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Novos Materiais

A energia de uma dupla de metais

Nanopartículas de ouro revestidas de platina podem melhorar a eficiência de catalisador usado em células a combustível

Uma equipe do Centro de Pesquisas Avançadas em Grafeno, Nanomateriais e Nanotecnologias (MackGraphe), da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, desenvolveu o protótipo de um catalisador bimetálico que poderia aumentar a eficiência de células a combustível – dispositivos que convertem hidrogênio em eletricidade de forma silenciosa e sem emitir poluentes. Usualmente feito de platina, um elemento raro e caro, o catalisador de células a combustível estimula a quebra da molécula de água (H2O) que libera átomos para a formação de oxigênio e de hidrogênio. Esse último gás é o responsável por alimentar a célula a combustível, que, como uma bateria elétrica, pode ser usada para movimentar veículos. O catalisador é incorporado aos eletrodos, dispositivos que aplicam uma descarga elétrica na água durante o procedimento de eletrólise. Dessa forma, núcleos de hidrogênio são estimulados a se ligarem uns aos outros, em vez de entrarem na formação de novas moléculas de água, que seria seu curso natural.

O dispositivo formulado pelos pesquisadores da universidade paulista é formado por uma folha de óxido de grafeno ao qual são agregadas nanopartículas de ouro revestidas por uma camada de platina com um átomo de espessura. A nanoestrutura peculiar, originada pela junção das partículas dos dois metais, seria a responsável por aprimorar o desempenho do dispositivo. O segredo do catalisador residiria na camada mono-atômica de platina sobre ouro, que aumenta as propriedades eletrônicas do nanomaterial e sua capacidade de atuar como catalisador. “As nanopartículas são arranjadas de maneira a formar um caroço de ouro de aproximadamente 1,2 nanômetro com uma casca de platina”, explica o físico teórico Leandro Seixas, do MackGraphe, um dos autores do estudo publicado em 29 de janeiro no periódico ACS Applied Materials & Interfaces, que descreveu o processo de criação do dispositivo. Com a capa de platina e o interior de ouro, as nanopartículas atingem no máximo 1,8 nanômetro.

Além de se mostrar mais eficiente nos testes realizados, o novo catalisador também poderia ser mais barato, pois empregaria menores quantidades de platina do que os dispositivos atuais, segundo os pesquisadores. “A platina é muito cara e o processo de geração de combustível com esse tipo de catalisador ainda é pouco eficiente”, diz Seixas. Essas limitações estimularam a equipe do MackGraphe a usar seus conhecimentos sobre o grafeno e nanoestruturas para tentar manipular a platina e melhorar o processo de obtenção de hidrogênio.

Nos experimentos e simulações, as nanopartículas de ouro recobertas por uma folha de platina funcionaram como catalisador de forma superior à de estruturas feitas de partículas macroscópicas de platina, da liga ouro-platina e até de nanopartículas apenas de platina. “Quando colocamos a platina em cima do ouro, ela fica mais ativa que a platina pura”, comenta a química Camila Maroneze, do MackGraphe, outra autora do estudo. “Esse foi um aspecto interessante que a teoria previu bem e comprovamos experimentalmente.” Para concluir a parte teórica do trabalho, os pesquisadores contaram com a infraestrutura do centro de pesquisa em materiais bidimensionais da Universidade Nacional de Cingapura, cujo supercomputador rodou simulações sobre o novo material. Na frente experimental, microscópios de transmissão eletrônica do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), de Campinas, foram usados para ver as nanoestruturas obtidas em laboratório.

Armazenar energia
Conduzidas pela equipe do Mackenzie como ciência básica, as pesquisas de Seixas e Maroneze não geraram, ainda, patentes. A manipulação do ouro sobre a base de óxido de grafeno havia sido descrita em um estudo publicado no ano passado na revista científica Nanoscale. A produção dessas nanopartículas é, porém, o estágio inicial em um movimentado cenário de inovação. O hidrogênio hoje é usado não apenas nos primeiros modelos de carros movidos a célula a combustível, mas também em dispositivos para armazenar energia. “A demanda por esse segundo tipo de aplicação deve aumentar à medida que a energia solar e a eólica também crescerem”, prevê o físico Ennio Peres, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “A energia gerada pelo sol e pelo vento é intermitente e precisa ser armazenada para que possa ser utilizada nos picos de consumo. Se aproveitarmos essa energia excedente para produzir hidrogênio combustível, poderemos armazená-la para usar mais tarde, gerando eletricidade com células a combustível.”

Antes de se aposentar, Peres dirigiu na Unicamp por mais de uma década o Laboratório de Hidrogênio (LH2), que originou a empresa Hytron, spin-off brasileira que atua no mercado de armazenamento de energia com hidrogênio. Segundo o pesquisador, no campo das aplicações práticas o custo dos catalisadores é uma questão crucial. Nas células a combustível, que funcionam como os “motores” dos veículos e dos geradores, ainda não se arranjou substituto eficaz para a platina. Há uma corrida tecnológica para tentar baratear esses dispositivos.

O grupo de pesquisa do MackGraphe trabalha em duas frentes, também adotadas por equipes de várias universidades e centros de estudos do mundo. Uma delas é melhorar a eficácia da platina, como foi feito no trabalho publicado agora. Outra é achar substitutos para esse elemento. “Um metal que estamos estudando, o molibdênio, é muito mais barato do que a platina”, diz Seixas. “Quando combinado com o enxofre, o molibdênio fica lamelar, ou bidimensional, assim como o grafeno.” O chamado dissulfeto de molibdênio, explica o físico, pode ser então reestruturado na escala nanométrica, na tentativa de se obter propriedades eletrônicas diferentes. Esse composto vem sendo mencionado com frequência na literatura científica da área e deve ser objeto dos próximos trabalhos a serem publicados pelo grupo.

Projeto
Grafeno: Fotônica e optoeletrônica. Colaboração UPM-NUS (nº 12/50259-8); Modalidade Auxílio à Pesquisa;  Programa Spec; Pesquisador responsável Antonio Helio de Castro Neto (Universidade Presbiteriana Mackenzie); Investimento R$ 13.561.689,05 (para todo o projeto).

Artigo científico
GERMANO, L. D. et al. Ultrasmall (<2 nm) Au@Pt Nanostructures: Tuning the surface electronic states for electrocatalysis. ACS Applied Materials & Interfaces. 29 jan. 2019.

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