Um passo importante foi dado para o Brasil produzir superímãs no futuro. O desenvolvimento de tecnologia para a produção do didímio – um conjunto de dois metais precursores de ligas para ímãs de maior densidade de fluxo magnético – abre caminho para a fabricação desse produto ainda inédito no país. O didímio é formado por dois elementos de terras-raras, o praseodímio (Pr) e o neodímio (Nd), do grupo dos lantanídeos. Os ímãs de alta potência são utilizados, por exemplo, em motores de veículos elétricos e geradores de eletricidade em turbinas eólicas. A novidade anunciada em fevereiro é fruto de uma parceria entre o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM) e a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), ligada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
No projeto iniciado em 2014, o grupo de pesquisadores do IPT, do Laboratório de Processos Metalúrgicos, sob a liderança do engenheiro metalurgista João Batista Ferreira Neto, desenvolveu tecnologia para transformar o óxido de didímio, um pó de cor semelhante ao de café, em lingotes de metal puro. “Desenvolvemos a etapa da redução, o que significa transformar o óxido [retirar o oxigênio] em metal. Para isso montamos reatores que trabalham a 1.200 graus Celsius (°C) e produzem barras de didímio metálico. Esse material, em uma fase seguinte, da qual também pretendemos desenvolver tecnologia, será usado na produção de uma liga metálica de didímio, ferro e boro para a posterior fabricação do superímã”, explica João. O projeto de desenvolvimento do didímio metálico teve o custo de R$ 9 milhões, sendo R$ 3 milhões da CBMM, R$ 3 milhões da Embrapii e a parte do IPT contabilizada com equipamentos, infraestrutura e a remuneração de sete pesquisadores.
Campo magnético
Para chegar ao ímã é preciso obter a liga didímio-ferro-boro em pó e fazer o alinhamento das partículas por meio do campo magnético aplicado durante a compactação, seguido de sinterização (solidificar o material) e tratamento térmico, dando assim origem ao ímã. Os ímãs feitos no país são de ferrite, à base de bário ou estrôncio, presentes, por exemplo, nos pequenos adesivos fixados na geladeira. Os ímãs que contêm neodímio, ferro e boro são pelo menos três vezes mais potentes que os de ferrite em relação ao campo magnético.
O mercado de ímãs cresce a cada ano. Em 2010, as vendas foram de US$ 2 bilhões no mundo. Em 2020 devem atingir US$ 5 bilhões e em 2030 a previsão é de US$ 10 bilhões, principalmente pelo aumento da importância da energia eólica. Apenas para fabricar os aerogeradores eólicos, a necessidade de ímãs de didímio ou neodímio é de 600 quilos (kg) a 1 tonelada de ímã por megawatt (MW) instalado (capacidade para suprir 200 residências, em média). A previsão é de que entre 2016 e 2019 sejam instalados mais 10 gigawatts (GW) de energia eólica apenas no Brasil.
Atualmente, os ímãs utilizados pela indústria brasileira são importados, embora o país tenha a segunda reserva de terras-raras do mundo, atrás apenas da China. Os chineses são líderes na produção mundial de ímãs e têm a tecnologia tanto de extração e purificação de terras-raras como de produção de ímãs potentes. “Existe pouca informação fora da China sobre a separação de terras-raras e a produção de ligas metálicas para ímãs”, diz João.
Os ímãs comerciais mais potentes utilizados no mundo são de neodímio ou didímio. Nas minas da CBMM em Araxá, Minas Gerais, a produção de terras-raras começa com a separação dos elementos a partir da monazita, mineral encontrado nos rejeitos da exploração do nióbio, entre outros sítios geológicos. O neodímio e o praseodímio sempre aparecem juntos no mesmo mineral.
A CBMM comercializa todos os produtos de nióbio usados pela indústria, como o ferronióbio utilizado em siderurgia, o nióbio metálico puro ou os óxidos especiais desse material. O Brasil é o maior produtor mundial. O nióbio é adicionado aos aços na proporção média de 500 gramas por tonelada. Essa pequena quantidade no aço faz a sua resistência mecânica aumentar sem prejuízo da maleabilidade. Assim é possível utilizar menor quantidade de aço na aplicação final, por exemplo, deixando as chapas de aço mais finas e leves. O nióbio também é usado, por exemplo, em câmaras de combustão de motores de avião. “Não vendemos o material na forma bruta, mas transformamos o nióbio de acordo com as necessidades do cliente. Exportamos 96% das 65 mil toneladas produzidas por ano de nióbio, sendo de 22% a 25% para a China”, diz o presidente da CBMM, o engenheiro metalúrgico Tadeu Carneiro.
“Desenvolvemos a tecnologia para separar a monazita [que contém terras-raras] dos rejeitos. Na primeira fase da separação atingimos o sulfato duplo que contém as 17 terras-raras, todas com uso industrial; o problema é obtê-las de forma econômica”, explica. Também é difícil separar de maneira econômica o neodímio do praseodímio, por isso a empresa utiliza o óxido de didímio. “Construímos uma unidade semi-industrial para a produção de sulfato duplo com capacidade para 3 mil toneladas por ano”, explica Carneiro. Além disso, a CBMM também construiu uma unidade-piloto para separar quatro produtos de terras-raras a partir do sulfato duplo por meio da tecnologia de extração por solventes. O resultado é a obtenção de óxidos de cério, lantânio, didímio e, do outro lado, o restante das terras-raras. A concentração do didímio representa de 15% a 20% do total de terras-raras na monazita.
“Foram gastos R$ 80 milhões nessa linha de separação”, diz Carneiro. A empresa é controlada pelo grupo Moreira Salles em 70%. Os 30% restantes são consórcios de empresas chinesas, japonesas e coreanas. “Esperamos chegar à liga didímio-ferro-boro”, diz Carneiro. “Depois, certamente precisaremos nos unir a empresas que trabalham na área de produção de ligas e ímãs. Estamos investindo no conhecimento, mas na hora de fazer negócio precisaremos de outros parceiros.”
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