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Astronomia

Atmosfera conturbada

Meteorologistas querem saber por que venta muito em Vênus e Titã

O planeta Vênus, fotografado pela sonda europeia Venus Express: tamanho quase igual ao da Terra e ventos de 400 quilômetros por hora

ESA/MPS/DLR/IDA, M. Pérez-Ayúcar & C. Wilson O planeta Vênus, fotografado pela sonda europeia Venus Express: tamanho quase igual ao da Terra e ventos de 400 quilômetros por horaESA/MPS/DLR/IDA, M. Pérez-Ayúcar & C. Wilson

O dia custa a passar em Vênus. É que o planeta gira bem devagar. Quase do tamanho da Terra, Vênus leva 243 dias terrestres para dar uma volta em torno de si. Com rotação tão lenta, os meteorologistas esperavam que a atmosfera venusiana fosse uma das mais calmas do Sistema Solar. Mas as sondas enviadas ao planeta observaram uma ventania constante na alta atmosfera, onde os ventos atingem 400 quilômetros por hora (km/h). Ventos dessa intensidade só ocorrem na Terra durante furacões ou, esporadicamente, a altitudes elevadas. Em Vênus, eles sopram o tempo todo, em especial no equador.

Para tentar resolver o mistério, o meteorologista João Rafael Dias Pinto, da Universidade de São Paulo (USP), e Jonathan Lloyd Mitchell, cientista planetário da Universidade da Califórnia em Los Angeles, criaram em computador um modelo simplificado de um planeta com atmosfera. Simulações usando esse modelo, publicado em agosto na revista Icarus, são as primeiras a descrever corretamente como se mantêm os ventos que varrem Vênus, fenômeno conhecido como super-rotação atmosférica, também observado em Titã, a maior lua de Saturno. “Identificamos novos e importantes mecanismos que ajudam a entender melhor esses ventos”, diz Mitchell.

O segredo da super-rotação, segundo o novo modelo, está na forma como o calor se distribui na atmosfera de Vênus e Titã. Nesses corpos, por meio da circulação vertical, o calor se propaga mais lentamente para o alto e em direção aos polos do que na Terra. Além disso, um tipo especial de ondulação na atmosfera afeta as correntes de gases.

Vênus e Titã são mundos tão diferentes entre si que até parece estranho suas atmosferas se comportarem de maneira parecida. A temperatura na superfície de Vênus chega a 477 graus Celsius, consequência do efeito estufa de sua atmosfera rica em gás carbônico. Em Titã, a temperatura é de 180 graus negativos e chuvas de metano alimentam lagos na sua superfície. Ao descer até o solo de Titã, porém, a sonda espacial Huygens descobriu em 2005 um perfil de ventos quase idêntico ao observado em Vênus pelas sondas soviéticas da série Venera nas décadas de 1970 e 1980. Fracos na superfície, os ventos no equador de Vênus e Titã chegam a 360 km/h a uma altitude superior a 50 quilômetros – os ventos a essa mesma altitude no equador da Terra não passam de 15 km/h.

Além da rotação
Dias Pinto explica que na Terra as massas de ar que circundam o globo se movem impulsionadas pela diferença de temperatura entre o equador e os polos e arrastadas pela rotação do planeta. É por isso que os meteorologistas esperavam ventos mais fracos em planetas e satélites com rotação lenta. Os pesquisadores buscavam uma explicação para a super-rotação desde os anos 1970 e concluíram que, além da rotação mais lenta, é provável que um padrão específico de oscilações nos movimentos da atmosfera, as chamadas ondas atmosféricas, ajudem a criar um intenso jato de ar que se concentra no equador e cobre quase todo o corpo celeste. “É como se a atmosfera inteira se movesse em um único sentido”, conta Dias Pinto. “O problema é que a maioria dos modelos atmosféricos de Vênus e Titã, inclusive os mais realistas, tem dificuldade de reproduzir a super-rotação.”

Ele resolveu estudar a super-rotação durante seu doutorado e, em uma conferência na França em 2011, conheceu Mitchell, um especialista em Titã e Vênus interessado em atacar o problema com um modelo mais simplificado. “Com um modelo mais idealizado, posso controlar melhor a dinâmica da atmosfera”, explica Dias Pinto. Ele trabalhou sob a orientação de Mitchell e dos brasileiros Rosmeri Porfírio da Rocha e Tércio Ambrizzi, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, e conseguiu simular a super-rotação usando um modelo atmosférico adotado para fazer previsão do tempo.

Modificando alguns parâmetros desse modelo, Dias Pinto descobriu que não bastava diminuir a rotação do planeta para acelerar a rotação da atmosfera. “João demonstrou que o modelo só desenvolve super-rotação se transportar calor do equador para os polos mais lentamente”, explica Mitchell, notando que em Vênus e Titã, apesar dos ventos fortes, o ar circula bem devagar na vertical.

Dias Pinto também identificou em suas simulações uma forma especial de onda planetária, que surge de oscilações no movimento das correntes de ar no equador do planeta. “Essas ondas planetárias são as principais responsáveis por desenvolver e manter a super-rotação”, explica Mitchell.

“Esses aspectos da super-rotação nunca haviam sido analisados em detalhe”, diz Sebastien Lebonnois, cientista planetário do Conselho Nacional de Pesquisa Científica (CNRS) da França, que estuda a super-rotação de Vênus e Titã. “Para confirmar essa análise, precisaremos de observações do vento e da temperatura com uma resolução que é difícil de obter mesmo na Terra.” Apesar da dificuldade, ele espera obter evidências em dados da sonda Venus Express, que visita Vênus, ou da Cassini, que sobrevoa Titã.

Projeto
Interação onda-escoamento médio e super-rotação atmosférica em planetas terrestres (nº 12/13202-8); Modalidade Bolsa de Doutorado – Estágio no Exterior; Pesquisador responsável Tercio Ambrizzi (IAG/USP); Bolsista João Rafael Dias Pinto; Investimento R$ 40.381,84 (FAPESP).

Artigo científico
DIAS PINTO, J. R. e MITCHELL, J. L. Atmospheric superrotation in an idealized GCM: Parameter dependence of the eddy response. Icarus. v. 238. p.93-109. ago. 2014.

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