Léo RamosUma pequena empresa de seis anos de idade foi capaz de ganhar clientes como Coca-Cola, Rhodia, Villares e Ajinomoto ao desenvolver um algoritmo baseado no conhecimento da lógica fuzzy, uma área de pesquisa de inteligência artificial, relacionada à expansão da teoria dos conjuntos que trata, por exemplo, de elementos pertencentes ou não a um determinado grupo. “Nessa abordagem algo pode estar parcialmente contido num sistema”, diz o engenheiro da computação Igor Santiago, diretor executivo da I.Systems, sediada em Campinas (SP). “Ou seja, uma pessoa não é alta nem baixa, mas 80% alta, por exemplo. Essa diferenciação propicia um número muito grande de aplicações práticas até então impossíveis com a lógica clássica”, diz. A clássica é a lógica binária em que a resposta só pode ser sim ou não, certa ou errada. Na prática, o sistema eletrônico criado pela empresa reduz perdas e torna mais eficientes processos ou equipamentos industriais, como envase de líquidos ou pó, caldeiras de vapor, torres de destilação, geração de energia de biomassa e tratamento de efluentes. Chamado de Leaf, o software gera automaticamente milhares de regras usando a lógica fuzzy, para garantir a estabilidade dos processos de controle industrial.
A lógica fuzzy é usada para lidar com modos de raciocínio que são aproximados em vez de exatos. “Ela é utilizada para o desenvolvimento de sistemas inteligentes que fazem uso de conhecimento vago ou impreciso na tomada de decisões”, explica o engenheiro eletricista Ricardo Gudwin, professor da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Hoje a lógica fuzzy tem um grande número de aplicações, desde o controle de foco em câmeras de vídeo, passando por controladores industriais, elevadores e robôs, por exemplo.” A diferença entre os controladores existentes no mercado e o desenvolvido pela I.Systems é que neste as regras fuzzy são criadas automaticamente, por um algoritmo que a empresa desenvolveu. “Isso possibilita que pessoas leigas consigam gerar rapidamente complexos sistemas de controle industriais obtendo ganhos operacionais na redução de custos e aumento de produtividade”, garante Santiago.
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De acordo com o empresário, que foi aluno de mestrado de Gudwin, o Leaf representa um avanço de cerca de 100 anos em relação à tecnologia conhecida como processo Proporcional, Integral e Derivativo (PID), criada no fim do século XIX e usada até hoje em quase 100% dos sistemas industriais automatizados. Segundo ele, a tecnologia do PID foi feita para ler apenas uma informação por vez, como temperatura, pressão ou vazão, e planejar como bombas, válvulas, entre outros equipamentos, deve se comportar para que a produção ocorra como determinado. “O fato de o PID observar apenas uma informação por vez significa que ele sempre espera um problema acontecer para reagir e tentar consertar.” Em contrapartida, o Leaf pode ler inúmeras informações ao mesmo tempo. É capaz de antecipar as mudanças e evitar que elas prejudiquem a produção. Um exemplo está nos sistemas de preenchimento de garrafas com um volume preciso de um líquido. Devido às flutuações nos sistemas de engarrafamento, há grandes dificuldades em preencher as garrafas com a quantidade exata que será expressa no rótulo. Para driblar esse problema, as empresas regulam suas máquinas de envase para colocar 5% a mais de líquido, evitando que oscilações deixem as garrafas com menos que o prometido. O Leaf, por sua vez, cria e implementa regras fuzzy que diminuem as oscilações e possibilitam as máquinas serem reguladas para injetar apenas 1% a mais que o líquido prometido, economizando 4% do volume de cada garrafa.
O Leaf foi colocado em prática em 2010, na fábrica da Coca-Cola em Jundiaí, a 60 quilômetros da capital de São Paulo, a maior engarrafadora da marca na América Latina, com 2 bilhões de vasilhames por ano. O desafio é o controle da pressão interna e o volume de refrigerante dentro do equipamento de envase a cada instante. O problema é que era utilizado um sistema PID para controlar o volume e outro para controlar a pressão. Como um sistema não era informado das ações do outro – porque só podem ler uma informação por vez –, eles acabavam se atrapalhando mutuamente.
A solução foi implantar o Controle Multivariável Fuzzy, que atua simultaneamente nas válvulas de pressão e de vazão da linha engarrafadora, tornando possível um ajuste mais fino e preciso da quantidade e velocidade de líquido injetado nas garrafas. “Estabilizamos o processo de envase de refrigerante e a empresa economizou 500 mil litros de refrigerante e 100 mil garrafas PET por ano desde 2010”, conta Santiago. “Conseguimos reduzir em 31% as perdas por rejeição, nas variações de nível do líquido injetado, e 42% por borbulhamento, que é a formação de bolhas de gás carbônico. O desperdício com o borbulhamento foi reduzido de 64 para 37 litros de refrigerante por hora, e as rejeições por nível de líquido caiu de 685 para 465 garrafas por dia.”
A história que levou à formação da I.Systems começou em 2004, quando três engenheiros de computação e um matemático, formados na Unicamp, resolveram fazer um curso de inteligência artificial na mesma instituição. Foi nessa época que eles começaram as pesquisas para o desenvolvimento do Leaf. O primeiro plano de negócios, em 2006, foi feito como trabalho final de um curso de empreendedorismo da Unicamp. No ano seguinte, eles criaram a empresa. Em 2009, a I.Systems conseguiu um financiamento do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) da FAPESP. “Utilizamos os recursos para desenvolver um simulador de envase de refrigerante e convencer o gerente da fábrica da Coca-Cola de que nossa solução geraria benefícios”, lembra Santiago. “Em 2010 obtivemos outro projeto Pipe cujo dinheiro foi usado para tornar nossa tecnologia viável.”
No início do ano, a empresa recebeu um aporte de investimentos do fundo Pitanga, especializado no investimento em empresas de base tecnológica com recursos de oito investidores: o biólogo Fernando Reinach, que é seu administrador, os fundadores da Natura, Guilherme Leal, Luiz Seabra e Pedro Passos, e os banqueiros do Itaú Unibanco Pedro Moreira Salles, Candido e Fernão Bracher e Eduardo Vassimon. “O fundo Pitanga resolveu investir na I.Systems porque a empresa desenvolveu uma maneira nova de utilizar a lógica fuzzy, num processo de regulação de automação industrial. É uma solução inovadora, que não existe em nenhum lugar do mundo”, diz Reinach. “Há empresas que fazem automação industrial, mas nenhuma tem este tipo de solução. No caso do produto da I.Systems, o mercado potencial é qualquer indústria do mundo.”
O investimento, cujo valor não é revelado, será usado para desenvolver novos produtos e melhorar a equipe de vendas. No Brasil, a I.Systems ainda não tem concorrentes, mas em nível mundial terá de enfrentar grandes empresas, como Siemens e General Electric. “Estamos avaliando se vamos solicitar a patente da nossa tecnologia no Brasil ou no exterior ou se trabalharemos com segredo industrial nos mercados norte-americano, asiático e europeu”, diz Santiago.
Projetos
1. Controle de processos industriais – Uma abordagem através de inteligência computacional (n°2007/56398-1); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Coord. Igor Bittencourt Santiago/I.Systems; Investimento R$ 10.592,26 (FAPESP).
2. Aplicação da plataforma hourus para automação industrial e de equipamentos (n° 2010/51286-3); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Coord. Igor Bittencourt Santiago/I.Systems; Investimento R$ 95.888,22 e US$ 1.210,71 (FAPESP).