigar os laboratórios e instalações do INCT na Esalq, instituição-sede da rede de pesquisa em ecologia química composta também pela UFV, universidades Federal do Paraná (UFPR) e Federal de Alagoas (Ufal). A coordenação geral é do professor José Roberto Postali Parra, da Esalq. Bento está à frente de uma equipe composta por 25 pessoas, entre alunos de iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado, além de receber pesquisadores de países como Colômbia, Equador, Espanha e Estados Unidos em seus laboratórios.

088_Insetos_218 NOVO-01Ana Paula Campos

As duas grandes linhas de pesquisa do INCT de Semioquímicos são a obtenção de novos feromônios de insetos e estudos envolvendo substâncias voláteis de plantas – que engloba os compostos químicos produzidos por elas e suas interações com insetos nocivos à agricultura e inimigos naturais. Uma das pesquisas recentes com voláteis vegetais resultou, após manipulação genética, em uma planta repelente para a Diaphorina citri, um inseto do tamanho de um grão de arroz que suga os ramos de laranjeiras e é o vetor do greening, atualmente a mais devastadora doença dos citros, grupo que abrange laranjas, limões, tangerinas e limas. Na Ásia ela é chamada de huanglongbing, ou HLB, que significa doença do dragão amarelo, por deixar as folhas amareladas. “Um composto repelente encontrado na goiabeira foi inserido nos genes de uma linhagem de laranjeira que está em testes em uma casa de vegetação no Fundo de Defesa da Citricultura, o Fundecitrus”, explica Bento. O início da descoberta remonta a uma visita feita em 2004 por pesquisadores brasileiros a países asiáticos produtores de citros, época em que se descobriu que a praga havia chegado ao Brasil. Como ela já estava espalhada na Ásia havia algum tempo, muitos produtores plantavam goiabeiras intercaladas com pés de laranja, para substituir os citros.

“Nas visitas aos pomares, os pesquisadores notaram que, nas áreas onde havia goiabas, as laranjas não manifestavam a doença ou levavam mais tempo para manifestar”, relata. Ao saber disso, Bento, que na época já trabalhava com voláteis de plantas, pensou na possibilidade da liberação de algum composto químico que poderia estar interferindo no comportamento do inseto na área. Estudamos os voláteis da goiaba e descobrimos que havia um composto altamente repelente para a praga dos citros”, diz. Em parceria com um grupo de pesquisadores do Instituto Valenciano de Investigações Agrárias, da Espanha, o gene foi superexpressado por meio de manipulação genética nos citros – neles havia a presença do composto, mas em baixa quantidade. As plantas manipuladas geneticamente estão sendo testadas para avaliar se realmente repelem os insetos. Como os citros são culturas perenes, a pesquisa pode levar até uma década para ser concluída. Mas o potencial da planta repelente, que já foi patenteada pelo grupo de pesquisadores brasileiros, espanhóis e pela Fundecitrus, representa um grande avanço nas estratégias de combate à praga. Além da Espanha, outras instituições do exterior são parceiras nas pesquisas, como a Universidade da Califórnia em Davis e a Universidade Estadual da Pensilvânia, ambas nos Estados Unidos, o Instituto Max Planck, na Alemanha, a Universidade de Neuchatel, na Suíça, e mais recentemente a Universidade Wageningen, na Holanda. Essas parcerias envolvem colaboração e intercâmbio de alunos para treinamento.

Insetos_25_2JG1288Léo RamosOutra pesquisa com resultados promissores, conduzidas em conjunto com a UFPR, é a identificação de compostos químicos presentes nos feromônios secretados pela mariposa conhecida como broca-da-cana (Diatraea saccharalis), cujas larvas causam danos no interior do colmo da planta.“Estamos bem próximos de fazer estudos pré-comerciais no campo, etapa anterior à liberação para o produtor”, diz Bento. No caso do combate à broca-do-café, a principal praga da cultura, os pesquisadores trabalham em duas vertentes: feromônios e substâncias voláteis da planta. “Estamos em estágio bastante adiantado para identificação de uma substância atraente para esta praga, que não tem produto comercial químico para combatê-la.” O único que havia disponível no mercado foi retirado pela sua alta toxicidade. Os voláteis também estão sendo estudados para insetos que atacam o milho e o tomate.

“A primeira opção para o combate de pragas sempre foi química e agora oferecemos uma alternativa viável do ponto de vista ecológico, porque utiliza os próprios compostos que insetos e plantas produzem para controlá-los por meio do comportamento”, diz Bento. Além dos benefícios ambientais, esses compostos também significam economia para o produtor, como mostra o exemplo do monitoramento do bicho-furão com armadilhas desde o início dos anos 2000. O bicho-furão é uma mariposa que coloca os ovos no fruto. A lagarta quando eclode penetra na laranja, que apodrece e cai. A pulverização química é insuficiente para combater a praga. Durante o doutorado de Bento, orientado pelo professor Parra na Esalq, ele identificou o composto presente no feromônio da mariposa. “Levei o material para o professor Leal no Japão que participou da outra pesquisa e fez a identificação e síntese do composto”, relata.

Coleta de substâncias voláteis em plantas do milho

Léo RamosColeta de substâncias voláteis em plantas do milhoLéo Ramos

Hoje a pastilha com o feromônio sintético é produzida no Japão e enviada para o Brasil, onde a empresa Bug Agentes Biológicos, de Piracicaba, se encarrega de colocá-la em armadilhas chamadas Ferocitrus, que são comercializadas para os citricultores pela Coopercitrus – Cooperativa de Produtores Rurais. Elas são formadas por uma folha de papel-cartão dobrada na forma triangular em que as paredes internas possuem uma membrana adesiva e pastilhas liberadoras de feromônio. Os insetos machos atraídos ficam grudados no dispositivo. Uma armadilha cobre uma área de 10 hectares com cerca de 2 mil a 3 mil plantas. Se forem pegos entre 0 e 5 insetos, significa que não há necessidade de nenhum tipo de controle. Entre 6 e 8 é preciso aguardar uma semana e avaliar novamente se o número se mantém ou não. Se ficar acima de 9, é preciso entrar com controle químico. “A armadilha é empregada hoje pela maioria dos citricultores brasileiros e, com essa medida simples, houve uma redução de 50% na aplicação de inseticidas”, relata. A perda atual média com esta estratégia é de um fruto por planta. Antes chegava até 350 frutos, o que representa um terço do que uma planta adulta produz.

A obtenção de feromônios e substâncias voláteis requer a observação constante do comportamento dos insetos e de sua interação com as plantas. O ciclo começa com a liberação de odores do vegetal que permitem aos insetos herbívoros localizá-lo para se alimentar. Assim que ocorre o ataque dos herbívoros, a planta emite automaticamente uma resposta também na forma de odores específicos e compostos, predominantemente da classe dos terpenos. Esses odores atraem outros insetos que são predadores ou parasitoides dos herbívoros. Para a coleta dos voláteis é preciso saber as horas específicas do dia em que eles são produzidos. Um dos estudos feitos nos laboratórios da Esalq, por exemplo, avaliou se a alimentação da lagarta-do-cartucho (Spodoptera frugiperda), uma das principais pragas do milho, durante os períodos noturno e diurno induz diferentes misturas de HIPVs (herbivore-induced plant volatiles, ou voláteis de planta induzidos pela herbivoria) e se a vespa parasitoide Campoletis flavicincta é atraída por essas misturas. “Nós confirmamos que ela induz diferentes composições de mistura de HIPVs em diferentes períodos do dia, alterando principalmente as proporções dos compostos da mistura”, diz a pós-doutoranda Maria Fernanda Gomes Peñaflor, uma das autoras da pesquisa publicada na Journal of Pest Science em março de 2012. “Essa modificação na mistura de HIPVs afeta a resposta da vespa, de modo que ela é atraída somente pela mistura liberada pela alimentação noturna da lagarta.”

Armadilha com feromônio para captura do bicho-furão

Léo RamosArmadilha com feromônio para captura do bicho-furãoLéo Ramos

No caso de feromônios sexuais, é preciso ficar atento aos horários de acasalamento, que ocorrem geralmente ao amanhecer ou entardecer. “São horários que os machos e as fêmeas sincronizam do ponto de vista biológico”, diz Bento. Os cheiros, que são sinais químicos produzidos pela fêmea, só atraem os machos da mesma espécie e são produzidos em pequena quantidade, embora possam ser sentidos pelos insetos a longa distância. “Os compostos viajam no ar pelo vento e, quando entram em contato com as antenas do inseto, existe um reconhecimento enzimático das moléculas químicas pelas sensilas (estruturas sensoriais presentes nas antenas). A partir daí há um impulso elétrico da antena para o cérebro do inseto, que é estimulado e responde àquele composto. A coleta desse cheiro no laboratório é feita em determinados horários. Um ar puro e umedecido passa sobre as fêmeas, devidamente acomodadas em estruturas de vidro, que absorve o cheiro exalado por elas. Esse cheiro fica retido em um minúsculo polímero adsorvente (nesse processo, as moléculas e os íons ficam retidos na superfície do material), lavado depois com um solvente – procedimento chamado de eluição, que permite retirar o composto químico produzido.

A identificação do composto é feita pela técnica de cromatografia gasosa, que separa os diferentes compostos da amostra com base nas características físico-químicas de cada um – como massa molecular e polaridade. Após a separação, as substâncias podem ser visualizadas em forma de picos em um cromatograma. Unindo a cromatografia gasosa com outras técnicas de análise, como a espectrometria de massas, é possível chegar à estrutura química dos compostos. Para avaliar se o macho responde a alguma delas, antenas retiradas do inseto são acopladas a eletrodos e analisadas em um equipamento chamado detector eletroantenográfico. Os sinais emitidos pela antena são estímulos elétricos a cada composto químico que aparece no cromatógrafo. Uma vez que as sensilas da antena reconhecem as moléculas químicas de interesse, a exemplo do cheiro do parceiro sexual, é produzido um impulso elétrico. “O sinal é amplificado e comparado às moléculas que aparecem no cromatógrafo e, desse modo, conseguimos selecionar o composto de interesse.”

Mariposa Diatraea saccharalis: em fase larval ataca o colmo da cana e causa prejuízos à plantação

Léo RamosMariposa Diatraea saccharalis: em fase larval ataca o colmo da cana e causa prejuízos à plantaçãoLéo Ramos

Os pesquisadores conseguem saber exatamente qual é a substância – naquela mistura de compostos químicos – a que o inseto responde. Uma vez identificada, ela é sintetizada e são feitas as outras etapas para chegar à armadilha e ao manejo de insetos no campo. Poucos centros do mundo dominam essa técnica de identificação de compostos químicos. “Em alguns casos, de uma única mistura saem de 50 a 100 compostos e o inseto normalmente responde apenas a uma, duas ou três substâncias no máximo”, ressalta.

No caso das substâncias voláteis, o princípio para obtenção e identificação dos compostos é o mesmo aplicado aos feromônios. As plantas são colocadas em câmaras de vidro, para evitar contaminação, por onde passa um ar limpo e umedecido e os gases são coletados em polímeros minúsculos. Depois é feita a eluição dos compostos por solventes e a identificação. Nessa etapa há diferenças entre as plantas atacadas por insetos e as que não receberam a visita deles. Os compostos produzidos após o ataque podem ser sintetizados e de acordo com sua finalidade serem utilizados na agricultura.

Um dos estudos de comportamento feitos nos laboratórios do INCT de Semioquímicos na Esalq levou a uma descoberta surpreendente: a de que os insetos conseguem detectar a queda de pressão atmosférica – que, em geral, precede chuvas e temporais. Após artigo publicado na revista PLoS One, a notícia teve repercussão internacional, com destaque na Nature e na Science. “Notamos em experimentos que os insetos às vezes produziam compostos e em outras não, mesmo replicando todas as condições”, relata Bento. Nos dias em que eles não respondiam a estímulos, os pesquisadores perceberam que após algumas horas do experimento ventava ou chovia muito. Até aquele momento, nenhum grupo de pesquisa havia estudado o efeito da pressão atmosférica sobre o comportamento geral dos insetos. “A conclusão a que chegamos foi que, sob queda de pressão, os insetos paralisavam suas atividades sexuais ou emitiam menos feromônio sexual e se acasalavam pouco, porque na natureza eles precisam se antecipar às mudanças de tempo e aos perigos de tempestades como forma de reduzir a mortalidade e garantir a perpetuação da espécie.” Os estudos nas condições naturais ocorreram nos laboratórios de Piracicaba e, para comprovar a hipótese, foi feito um trabalho em parceria com pesquisadores do Canadá. “Lá manipulamos a pressão atmosférica em uma câmara barométrica, que eles usam para estudos de pássaros.” As pesquisas foram feitas com três ordens distintas de insetos: Lepidotera (mariposas), Coleoptera (besouros) e Hemiptera (pulgões).

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Projeto
Bases tecnológicas para identificação, síntese e uso de semioquímicos na agricultura (nº 2008/57701-2); Modalidade Projeto Temático – INCT; Pesquisador responsável José Roberto Postali Parra/USP; Investimento R$ 1.261.009,47 e US$ 338.475,42 (FAPESP).

Artigos científicos
PELLEGRINO, A.C. et al. Weather forecasting by insects: modified sexual behaviour in response to atmospheric pressure changes. PLoS one. v. 8, e75004. 2 out. 2013.
PEÑAFLOR, M.F.G.V. e BENTO, J.M.S. Herbivore-induced plant volatiles to enhance biological control in agriculture. Neotropical Entomology. v. 42, p. 331-43. ago. 2013.

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