O processo de desflorestamento da Amazônia se acelerou a partir da segunda metade do século XX com a expansão da fronteira agrícola, da construção de estradas e instalação de pólos de desenvolvimento regionais. No final dos anos 1970 – depois da inauguração da rodovia Transamazônica e a pedido da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) –, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) fez o primeiro balanço do estrago com o auxílio das imagens enviadas pelo Landsat-1, satélite da Nasa, a agência espacial norte-americana. Constatou-se que 2,5% da região já estava degradada.
Dez anos depois, quando as queimadas na região passaram a chamar a atenção internacional – consta que a fumaça sobre a floresta pôde ser observada desde a escotilha do ônibus espacial Columbia – e a taxa de desflorestamento saltou para 10%, o país decidiu adotar uma política de controle do desflorestamento e criou, em 1988, o Programa de Monitoramento do Desmatamento da Amazônia (Prodes).
Ao longo de 20 anos – e ao preço da devastação de 17% do bioma da Amazônia – o Brasil desenvolveu um sistema de rastreamento dos aproximadamente 5 milhões de quilômetros quadrados (km2) da Amazônia Legal qualificado de “invejável” pela revista Science nº 316, de 27 de abril de 2007. Nesse período, a tecnologia de monitoramento evoluiu de um sistema analógico, com resolução de 1:500 mil com imagens em branco e preto, para um sistema digital na escala 1:250 mil. “A partir da década de 1990 passamos a desenvolver softwares e a fazer o monitoramento não mais com base na interpretação visual, mas em processamento de imagem”, lembra Dalton de Morisson Valeriano, coordenador do Programa Amazônia do Inpe. A matéria-prima dessa análise são imagens enviadas pelo Landsat-5 e pelo satélite sino-brasileiro Cbers, com resolução espacial de 30 metros. As três bandas dos dois satélites captam a quantidade de radiação refletida na superfície do solo, discriminada por faixa de espectro – visível e vermelho próximo e infravermelho médio. Essas informações – que, devidamente modeladas, permitem identificar plantas verdes, solo, sombra e água – são processadas por algoritmos que dão a proporção da presença de cada um desses componentes em cada pixel da imagem.
O algoritmo para transformação dos dados dos satélites – desenvolvido na década de 1980 por Yosio Shimabukuro, pesquisador do Inpe – segue o modelo conhecido como mistura linear (liner mixture model). “Linear porque parte do pressuposto de que os elementos que compõem a imagem são independentes e mistura porque lá embaixo, de fato, eles estão todos misturados”, explica Valeriano. Nessa classificação de imagens, a vegetação lisa e homogênea corresponde a um tom verde-claro; a floresta aparece em verde-escuro porque tem um componente de sombra mais forte; o solo em tom róseo, já que mescla o azul e o vermelho; e água em preto. A metodologia de análise das imagens é baseada na segmentação, classificação e edição, de forma a identificar desmatamentos com área mínima de 6,25 hectares.
Esse conjunto de informações forma um mapa com 229 imagens digitais, cada uma delas correspondente a uma área de 160 x 160 km. Desse total, 213 imagens são interpretadas, já que o Prodes não avalia a situação das áreas de Cerrado. “O Cerrado pega fogo e fica preto, como as áreas de desmatamento. No ano seguinte volta a ser Cerrado e induz a taxas de erro muito grandes”, explica Valeriano.
Os dados são processados por meio do software de informação georreferenciada batizado de Spring, desenvolvido pelo Inpe, pela IBM e pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), interpretados e auditados por especialistas do Inpe. “Feito isso, as informações são colocadas sobre uma máscara do passado e o desmatamento é identificado”, resume Valeriano. As conclusões de cada levantamento são publicadas anualmente em dezembro.
Foi através do Prodes que o planeta tomou conhecimento do desmatamento recorde de 1995, quando foram abatidos 29,1 mil km2 de floresta e constatou que a situação ainda estava fora do controle em 2004, quando a Amazônia perdeu 27,4 mil km2 do seu bioma. O último relatório mostrou uma redução de 20% no desmatamento no período 2006-2007, comparado ao ciclo 2005-2006.
Desde 2003, “em prol da transparência”, as informações do Prodes foram colocadas na rede. “A medida provocou um impacto interessante”, conta Valeriano. Jogou, por exemplo, por terra algumas “teses”, como a da ineficiência das áreas de conservação para conter o desmatamento ou a de que as áreas indígenas estavam degradadas, ele exemplifica. “Mostramos que isso não era verdade”, afirma, mostrando o exemplo da região de Marabá, no Pará, onde o desflorestamento contorna as terras indígenas. Em 2005 a taxa caiu 30% e em 2006 o Inpe registrou redução de 14 mil km2 de floresta. O Prodes, apesar de “invejável”, tem limitações. Uma delas é a quantidade de nuvens que recobrem a região. “A janela de observação da Amazônia vai de maio a outubro. Fora desse período é difícil observar porque fica tudo nublado”, explica Valeriano. Outro problema é o risco da dependência do Landsat- 5, satélite lançado em 1984 para operar durante 5 anos, mas que ainda está ativo depois quase um quarto de século. “A saída é recorrer também às imagens do Cbers”, comenta Valeriano.
O Landsat cruza a Amazônia a cada 16 dias e o Cbers, a cada 26. O Inpe também compra dados do DMC – um consórcio de microssatélites liderado pela Inglaterra –, do Spot e do ResourceSat. Esses satélites funcionam como uma espécie de back-up das informações coletadas pelo Prodes e também são utilizados para “ varrer nuvens”, como ele diz. “Quando se calcula o desmatamento, é preciso estimar também quanto de floresta não foi possível observar por causa das nuvens e projetar a taxa de desmatamento na área”, diz Valeriano. O percentual de “não-observação”, como ele sublinha, varia de 10% a 15%.
Deter
O terceiro problema é que as informações do Prodes são uma “imagem póstuma” da floresta, do desmatamento consumado, e não fornecem uma base para que a ação governamental se antecipe à dinâmica do desflorestamento. Foi para suprir essa carência que o Inpe iniciou, a partir de 2004, o projeto Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), que utiliza imagens do sensor Modis do Satélite Terra, lançado em 1999 no âmbito do programa Earth Observing System (EOS), e do sensor WFI instalado a bordo do Cbers- 2, para dar informações quinzenais ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). “O Deter foi concebido para dar suporte à fiscalização”, diz Valeriano.
A resolução espacial do sensor do Modis e do Cbers, de 250 metros, não é tão boa quanto a do Landsat, com 30 metros. “Com essa resolução, estamos no limite da tecnologia para esse tipo de aplicação”, reconhece Valeriano. A principal função do Deter, no entanto, não é calcular o desmatamento, mas “apontar” situações de risco com o objetivo de subsidiar a decisão do que deve ser fiscalizado, observa o coordenador do programa. As informações são transmitidas quinzenalmente ao Ibama e mensalmente publicadas no site do Inpe.
Com essa missão, o Deter operou de janeiro a outubro de 2004 e de 2005, com recursos do Inpe. Em 2006 contratou a Fundação de Ciência, Aplicações e Tecnologia Espaciais para colaborar no processamento dos dados. Os resultados até agora mostraram-se compatíveis com os levantamentos do Prodes. “Em 2006/2007 o Prodes apontou uma queda no desmatamento de 27 mil para 19 mil km2. O Deter observou 12 mil desses 19 mil km². O Deter vê entre 40% e 60% do que o Prodes enxerga”, compara Valeriano.
Em 2007 o levantamento do Deter se estendeu de março a dezembro. “Pegamos várias imagens do Modis e observamos cinco por quinzena, uma a cada 3 dias, que é a freqüência de cobertura do satélite. Selecionamos e interpretamos por meio do modelo de mistura linear e divulgamos o dado em janeiro “, ele conta. As estimativas apontaram que, entre agosto e dezembro de 2007, as áreas degradadas na Amazônia somavam 3.235 km². Como o Deter só “lê” de 40% a 60% do desmatamento registrado pelo Prodes, o desflorestamento pode ter atingido 7 mil km2. Confirmado esse número, o desmatamento estaria agregando uma média de mais de mil km2 por mês.
A notícia provocou reações distintas de várias áreas do governo federal e dos estados e o levantamento do Inpe foi colocado sob suspeita. “O objetivo do Deter não é estimar a área total desmatada na Amazônia”, insiste Valeriano. Por conta da resolução dos sensores Modis e WFI/Cbers, há risco de erro. “Para calcular a área desmatada, o Inpe continuará a utilizar imagens de melhor resolução dos sensores do Landsat e Cbers”, afirma. O Deter, entretanto, fornece o tamanho de cada polígono desmatado, o que permite uma “hierarquização da fiscalização”.
Valeriano explica que, além da resolução espacial dos satélites, os dois projetos têm “leituras” distintas do desmatamento: o Prodes identifica o corte raso – ou seja, o desmatamento rápido -, enquanto o Deter capta também as áreas desmatadas em processo de degradação continuada, por corte seletivo de madeira e queimadas recorrentes. “Estamos apontando potenciais indícios de desmatamento, que não são contabilizados como tal. No leste do Pará e no Mato Grosso há exploração seletiva da madeira e o solo fica exposto. Para o Prodes, isso não é necessariamente desmatamento, dependendo da fração do solo exposto. Mas, para o Deter, trata-se de desmatamento. É uma forma de converter a floresta sem corte raso”, sublinha. “Se o Deter se ocupasse apenas de corte raso, não acompanharia a dinâmica do desmatamento, e a contribuição do Ministério da Ciência e Tecnologia no Grupo Interministerial de Combate ao Desmatamento, coordenado pela Casa Civil, perderia sentido.”
O Inpe faz planos de avançar ainda mais a tecnologia de monitoramento. “Estamos negociando com a Índia para ter acesso aos dados do ResourceSat. O nosso plano é conseguir fazer um levantamento multitemporal com uso de múltiplos sensores de melhor resolução, na casa dos 50 metros.”
O Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) opera um Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) que utiliza o processamento digital IDA (interactive data language) para analisar imagens do sensor Modis. O modelo de análise é o mesmo adotado pelo Inpe. O SAD monitora os estados do Mato Grosso, desde 2000, e do Pará, desde o ano passado. A partir deste ano começará a rastrear toda a Amazônia Legal.
Enquanto o Inpe detectava recrudescimento no desmatamento no período entre agosto e dezembro de 2007, o Imazon observou redução de 21% no desflorestamento em Mato Grosso e aumento de 74% no Pará, em comparação com os dados de 2006. “Não trabalhamos com a mesma imagem. O Inpe escolhe a melhor imagem do período. E a gente consegue filtrar substituindo as áreas de nuvens por pixels sem nuvens”, explica Carlos de Souza Júnior, pesquisador e secretário executivo do Imazon. Cada pixel corresponde a uma área de 250 x 250 metros. Em áreas de floresta, 60% dos pixels equivalem a vegetação e 40% são sombra. “Quando há desmatamento, perde o percentual de vegetação e aparecem sinais de solo que deveriam ser zero”, ele explica. “Se o percentual de vegetação cair até 25% e o de solo aumentar mais de 20%, então esse pixel sofreu alteração.”
O sistema de medição utilizado pelo Imazon, como ele diz, é conservador. “Há zonas de confusão”, reconhece, referindo-se às áreas queimadas, mas ainda não convertidas para a pecuária ou a agricultura. “Há controvérsias sobre como tratar essas áreas degradadas”, pondera, oferecendo uma segunda explicação para a discrepância entre os dados.
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