JAIME PRADESA difusão de lan houses pelas periferias e bairros mais humildes de pequenas e grandes cidades brasileiras, ao que parece, começa a provocar um fenômeno que já pode ser observado: a democratização da internet pode ter reflexos bem mais importantes no desempenho dos estudantes das escolas públicas do que se imagina. Em vários sentidos: na melhoria do aprendizado e do rendimento, em sua preparação para desafios como vestibular etc. A sala de aula para essa leva de incluídos tende a ficar desinteressante.
Não por acaso, faz algum tempo, a internet ronda as escolas e quer entrar de qualquer jeito. Para o bem, claro. Até mesmo nos colégios particulares, onde essa integração ainda não se deu por completo. O resultado disso é que se existe uma certeza no mundo da pedagogia é somente a de que o quadro-negro, a caixinha de giz e o apagador – materiais básicos de ensino que existem há séculos – estão com prazo de validade vencido.
Fazer do computador e da internet objetos integrados para o aprendizado escolar é uma coisa possível, viável e necessária faz algum tempo. As ferramentas existem e dependem de iniciativas e de vontade política. Só isso? Não, a situação é bem complexa, simplesmente porque ainda não se sabe qual a melhor forma de fazer isso, mesmo que as salas sejam ocupadas por computadores. Nem de que modo. Os desafios vão desde o papel do professor, do aluno, da escola e do poder público até se descobrir como tornar esse mecanismo eficiente, uma vez que suas múltiplas possibilidades fazem da rede mundial de computadores uma atração irresistível e dispersiva para crianças e adolescentes.
Os desafios vão além. É necessário saber também como evitar o mau uso da internet na execução de trabalhos escolares, uma vez que é comum que alunos – inclusive do ensino superior – copiem material disponível ou reproduzam informações que são erradas ou imprecisas. Ou cometam infrações como plágio ou apropriação de idéias alheias. Por tudo isso, integrar escola e internet se tornou o maior desafio para quem pensa, discute e planeja a educação em todo o planeta.
A rede pode desde servir de suporte à educação a distância até fornecer informação, complementando a visão de ferramenta de instrução do processo ensino-aprendizagem ou na elaboração de atividades que auxiliam o aprendiz na construção de seu conhecimento. É o que observa o professor José Armando Valente, do Departamento de Multimeios e Núcleo de Informática Aplicada à Educação da Unicamp. Nos dois casos, diz ele, as formas de utilizá-la devem ser determinadas pela intenção pedagógica do professor, que ainda procura uma forma viável de fazer isso.
Como observa Valente, os educadores têm consciência de que a internet dispõe dos mais modernos recursos de manipulação da informação para auxiliar o aluno em pesquisas sobre determinado assunto, no desenvolvimento de projetos, na comunicação com outras pessoas, na publicação dos resultados de trabalhos etc. Para o pesquisador, quanto mais sofisticado o processo de ensino e quanto mais preparado (mais maduro e consciente do que quer ser na vida) for o aprendiz, mais a internet pode ser útil na sua formação.
Um exemplo partiu da Unicamp, que adotou o ensino aberto, que oferece todas as disciplinas da graduação em um ambiente de educação a distância, via internet. O professor da disciplina pode usá-lo ou não, de acordo com a sua proposta pedagógica. No caso de uso, em algumas situações, tem significado a extensão da sala de aula – a continuação das discussões, via os recursos do ambiente -, repositório de trabalhos dos alunos ou do material de apoio etc.
Especialista em educação a distância, o professor da Escola Politécnica da USP e Centro Universitário Senac Rometo Tori tem nos filhos exemplos do quanto a internet tem forçado especialistas a buscarem caminhos para levar a tecnologia digital ao aprendizado. “Se a escola não levar a internet à sala de aula, os alunos a levarão. Já faz alguns anos que presencio meus filhos, cursando ensino fundamental, fazerem pesquisa na internet e trabalhos em equipe a distância, via programa de comunicação instantânea. E não era a escola que pedia para eles fazerem dessa forma, nem eu os incentivava; era algo natural e óbvio para eles.”
Assim, sugere ele, a discussão não deve ser “se a internet deve ou não ser adotada em sala de aula”, mas sim “como”. Tori diz que isso deve ser feito como qualquer outra mídia. Ou seja, com planejamento e acompanhamento. “Até para dar uma aula com lousa e giz é preciso planejar. A lousa não ensina por si só. Nem a internet.” Um grande diferencial da internet em relação à maioria das mídias até hoje empregadas em educação é a interatividade, acrescenta. “Sendo assim não faz sentido, por exemplo, colocar o aluno em frente ao browser e esperar que preste atenção numa aula expositiva.”
Fenômeno
Para o professor, a mídia deve ser adequada ao método pedagógico que se deseja empregar em cada atividade de aprendizagem. Como um curso pedagogicamente bem planejado não se baseia em uma única técnica pedagógica, explica ele, haverá momentos em que a internet terá papel de destaque e outros em que poderá (ou até deverá) ser dispensada. “Não podemos nos esquecer do fenômeno inverso ao de se ‘levar a internet à sala de aula’ que é o de se ‘levar a sala de aula à internet’, que também caminha a passos largos e vem apresentando ótimos resultados, seja na educação a distância, seja no apoio à educação presencial.”
Em São Paulo, para estudar o tema, foi criado na USP o Laboratório de Investigação de Novos Cenários de Aprendizagem – Escola do Futuro, núcleo de pesquisas vinculado à pró-reitoria. Sua função é investigar como as tecnologias de informação e comunicação podem ser incorporadas à educação. A coordenadora Sílvia Fichmann explica que o projeto conta com grupos de pesquisadores de várias áreas de conhecimento. “O que se propõe é que haja uma mudança nos paradigmas educacionais, uma vez que as transformações provocadas pela revolução digital exigem uma mudança de percepção dos educadores em relação à aprendizagem, uma nova postura e uma nova forma de ensinar em que o aluno tem um papel ativo e o professor assume o papel de mediador”, observa.
Em funcionamento há quase uma década, a Escola do Futuro desenvolve projetos para instituições públicas e privadas. Desde o ano de 2000, por exemplo, trabalha com o Tonomundo, que busca contribuir para a formação de educadores de ensino fundamental de escolas públicas em 16 estados brasileiros. As tecnologias de informação e comunicação, afirma Sílvia, são ferramentas que contribuem para que os alunos aprendam de forma autônoma os diferentes estilos de aprendizagem. “O problema é que os professores não estão preparados para essa mudança e para o uso da tecnologia como ferramenta educacional e continuam insistindo em manter as práticas pedagógicas e os recursos tradicionais.”
Existem, segundo a educadora, vários obstáculos para que os professores utilizem a internet como ferramenta educacional. Dentre eles a falta de equipamentos e conexão com a internet na maioria das escolas. Sem contar que aqueles que os possuem têm dificuldade na manutenção dos mesmos. E mais: ausência de uma reformulação do currículo escolar que proponha atividades com o uso da tecnologia, a falta de condições para que os professores se reciclem, a carga horária escolar que inviabiliza atividades no laboratório de informática. “A internet deve ser utilizada como fonte complementar de pesquisa, os professores devem orientar os alunos sobre como encontrar as informações, selecionar as informações pertinentes e utilizá-las em seus trabalhos”, sugere Sílvia.
César Nunes, doutor e pesquisador associado à Escola do Futuro, afirma que existem três grandes frentes positivas para o uso da internet em sala de aula: o acesso a todo tipo de informação, a troca de dados com colegas e especialistas e a publicação de material produzido pelos próprios alunos. A combinação dessas características permite ter um ensino centrado no aluno, no qual ele se torna responsável por coletar, validar e organizar a informação, desenvolver suas habilidades de comunicação e aprender fazendo, produzindo, seu próprio material. “Essas frentes preparam o aluno para a sociedade atual, em que todos devem ser produtores de conhecimento, e não simplesmente absorvedores.”
A internet, como ferramenta de ensino, apresenta uma vantagem crucial se comparada a outras mídias, como os impressos, o rádio ou a TV: o imenso potencial de interatividade inerente à estrutura hipertextual. É o que ressalta Fábio Massaharu Nogi, mestre em odontologia social pela USP com a tese “A internet como ferramenta de apoio pedagógico no processo de ensino-aprendizagem em odontologia legal”. A representação das informações em hipertextos, diz ele, proporciona o rompimento com as seqüências estáticas e lineares das mídias tradicionais. “Dessa forma, disponibiliza um leque de possibilidades no processo de obtenção da informação, permitindo ao usuário interligar as informações conforme os seus próprios interesses e necessidades, navegando e construindo seqüências personalizadas em sua consulta.”
Para Nogi, pode-se utilizar a rede no processo de ensino-aprendizagem de diversas formas e com abordagens bem distintas. Exemplos: navegação e pesquisa em sites, correio eletrônico, grupos de discussão, videoconferência, fóruns, simuladores, consulta a bases de dados são alguns exemplos de recursos oferecidos citados por ele que podem ser empregados na sala de aula, contribuindo para a realização de aulas mais dinâmicas e interativas. “Essa riqueza de possibilidades viabiliza a inserção da internet em projetos educacionais com graus de complexidade e dependência variáveis, em função do nível de conhecimento e preparo dos docentes e demais integrantes da equipe de trabalho.”
Popularização
Nogi argumenta que não adianta se equipar das tecnologias mais sofisticadas e inovadoras se esses avanços não agregam benefícios concretos à aprendizagem do aluno. “A popularização da internet promoveu o aumento indiscriminado da oferta de cursos on-line, sem que muitos deles contemplem fundamentos pedagógicos básicos que possibilitem uma aprendizagem mais ativa e colaborativa por parte do estudante”, alerta. Trata-se, diz ele, da postura antiga e tradicional de transmissão unilateral de conhecimentos, centrada na figura do professor e que privilegia a acumulação acrítica de saberes, só que, dessa vez, maquiada por um recurso tecnológico inovador.
Dez anos depois do início da massificação da internet, alguns educadores consideram que a influência ou presença da internet na educação escolar não se faz notar com destaque. Os usos existentes são ainda muito limitados, não exploram os verdadeiros potenciais da internet, como ressalta José Armando Valente. Em muitas escolas o uso tem sido restrito à procura de informação em portais disponibilizados pela instituição. Para conter distorções e mau uso dessa ferramenta, ele sugere que a mesma tem de estar a serviço de processo de resolução de problemas, desenvolvimento de projetos e meio de interação entre aprendizes e entre o aprendiz e especialistas.
Sílvia Fichmann acrescenta que, infelizmente, o que se tem constatado na Escola do Futuro é que a maioria dos professores ainda não usa adequadamente a internet com finalidade educacional. “O projeto Tonomundo é um dos que notamos uma evolução nesse sentido, pois ele faz parte de uma comunidade virtual de aprendizagem e desenvolve atividades propostas com o objetivo de potencializar o computador e a internet como ferramenta educacional.” O debate ainda tem muito para avançar.
Republicar