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ASTRONOMIA

Investigação solar

Pesquisadores tentam compreender as reações que ocorrem no interior de estrelas como o Sol

Para entender melhor como a matéria na forma de gás quente e ionizado se move dentro das estrelas, uma equipe internacional liderada pelo astrônomo peruano Jorge Meléndez, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP), comparou as quantidades dos elementos químicos berílio e lítio observadas na superfície do Sol e de outras sete estrelas semelhantes encontradas na Via Láctea. “Não podemos enxergar o interior das estrelas, vemos apenas a luz de suas camadas exteriores”, explica Marcelo Tucci Maia, aluno de doutorado de Meléndez e primeiro autor do novo estudo, publicado em março de 2015 na revista Astronomy & Astrophysics. “A abundância desses elementos funciona como uma sonda para investigar o que acontece no interior estelar.”

Entrevista: Jorge Meléndez
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A conclusão do estudo é de que a matéria na superfície de estrelas parecidas com o Sol pode se misturar com a de camadas mais profundas do que muitos pesquisadores imaginavam, mas não tão internas quanto outros propunham. Meléndez e seus colegas usaram o Very Large Telescope (VLT), do Observatório Europeu Austral (ESO) em Monte Paranal, Chile, para observar o Sol e mais sete estrelas, escolhidas por possuírem massa e composição química muito próximas às solares, mas idades bastante diferentes. Enquanto o Sol tem 4,6 bilhões de anos de idade, a estrela mais jovem do estudo tem apenas 500 milhões de anos e a mais velha, 8,2 bilhões de anos. “É como se pudéssemos acompanhar a evolução do Sol, desde jovem até muito velho”, Maia explica.

A equipe de Meléndez já havia publicado outros estudos sobre esses mesmos astros e mostrado que, quanto mais velha a estrela, menos lítio ela tem em sua superfície. Esses resultados confirmaram indicações de estudos anteriores que indicavam que estrelas semelhantes ao Sol destroem lítio à medida que envelhecem.

068-069_Estrelas_239A maior parte do lítio do Universo foi criada na origem dos tempos, a explosão do Big Bang, há cerca de 13,6 bilhões de anos. Considerado um elemento relativamente frágil, o lítio é destruído por diversos tipos de reações nucleares que acontecem no interior das estrelas a temperaturas superiores a 2,5 milhões de graus Celsius. Dentro do Sol, segundo os modelos-padrão de evolução estelar, temperaturas tão altas só ocorrem a grandes profundidades, próximo do núcleo, em uma região chamada de zona radiativa. A temperatura na zona radiativa varia de 15 milhões de graus, próximo ao núcleo, até 1,5 milhão de graus, mais externamente. Logo acima da camada radiativa, na chamada zona convectiva, a temperatura diminui gradualmente de 1,5 milhão de graus até alcançar 6 mil graus na superfície da estrela.

Na zona radiativa, a energia produzida no núcleo por meio da fusão de elementos químicos (fusão nuclear) é transportada para regiões mais externas pelas partículas de luz (fótons), enquanto a matéria permanece relativamente imóvel. Já na zona convectiva, o transporte de energia é diferente. A matéria é aquecida na vizinhança da zona radiativa e sobe até próximo da superfície, onde libera calor e afunda novamente.

Até recentemente, os astrônomos supunham que a matéria da zona radiativa não se misturava com a matéria da zona convectiva. As observações de Meléndez e seus colaboradores, entretanto, indicam que isso deve ocorrer de alguma forma; caso contrário, não seria possível explicar o desaparecimento do lítio na superfície das estrelas. Outros pesquisadores vêm modificando as equações matemáticas que descrevem a estrutura interna das estrelas para levar em conta outros fenômenos físicos que permitiriam o transporte do material da zona convectiva para regiões mais profundas e quentes. Eles, no entanto, ainda debatem quais seriam esses fenômenos. Alguns defendem que essa mistura adicional seria provocada pela rotação da estrela. Outros imaginam que outros processos, como o padrão de difusão dos núcleos atômicos em um nível microscópico, sejam mais importantes.

Para jogar alguma luz nesse debate, Maia, Meléndez e seus colegas decidiram analisar a abundância de outro elemento químico frágil, o berílio. Assim como o lítio, o berílio é destruído por reações nucleares. Mas apenas por aquelas que acontecem a 3,5 milhões de graus. “O berílio é um dos elementos químicos mais difíceis de se observar, pois é difícil isolar a sua assinatura na luz da estrela”, diz Maia.

De acordo com o estudo da Astronomy & Astrophysics, a superfície de uma estrela com o porte do Sol perde muito pouco berílio ao longo de sua evolução. Segundo Maia, essa característica, medida agora pelo grupo, estabelece uma profundidade máxima em que a mistura do material da zona radiativa com o da zona convectiva pode ocorrer. A mistura deve acontecer em profundidades nas quais a temperatura chega a 2,5 milhões de graus e não deve ir muito além, parando na região em que ela alcança os 3,5 milhões de graus. Esse comportamento permitiria explicar por que ao longo da vida dessas estrelas quase não ocorre destruição de berílio, consumido a temperaturas mais elevadas, ao passo que uma proporção maior de lítio é destruída.

O resultado já ajudou a descartar um dos modelos astrofísicos de evolução de estrelas como o Sol. Mas as incertezas nas observações ainda não permitem distinguir qual seria o modelo mais correto entre os vários existentes. A equipe de Meléndez espera esclarecer ainda mais a questão ao incluir em suas análises os dados de outras nove estrelas semelhantes ao Sol, observadas em julho de 2015 com o telescópio japonês Subaru, instalado no monte Mauna Kea, no Havaí, Estados Unidos.

Projeto
High precision spectroscopy: impact in the study of planets, stars, the galaxy and cosmology (nº 2012/24392-2); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Jorge Luiz Meléndez Moreno (IAG-USP); Investimento R$ 337.292,40 (para todo o projeto).

Artigo científico
TUCCI MAIA, M. et al. Shallow extra mixing in solar twins inferred from Be abundances. Astronomy & Astrophysics. v. 576. abr. 2015.

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