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Astronomia

Na origem das explosões solares

Equipe internacional mapeia a energia liberada nas regiões instáveis do Sol

Explosão registrada pelo satélite Solar Dynamics Observatory, da Nasa: janela para investigar a geração de energia no plasma confinado em regiões próximas às manchas solares

nasa / sdo Explosão registrada pelo satélite Solar Dynamics Observatory, da Nasa: janela para investigar a geração de energia no plasma confinado em regiões próximas às manchas solaresnasa / sdo

O físico brasileiro Pierre Kaufmann anda apreensivo com um experimento que deve começar nas próximas semanas. A agência espacial norte-americana (Nasa) planeja lançar em 1º de dezembro, a partir da base dos Estados Unidos na Antártida, um balão que subirá a 40 quilômetros acima do nível do mar transportando dois equipamentos para estudar o Sol. Um desses aparelhos é o Solar-T, um telescópio fotométrico duplo projetado e construído pela equipe de Kaufmann para analisar uma faixa especial da radiação solar (ver Pesquisa FAPESP nº 219). Se tudo correr como o planejado, o Solar-T, que integrará um experimento da Universidade da Califórnia em Berkeley, deve passar de duas a quatro semanas coletando ininterruptamente a luz emitida pelo Sol, que nessa época do ano nunca se põe no polo Sul.

O motivo da inquietação do físico é que a Nasa pretende lançar o Solar-T desligado e só ativá-lo quando o balão atingir a altitude máxima. “Essa estratégia aumenta o risco de falha, que é inerente a qualquer missão em balão estratosférico”, diz Kaufmann, que acompanhou os testes do telescópio nos Estados Unidos em condições semelhantes às que enfrentará nos céus da Antártida. “Em todas as ocasiões, o equipamento se saiu muito bem, mas as avaliações foram feitas com ele ligado”, conta o físico, coordenador do Centro de Astronomia e Astrofísica (Craam) da Universidade Presbiteriana Mackenzie. “O problema de lançá-lo inativo”, explica, “é que, se algo não funcionar após a subida, não é possível consertar”.

Enquanto sobrevoar o continente gelado, o Solar-T deverá captar a energia que emana das explosões solares em duas frequências específicas: 3 e 7 terahertz (THz), que correspondem a uma fração da radiação infravermelha distante. Situada no espectro eletromagnético entre a luz visível e as ondas de rádio, essa faixa de radiação permite observar mais facilmente a ocorrência de explosões associadas aos campos magnéticos das regiões ativas do Sol, que muitas vezes lançam em direção à Terra jatos de partículas de carga negativa (elétrons) aceleradas a grandes velocidades. Nas proximidades do planeta, essas partículas atrapalham o funcionamento de satélites de telecomunicações e de GPS, produzem as auroras austrais e boreais.

A radiação nessa faixa do infravermelho também torna possível investigar fenômenos que transferem energia da superfície do Sol, a fotosfera, onde a temperatura não passa dos 5.700 graus, para as camadas superiores e mais quentes: a cromosfera, onde as temperaturas alcançam 20 mil graus, e a coroa, que está a mais de 1 milhão de graus.

Apesar de abrir essas janelas para observar o Sol, a radiação em terahertz, que já foi chamada de raios T, sempre foi pouco utilizada. O motivo era que havia – e ainda há – alguns desafios para detectá-la. O primeiro é que a atmosfera terrestre impede que a maior parte dessa radiação chegue aos telescópios no solo. Além disso, não é qualquer telescópio que enxerga a radiação em terahertz. “Para detectar ou produzir uma imagem do Sol nessas frequências é preciso usar um telescópio feito apenas de espelhos, porque as lentes de vidro ou de materiais ópticos comuns absorvem essa frequência de radiação”, explica Matthew Penn, astrônomo associado do Observatório Solar Nacional (NSO) e do McMath-Pierce Solar Facility, ambos no Arizona, Estados Unidos.

Outro complicador é que os detectores não podem ser feitos de silício, transparente a essas frequências de energia, e têm de estar refrigerados a temperaturas muito baixas. “Antes de Pierre Kauf-mann começar a trabalhar nessa área, havia pouca observação do Sol nessas frequências porque era difícil explorar a tecnologia”, conta o astrônomo Stephen White, do Laboratório de Pesquisa da Força Aérea, no Novo México, também nos Estados Unidos.

Kaufmann espera que os dados do Solar-T contribuam para alimentar um gráfico que vem ajudando a construir há cerca de 30 anos. Essa curva representa o perfil da energia emitida na origem das explosões do Sol, em geral observadas na região das manchas que de tempos em tempos tingem a superfície da estrela. É uma espécie de assinatura energética dessas explosões, que, na opinião de físicos, astrônomos e astrofísicos, pode ajudar a desvendar os fenômenos que as originam.

Rumo à estratosfera: o telescópio Solar-T, que será lançado em breve na Antártida, a bordo de um balão, para observar as explosões solares nas faixas de 3 e 7 THz

LÉO RAMOS Rumo à estratosfera: o telescópio Solar-T, que será lançado em breve na Antártida, a bordo de um balão, para observar as explosões solares nas faixas de 3 e 7 THzLÉO RAMOS

O gráfico da quantidade de radiação lançada ao espaço em cada frequência começou a ser delineado nos anos 1960, a partir de observações das explosões solares. Por muito tempo, ele registrava apenas a radiação emitida na faixa das ondas de rádio – com frequência entre 30 megahertz (MHz) e 30 gigahertz (GHz) –, as menos energéticas do espectro eletromagnético na faixa de rádio. Em 1972, John Castelli e Jules Aarons, do Laboratório de Pesquisa Cambridge da Força Aérea (AFCRL) dos Estados Unidos, produziram um perfil energético das explosões solares reunindo dados de 80 eventos. O gráfico tinha a forma aproximada da letra U e indicava que a maior parte da energia liberada nessas explosões estava em duas faixas das ondas de rádio de energia e frequência baixas: um bom tanto tinha frequência inferior a 1 GHz, enquanto o outro tanto ficava na faixa entre 3 GHz e 30 GHz.

Um pouco antes, em 1968, os pesquisadores C. D. Clark e W. M. Park haviam obtido indícios de que uma radiação de frequência maior e mais energética pudesse ser produzida nas erupções solares. Usando o telescópio do Queen Mary College, da Universidade de Londres, eles detectaram pulsos de energia a 250 GHz, frequência cerca de 30 vezes maior que as correspondentes a micro-ondas e inesperadamente muito intensas. Talvez porque fossem esparsos, esses e outros dados na região das micro-ondas não ganharam muita atenção. “Apesar de várias sugestões, por muito tempo os pesquisadores dessa área ignoraram esses indicativos”, conta Kaufmann.

A suspeita de que as explosões solares pudessem liberar muito mais energia só ressurgiram duas décadas mais tarde, em parte consequência do trabalho de Kaufmann. Com o radiotelescópio de Itapetinga, instalado em Atibaia, interior de São Paulo, ele observou uma explosão solar ocorrida em 21 de maio de 1984. Os registros indicaram que a maior parte da energia era emitida em ondas milimétricas, na frequência de 90 GHz, na forma de pulsos de centésimos de segundo de duração. Era um novo sinal de que havia mais a ser descoberto sobre as explosões. “Na época, percebemos que existia um componente das explosões que alcança frequências mais altas”, conta o físico.

Em parceria com pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ele desenvolveu equipamentos que foram instalados em diferentes observatórios para registrar a energia em frequências mais elevadas. No início da década passada, Kaufmann e sua equipe monitoraram explosões solares com o Telescópio Solar de Ondas Submilimétricas (SST), instalado no Complexo Astronômico El Leoncido, nos Andes argentinos, e registraram um fluxo de radiação que voltava a crescer em 0,2 e em 0,4 THz. Esses resultados levaram Kaufmann e o pesquisador Rogério Marcon, do Instituto de Física da Unicamp, a desenvolver equipamentos capazes de detectar frequências ainda mais altas, na região dos 30 THz.

Com um telescópio de 30 THz instalado em El Leoncito e outro na cobertura de um dos prédios do Mackenzie, no centro de São Paulo, o grupo do físico brasileiro, que envolve pesquisadores da Argentina e dos Estados Unidos, já registrou três explosões solares – uma em 13 de março de 2012, outra em 1o de agosto de 2014 e uma terceira em 27 de outubro de 2014 – que liberaram grande quantidade de energia nessa faixa do espectro eletromagnético. Uma análise englobando diferentes regiões do espectro revelou que, na realidade, esses eventos produzem de 10 a 100 vezes mais energia no infravermelho distante (terahertz) do que nas micro-ondas (gigahertz), segundo artigo publicado em junho deste ano no Journal of Geophysical Research – Space Physics.

Brilho fugaz: frequentes nas proximidades das manchas solares (regiões ativas do Sol), as explosões liberam energia em diferentes faixas do espectro eletromagnético

nasa / sdo / wiessinger Brilho fugaz: frequentes nas proximidades das manchas solares (regiões ativas do Sol), as explosões liberam energia em diferentes faixas do espectro eletromagnéticonasa / sdo / wiessinger

Além das observações do grupo de Kaufmann, Matthew Penn e sua equipe registraram emissões em 30 e 60 THz. Ao completar o perfil energético das explosões com os novos dados, o gráfico assume a forma da letra W – e não mais de U, como haviam indicado Castelli e Aarons nos anos 1970. Essa assinatura sugere que as explosões coincidem com fluxos energéticos intensos em duas faixas de radiação: uma nas ondas de rádio, menos energética, e outra no submilimétrico e no infravermelho, mais energética e com limite ainda desconhecido.

Uma possível fonte dessa energia seriam elétrons acelerados a velocidades próximas à da luz em regiões densas da superfície solar que, ao serem freados por campos magnéticos intensos, emitiriam radiação na faixa do infravermelho. Outra é que essas partículas aceleradas aqueceriam mais o plasma da cromosfera, que, em consequência, responderia liberando radiação. “Por enquanto, ninguém consegue explicar esse espectro duplo”, diz Kaufmann, que, além de financiamento da FAPESP, também recebe apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia, do Fundo Mackenzie de Pesquisa e do Escritório de Ciência da Força Aérea norte-americana.

“Ainda não temos exemplos suficientes dos eventos observados em terahertz para explicar como pode haver uma emissão em uma gama tão ampla”, diz Stephen White, do Laboratório de Pesquisa da Força Aérea norte-americana e colaborador de Kaufmann. “Imaginamos que isso possa revelar como o Sol acelera partículas a altas energias.”

Enquanto não se encontram as respostas, Kaufmann tenta completar a curva com mais informações em mais frequências, na esperança de que os dados ajudem a esclarecer os fenômenos geradores das explosões. Recentemente ele e Marcon concluíram um novo telescópio, o Hats (High Altitude Terahertz Solar Telescope), que vai operar nas faixas de 0,85 e 1,4 THz em um observatório a mais de 5 mil metros de altitude em Famatina, nos Andes argentinos. Também já está pronta a versão mais moderna dos detectores que devem aprimorar a capacidade de observação dos telescópios em El Leoncito. Antes disso, Kaufmann aguarda ansioso pela subida do Solar-T. “Estamos por conta da Nasa”, diz. “Mas o Sol também tem de colaborar e produzir explosões nesse período.”

Projeto
Diagnóstico de explosões solares em inédito intervalo espectral, de micro-ondas até frequências THz: desafios para interpretação (FLAT) (nº 2013/24155-3); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Pierre Kauf­mann (UPM); Investimento R$ 1.836.374,29.

Artigo científico
KAUFMANN, P. et al. Bright 30 THz impulsive solar bursts. Journal of Geophysical Research – Space Physics. 30 jun. 2015.

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