As duas estruturas ao lado lembram um par de halteres, mas jamais serviriam para fazer exercícios. Na realidade, representam tubos formados por 6 mil átomos de carbono, o mesmo elemento químico que compõe o grafite dos lápis – é muito pouco, mesmo se comparado a uma simples cabeça de alfinete, constituída por uma quantidade de átomos correspondente ao número 1 seguido de 18 zeros.
Visíveis aqui somente porque foram ampliados 30 milhões de vezes, esses cilindros fazem parte de um mundo microscópico no qual os fenômenos são descritos por leis que muitas vezes fogem à lógica do cotidiano, em que a unidade de medida é o nanômetro, a bilionésima parte do metro. Feitos a partir da associação aleatória de átomos de carbono do vapor de grafite bombardeado por laser, os halteres ou nanotubos, como são chamados, medem 1,4 nanômetro de diâmetro – cerca de 100 mil vezes menos que a espessura de um fio de cabelo – e 8,2 nanômetros de comprimento. Cada haltere consiste, na verdade, de dois nanotubos: um externo e, dentro dele, um menor, representado em amarelo na imagem.
Num artigo que mereceu a capa da edição de 7 de fevereiro da mais importante revista científica de física, aPhysical Review Letters, uma equipe formada por físicos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) demonstrou que o formato de haltere é a forma mais simples que permite a esse conjunto de dois nanotubos funcionar como um nanooscilador: um mecanismo no qual, a partir de um impulso inicial, o tubo menor se desloca de uma extremidade a outra num movimento oscilatório interminável, capaz de durar um período de tempo praticamente indefinido.
Os nanotubos seriam algo como os liliputianos, os minúsculos habitantes de Lilliput, a cidade criada pelo escritor irlandês Jonathan Swift emAs Viagens de Gulliver, diante do gigante que dá nome ao livro. No papel de Gulliver estão os atuais osciladores eletrônicos,10 milhões de vezes maiores. Hoje, com esses dispositivos se consegue gerar ou captar ondas eletromagnéticas, como as utilizadas nas transmissões de rádio, televisão e telefonia celular. Outro exemplo cotidiano de dispositivos com osciladores é o computador, no qual o clock, o indicador de velocidade, registra o número médio de operações que o processador (chip) é capaz de realizar a cada segundo.
Em dez anos, os nanoosciladores podem levar a uma nova geração de equipamentos eletrônicos, com o carbono no lugar do silício como matéria-prima. Permitiriam gerar novas faixas de transmissão de telecomunicações e equipamentos eletroeletrônicos mais rápidos e duráveis, já que se trata de um material extremamente resistente. Por enquanto, os halteres existem apenas em ambiente virtual, mas já simbolizam uma alternativa mais eficiente, econômica e versátil, capaz de operar em freqüências quase 40 vezes superiores às dos osciladores atuais, atingindo até 38 gigahertz (GHz) – um hertz, a unidade de medida de freqüência, corresponde a uma oscilação por segundo. “O grande mérito desse trabalho foi ultrapassar a barreira dos gigahertz”, diz o físico Douglas Soares Galvão, da Unicamp, que coordenou o estudo, feito por meio de simulações em computador.
Os nanotubos tornam-se viáveis à medida que se domine a tecnologia de sua fabricação, hoje em fase inicial, e os custos de produção caiam – algo um pouco mais próximo de acontecer, já que em alguns anos expira um conjunto de patentes internacionais que faria o preço do nanotubo despencar dos atuais US$ 1.000 o miligrama para menos de US$ 100 o quilo. Superados esses obstáculos, os nanotubos ganham aplicações militares. Sem os cilindros nas pontas, funcionariam como nanocanhões. Lançado a mais de 1.500 metros por segundo, o equivalente à velocidade da bala de um fuzil, o nanotubo interno seria uma espécie de nanobala, superando a força que o mantém no interior do tubo maior, a chamada força de Van der Waals, que explica a atração recíproca entre moléculas neutras (sem carga elétrica), como os nanotubos.
A idéia de usar simulações em computador para avaliar se os nanotubos funcionariam como osciladores surgiu em junho passado no Instituto de Física da Unicamp, quando se levantou a suspeita de que os resultados de um estudo publicado poucos meses antes poderiam estar errados. Em janeiro de 2002, Quanshui Zheng, da Universidade Tsinghua, na China, e Qing Jiang, da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, sugeriram naPhysical Review Letters que os nanotubos de carbono poderiam gerar nanoosciladores capazes de operar em várias freqüências da ordem dos gigahertz.
Eles propuseram o uso de nanotubos um pouco diferentes – o maior deles sem cilindros nas pontas e com uma das extremidades fechadas. Além disso, haviam feito os cálculos para o conjunto de nanotubos estáticos, sem levar em consideração os efeitos do aumento da temperatura – que faz os átomos vibrarem mais intensamente – nem da passagem do tempo, que permite conhecer como os tubos interagem durante o movimento.
Sergio Legoas, Scheila Braga e Vitor Coluci, da equipe de Galvão, criaram os programas que geravam automaticamente as estruturas, realizaram as simulações dos nanoosciladores e, por fim, mostraram que havia um erro no modelo dos chineses. Como havia sido proposto, o sistema de nanotubos não funcionaria: as simulações demonstraram que o tubo interno, quando começava a oscilar, chocava-se com a parede fechada e passava a vibrar, impedindo a continuidade do movimento.
A indicação que levou ao formato de haltere surgiu de um trabalho publicado na Science dois anos antes, por Alexander Zettl e John Cumings, da Universidade da Califórnia, em Berkeley. Ali se demonstrava experimentalmente que nanotubos formados por múltiplas camadas apresentavam movimento oscilatório: quando se empurrava um nanotubo mais interno, ele se deslocava para fora até quase escapar, mas retornava para o interior do nanotubo maior se movimentando em sentido contrário – uma evidência da ação da força de Van der Waals, que aumenta proporcionalmente à área do tubo interno exposta fora do nanotubo maior.
Unindo os artigos às simulações, a equipe brasileira concluiu que o mais importante para permitir que o tubo interno deslizasse sem atrito no interior do nanotubo maior era o espaço livre entre eles. Por meio de uma série de cálculos, o grupo verificou que o raio do tubo mais externo deveria ser 3,4 ângstrom (um ângstrom corresponde a um décimo do nanômetro) maior que o do interno. Mas o problema estava resolvido apenas em parte. Se montassem o nanooscilador com base apenas nessas informações, o nanotubo se pareceria com um cano com duas extremidades abertas contendo uma cápsula no interior. Era preciso obter uma forma que impedisse a entrada de átomos livres, que agiriam como impurezas e atrapalhariam o movimento do tubo menor. “Em três meses, chegamos ao formato do haltere, a conformação mais simples possível”, diz Galvão. “Ninguém acreditava que existisse na natureza um sistema como esse, capaz de funcionar quase sem atrito.”
Com esse formato e essa distância entre os tubos, o oscilador foi capaz de funcionar praticamente sem perder energia na forma de calor por causa do atrito entre as paredes. Ainda não era o bastante. Um mecanismo desses deve ser capaz de funcionar à temperatura ambiente, 25º Celsius. Repetindo as simulações, Galvão constatou que o sistema de nanotubos atuava de maneira estável não apenas à temperatura de 0 kelvin, correspondente a -273º Celsius, adotada nos cálculos por representar uma das condições em que os átomos praticamente param de vibrar. Permanecia eficiente também à temperatura de 400 kelvin (127º Celsius), vibrando à freqüência de até 38 GHz. “Na simulação, o nanooscilador funcionaria por um período indefinido, quase para sempre, sem necessitar receber um novo impulso”, diz Galvão. “Já no mundo real, como há pequenas perturbações, o sistema precisaria ser alimentado com muito pouca energia.”
Nanobalas
A equipe de paulistas e mineiros trabalha agora para descobrir uma maneira prática de colocar o nanotubo interno do oscilador em movimento. A proposta inicial, sugerida pelos físicos mineiros Pablo Coura e Sócrates Dantas, de Juiz de Fora, seria utilizar o campo magnético de uma espécie de eletroímã para dar um empurrão inicial no oscilador. Para isso, o tubo interno, embora feito de carbono, teria de agir como um metal, e o externo, como um material isolante. Nos testes em que avaliavam a velocidade máxima a que o nanotubo interno poderia se movimentar sem escapar do haltere, os físicos descobriram que, ao atingir a velocidade de 1.500 metros por segundo, o nanotubo interno era violentamente atirado para fora do oscilador.
Desse resultado é que surgiu a idéia de utilizar os nanotubos como um nanocanhão. A equipe de Galvão conseguiu gerar as equações capazes de prever o impacto de uma nanobala e agora faz experimentos – sempre em ambiente virtual – para aumentar o poder de fogo do projétil. Os melhores resultados obtidos se deram quando moléculas de cubanos são encapsuladas dentro do tubo interno. Cubanos são moléculas compostas por oito átomos de carbono e oito de hidrogênio que se ligam formando um cubo – daí o nome.
Dequalquer forma, para ganhar uma aplicação militar efetiva – algo que ainda pertence aocampo da ficção -, seria preciso reunir bilhões de nanocanhões em poucos centímetros.Desse modo, se colocados em um satélite, osnanotubos poderiam ser disparados contra um satélite inimigo, retomando dessa maneira o hipotético cenário do Guerra nas Estrelas, o programa de defesa norte-americano reavivado nos anos 80 pelo ex-presidente Ronald Reagan. “Mas seria necessária uma quantidade muito grande de nanocanhões para produzir um impacto significativo, porque um único nanocanhão só seria eficaz contra um nanossatélite”, brinca Galvão.
O Projeto
Mapeamento Teórico Sistemático da Relação Estrutura-Função em Polímeros Conjugados de Interesse Tecnológico (nº 99/07339-4); Modalidade Projeto temático; Coordenadora Marília Junqueira Caldas – Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP); Investimento R$ 384.613,83