Há pressa em concluir o Sirius, a nova fonte de luz síncrotron brasileira que será uma das mais avançadas no mundo. A meta é não prorrogar muito o término de sua construção e montagem, hoje com um atraso modesto de seis meses, aceitável em um projeto dessa magnitude e complexidade técnica. É que seus competidores já surgem no horizonte. São equipamentos projetados para apresentar um brilho similar ou até superior ao da máquina brasileira, que certamente atrairão a atenção de pesquisadores acadêmicos e de empresas interessados em realizar experimentos que exigem resoluções espaciais e temporal cada vez maiores.
Por essa razão, em maio deste ano, enquanto físicos e engenheiros do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) concluíam a instalação e realizavam os testes iniciais do acelerador linear, operários e engenheiros civis trabalhavam 24 horas por dia de segunda a sábado nas obras do Sirius. Corriam para finalizar o prédio até agosto e permitir que as outras partes do acelerador e as estações experimentais começassem a ser montadas o mais cedo possível. Mesmo que as instalações estejam prontas logo, a nova fonte de luz não funcionará sem a conexão entre a rede elétrica de alta tensão, que precisa ser providenciada pela CPFL Energia, que distribui energia na região de Campinas, e a subestação que alimentará o Sirius e o resto do campus do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), que, juntos, consumirão a energia de uma cidade de 40 mil habitantes. “É preciso correr se quisermos ter a fonte mais brilhante do mundo por um período”, afirma o físico Antônio José Roque da Silva, diretor do LNLS e responsável pela construção do Sirius.
Salto para um brilho maior
Hoje existem quase 50 fontes de luz síncrotron em funcionamento em pouco mais de 20 países. Quase metade delas se concentra em três países: o Japão tem 9 (muitas de pequeno porte), os Estados Unidos, 7, a Alemanha, 6. Pouco mais de 20 são de terceira geração, uma anterior à dos equipamentos mais modernos, que estão atingindo o limite do que é possível construir. O Sirius, de quarta geração, terá dois competidores diretos: uma fonte de luz já em operação na Suécia e outra que começará a ser montada em breve na França – além dessas, outras 13 de quarta geração estão em planejamento.
Instalado em Lund, cidade de 120 mil habitantes a 500 quilômetros ao sul de Estocolmo, a fonte de luz MAX IV é a primeira no mundo a ser considerada de quarta geração. Esses equipamentos são assim classificados por apresentarem uma distribuição inovadora de magnetos em torno do anel de armazenamento de elétrons, proposta em 1993 pelo físico alemão Dieter Einfeld e pelo físico esloveno Mark Plesko em um artigo na revista Proceedings of SPIE. Esse novo desenho da rede magnética foi adotado pela primeira vez no MAX IV e permite usar anéis de armazenamento menores para obter feixes de luz síncrotron mais concentrados e brilhantes.
Construído com componentes projetados e fabricados na Suécia e em outros países, o MAX IV foi inaugurado em junho de 2016, em uma cerimônia da qual participou o rei da Suécia, Carl XVI Gustaf. O equipamento é formado por dois anéis de armazenamento: um contendo elétrons com energia de 1,5 gigaelétrons-volt (GeV), que alimentam duas estações experimentais hoje em fase de comissionamento, e outro com elétrons de 3 GeV, que fornecem luz síncrotron para cinco estações, das quais três estão ativas e duas em testes. “Desde o início das operações, já tivemos 318 usuários”, conta o físico brasileiro-sueco Pedro Fernandes Tavares, diretor de aceleradores do MAX IV. Segundo Tavares, o anel de maior energia deve fornecer neste ano luz síncrotron para as estações experimentais a ele conectadas funcionarem por cerca de 4 mil horas, o equivalente a 167 dias.
Se tudo sair como o planejado, em pouco tempo, o Sirius e o MAX IV devem enfrentar um concorrente de peso: a fonte extrabrilhante (EBS) do European Synchrotron Radiation Facility (ESRF), que fica em Grenoble, cidade de 160 mil habitantes no sudeste da França, ao pé dos Alpes. Será uma versão aprimorada de sua atual fonte de luz síncrotron, a primeira de terceira geração a entrar em funcionamento no mundo, nos anos 1990. O ESRF é operado por um consórcio de 22 países e há três anos seus técnicos e engenheiros preparam o upgrade que custará € 150 milhões.
O equipamento atual será desligado em dezembro deste ano e, nos 18 meses seguintes, seu anel de armazenamento será desmontado e substituído por um novo, com 844 metros de circunferência, que manterá elétrons circulando com 6 GeV de energia, o dobro da do Sirius e do MAX IV. De acordo com a assessoria de comunicação do ESRF, o projeto está em dia. A previsão é de que o novo equipamento, que terá brilho 100 vezes mais intenso do que o da máquina atual, seja reaberto para os usuários em 2020 com as linhas de luz abastecendo 44 estações experimentais.
Na opinião do físico Aldo Craievich, professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP) e um dos líderes da construção da primeira fonte de luz síncrotron brasileira, o UVX, o Sirius deverá competir em condição de igualdade com o MAX IV e o ESRF-EBS e atrair colaboradores internacionais. “Estou convencido de que virão até mesmo pesquisadores de países mais desenvolvidos do hemisfério Norte, porque um bom número de experimentos avançados só poderá ser realizado aqui”, afirma. “Será um ambiente de forte estímulo à cooperação internacional, que deve superar o que ocorreu com o UVX.” A fonte brasileira atual, que deve ser desligada no final de 2019, tem uma média de 1.200 usuários por ano, cerca de 20% vindos de outros países da América Latina.
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