Há mais de 50 anos no Brasil com atuação nos setores de petróleo e gás natural, lubrificantes e combustíveis de aviação, a BP tem investido desde 2008, por meio da BP Biocombustíveis, em combustíveis renováveis com foco na primeira geração de etanol, em que a sacarose da cana-de-açúcar é fermentada para a produção do álcool. Para isso ela firmou colaborações com entidades de pesquisa e fomento. “O caminho natural é financiar pesquisas em centros bem estabelecidos”, diz Wesley Ambrósio, de 43 anos, diretor de tecnologia da BP Biocombustíveis, com sede na capital paulista. Em abril deste ano, por exemplo, a BP e a FAPESP anunciaram um acordo para o financiamento de projetos de pesquisa em temas relacionados à bioenergia em associação com universidades e institutos de pesquisa no estado de São Paulo. O acordo prevê um investimento de até US$ 50 milhões, divididos igualmente entre as duas partes, por um período de até 10 anos. “O programa com a FAPESP é o primeiro de desenvolvimento nosso com entidades externas para tentar cobrir todo o leque de pesquisa, desenvolvimento e aplicação para o etanol”, ressalta Ambrósio, engenheiro químico com graduação e mestrado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pós-graduação em administração na Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Em outubro, um novo acordo foi firmado pela BP com o Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), em Campinas, para desenvolvimento de um processo de fermentação do caldo de cana para elevar seu teor alcoólico antes de passar pela destilação. A média brasileira de teor alcoólico do caldo nessa etapa é de apenas 9% do volume total, o que resulta em um grande volume de vinhaça (efluente líquido resultante do processo de produção do etanol). Os participantes investirão US$ 2 milhões no projeto, divididos igualmente, durante dois anos.
“Entendemos que existem grandes oportunidades na primeira geração, que englobam desde a produção agrícola, começando com a escolha de variedades de cana adequadas às novas fronteiras produtivas, o desenvolvimento de novas tecnologias para plantio e colheita e o uso de geotecnologia, até a parte industrial, com extração e tratamento do caldo e sua conversão final em produtos como etanol, açúcar e eletricidade”, diz Ambrósio. Ele lidera uma equipe de 12 pesquisadores, composta principalmente por engenheiros e biólogos, contratada para dar início aos projetos. “A nossa ideia é aproveitar as oportunidades na primeira geração para ficarmos mais bem posicionados para a segunda geração, a do etanol celulósico”, ressalta o diretor de tecnologia que trabalhou ao longo de sua carreira principalmente na indústria química, mas também nas áreas de petróleo e de construção naval.
A BP tem cerca de 90 mil funcionários e presença em mais de 30 países. Em 2011, sua receita líquida global foi de US$ 375,5 bilhões. No Brasil, conta com cerca de 5 mil funcionários. Em 2011, a BP Biocombustíveis moeu 4,5 milhões de toneladas de cana. “Estamos com três usinas em operação no Brasil, duas em Goiás e uma em Minas Gerais, e metas de crescimento até 2020 que passam pela duplicação das unidades hoje existentes e na construção de outras, com tecnologias que proporcionem maior eficiência e rentabilidade”, diz o pesquisador Daniel Atala, 38 anos, um dos integrantes da equipe de tecnologia da BP Biocombustíveis e especialista em processos industriais. Graduado em engenharia de alimentos pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande (Furg), Atala fez mestrado e doutorado na mesma área e pós-doutorado em engenharia química, todos na Unicamp com bolsas da FAPESP.
Na sua tese de doutorado defendeu uma nova técnica de fermentação extrativa para o etanol, que resultou em um pedido de patente e o Prêmio Jovem Cientista concedido pela Fundação Bunge em 2007 na área de agroenergia. O método proposto considera que, em condições normais, o processo de fermentação sofre forte inibição pelo etanol produzido, o que faz com que a levedura utilizada reduza a sua atividade metabólica e perca a sua força fermentativa. Pelo novo processo, que se dá em um ambiente de baixa pressão (vácuo), onde a evaporação ocorre à temperatura ambiente (em torno de 33ºC), o etanol é retirado do meio antes que exerça influência no desempenho da levedura. “A remoção do etanol do meio de cultura à medida que vai sendo produzido torna a levedura mais produtiva”, diz Atala.
Durante seu pós-doutorado, o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), em Piracicaba, no interior paulista, se interessou em desenvolver a tecnologia em escala semi-industrial. Atala foi contratado em 2006 como pesquisador na área de produção de álcool, onde construiu uma planta-piloto de fermentação extrativa a vácuo e ficou até julho do ano passado, quando saiu para integrar o grupo de pesquisa da BP Biocombustíveis. “Os avanços tecnológicos aplicados ao processo de primeira geração podem estabelecer um novo padrão de produção no setor”, diz. Para o pesquisador, o diferencial da BP no cenário atual – “em que as tecnologias usadas hoje são basicamente as mesmas de 30 anos atrás, com pequenas modificações” – é que ela tem vários centros de desenvolvimento tecnológico espalhados pelo mundo.
Interação internacional
Em um desses centros, instalado em San Diego, nos Estados Unidos, por exemplo, pesquisadores se dedicam a produzir inovações para o setor de biocombustíveis, mas com foco no etanol de segunda geração, o lignocelulósico, feito a partir de biomassas residuais como o bagaço e a palha da cana. “Existe muita interação entre a equipe brasileira e a que está em San Diego”, relata Ambrósio, que se reporta diretamente ao vice-presidente de tecnologia da mundial BP Biofuels, Tom Campbell.
A empresa anunciou investimentos de US$ 500 milhões durante 10 anos em pesquisas feitas pelo Energy Biosciences Institute (EBI) para desenvolvimento de energias renováveis a partir da biotecnologia – iniciativa liderada pela Universidade de Berkeley, na Califórnia, em parceria com a Universidade de Illinois, ambas nos Estados Unidos. O EBI tem como objetivo investigar a aplicação da biotecnologia em áreas como a de combustíveis celulósicos, microbiologia do petróleo, biolubrificantes e biossequestro de carbono. “São três os principais critérios que a BP considera importantes para biocombustíveis: que sejam de baixo carbono, de baixo custo e de larga escala. A soma desses elementos resultará no quarto, um biocombustível sustentável”, diz Ambrósio. O etanol de cana é um combustível que atende a esses quatro critérios.
Em parceria com a DuPont, a BP constituiu uma joint venture chamada Butamax Advanced Biofuels, que inaugurou em 2010 seu primeiro laboratório na América Latina dedicado à pesquisa e desenvolvimento do biobutanol a partir da cana, um novo combustível renovável para ser adicionado à gasolina. O laboratório fica em Paulínia, a 18 quilômetros de Campinas, no interior paulista. A expectativa é atingir a produção de 7,6 bilhões de litros até 2020, que seriam destinados principalmente para os Estados Unidos e Europa, mercados com regulamentações que estabeleceram metas de consumo mínimo de biocombustíveis para reduzir níveis de emissão de gases de efeito estufa, além da Ásia.
No mercado norte-americano, onde o biobutanol está previsto para começar a ser produzido em escala comercial a partir de 2013 em uma usina no estado de Minnesota, o produto será feito a partir do milho. Segundo a empresa, a vantagem do biobutanol em relação a outros tipos de combustíveis renováveis, incluindo o etanol, é o seu conteúdo energético. Enquanto o etanol tem dois carbonos na sua cadeia molecular, ele tem quatro, o que lhe confere maior energia por unidade de volume. A BP tem ainda uma linha de pesquisa em colaboração com o grupo holandês de alimentos e produtos químicos DSM, nos Estados Unidos, para produção de biodiesel a partir da cana-de-açúcar.
Marco Souza, de 55 anos, também faz parte do grupo de pesquisa da BP como responsável pela otimização da fermentação industrial, área em que trabalha desde que terminou a graduação em biologia médica pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC), há 32 anos. Assim que se formou foi contratado por uma usina em Guariba, a 64 quilômetros de Ribeirão Preto, no interior paulista, onde, em colaboração com a Copersucar, montou um laboratório para estudar os processos de contaminação industrial em todas as etapas da produção – colheita da cana, moagem e fabricação de produtos. Tanto no mestrado como no doutorado em microbiologia na Unesp de Jaboticabal ele pesquisou os contaminantes nos processos de fermentação.
Efeito prejudicial
“Na presença de contaminantes, o fermento sofre um efeito danoso para a produção de etanol”, diz. Souza também trabalhou no CTC durante quatro anos e desde maio de 2011 está na BP: “O nosso principal projeto consiste em monitorar a fermentação em tempo real, por meio de tecnologias e instrumentos utilizados em outras indústrias, como a química”. Até pouco tempo atrás a fermentação era vista como uma caixa-preta, segundo Souza. Ou seja, o início do processo começava com determinada quantidade de açúcar e na saída não havia o equivalente em etanol, em decorrência de perdas do processo e da dificuldade de medição inerente às tecnologias normalmente utilizadas.
A má eficiência no processo não está relacionada somente à instalação industrial, mas também à parte fisiológica e cinética (velocidade) da levedura que vai transformar o açúcar em etanol. A velocidade no processo de transformação depende de enzimas produzidas, da condição nutricional da levedura e da qualidade da matéria-prima. Quando a fermentação é bem controlada, há um ganho no processamento da matéria-prima e na própria destilação. Durante a fermentação, em função de impurezas provenientes do caldo da cana, além do etanol alguns outros alcoóis e produtos secundários são produzidos pela levedura por vias metabólicas alternativas. “Diminuindo os produtos secundários, há uma melhora na fabricação do etanol”, diz Souza. Além de ganhar em eficiência, o produto obtido tem melhor qualidade para disputar o mercado.
Na ponta inicial da produção do etanol, que começa no campo, a equipe de tecnologia conta com o apoio do pesquisador Caio Fortes, de 33 anos, engenheiro agrônomo graduado pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) em Araras, com mestrado e doutorado na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da USP, em Piracicaba. “Cuido de variedades de cana, pesquisas em matérias-primas alternativas como o sorgo sacarino, da parte de manejo de solos, de melhores práticas agrícolas, maquinário e irrigação”, diz Fortes, que trabalhou nas usinas Cocal e Grupo São Martinho e no CTC como pesquisador durante quatro anos. Na sua passagem pelo Grupo São Martinho, onde atuou como coordenador de qualidade agrícola e planejamento industrial, iniciou seu doutorado no Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP, encerrado em 2010, onde estudou adubação nitrogenada e manejo de palhada de cana colhida sem queimar. Desde 2008 está na BP, onde começou no grupo de prospecção de negócios, com a análise de potenciais oportunidades de negócios para aquisições.
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