Um grupo de pesquisa em óptica liderado por Vanderlei Salvador Bagnato, professor do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da Universidade de São Paulo (USP), vem se destacando pela capacidade de atrair estudantes de pós-graduação do exterior. Atualmente ele conta com quatro estudantes de países latinos, sendo três da Colômbia e um do México, e dois oriundos da Alemanha, que se integraram às linhas de investigação do Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica de São Carlos (Cepof), um dos 11 Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) da FAPESP, coordenado por Bagnato. Segundo o professor, o grupo tem se empenhado em divulgar lá fora seu programa de pós-graduação. Um exemplo disso é a participação do Instituto de Física de São Carlos no exame unificado de pós-graduações em física, que é aplicado em vários países (ver quadro). “Trata-se de uma evolução na seleção de alunos. O exame seleciona os melhores e já tem gente esperando para ser nosso estudante. Isso é fantástico”, afirma Bagnato.
Mas ele observa que a inserção internacional de seu grupo dá lastro ao interesse dos estudantes estrangeiros. “Dou muitas palestras e publicamos um número elevado de artigos em revistas de impacto. Com isso, grande número de pessoas nos procura”, afirma. “Mostramos aos estrangeiros que temos feito no Brasil uma ciência equivalente à dos países considerados maduros. Isso é importante, pois eles se sentem em condições de fazer o mesmo em seus países quando retornam. E alguns, de extrema boa qualidade, acabam ficando em nosso país.”
O grupo de Bagnato tem dado contribuições científico-tecnológicas relevantes à área de óptica. Em pesquisa básica, dentro do laboratório de física atômica e molecular, o grupo foi pioneiro mundial em colocar simultaneamente na mesma armadilha átomos de espécies distintas. “Isso deu origem a vários programas de pesquisas em diversos países”, diz Bagnato. Essa linha de pesquisa se relaciona ao chamado Condensado de Bose-Einstein, nome dado a um agrupamento de átomos (ou moléculas) que, quando resfriados de forma intensa, passam a se comportar como uma entidade única. Em maio passado, Bagnato ganhou o Prêmio CBPF de Física de 2010, graças a um trabalho publicado na Physical Review Letters que demonstrou pela primeira vez o fenômeno de turbulência em um Condensado de Bose-Einstein e revelou as condições em que tal turbulência pode ser investigada. No experimento os físicos mantiveram uma nuvem contendo entre 100 mil e 200 mil átomos do elemento químico rubídio aprisionada por campos magnéticos em um espaço dezenas de vezes menor do que a cabeça de um alfinete e resfriada a uma temperatura bem próxima do zero absoluto (-273,15 graus Celsius). Nessas condições, os átomos de rubídio alcançam o menor nível de energia possível, praticamente param de se movimentar e passam a se comportar como se fossem um único superátomo, com a dimensão total da nuvem. Por sua importância, o artigo foi comentado pelos físicos Natalia Berloff, da Universidade de Cambridge, Inglaterra, e Boris Svistunov, da Universidade de Massachusetts, Estados Unidos, na seção viewpoint da Physics, da Sociedade Americana de Física. Já no âmbito das pesquisas aplicadas, foram realizados vários desenvolvimentos tecnológicos que levaram à implantação de cinco indústrias na área de óptica. “Também com relação a aplicações de laser em medicina e odontologia nossos trabalhos têm permitido a implantação de técnicas terapêuticas contra o câncer, bioestimulação e uso de laser de potência em preparos de cavidades”, diz Bagnato.
Elo antigo
A vinda de estudantes da Alemanha resulta de uma colaboração entre o Cepof e a Universidade de Tübingen. O físico alemão Philippe Wilhelm Courteille, contratado como professor doutor no IFSC, lecionou em Tübingen até 2009. Ele tem um elo antigo com o Brasil: um de seus cinco pós-doutoramentos foi feito em São Carlos, com bolsa da FAPESP, entre 1999 e 2000. Hoje Courteille orienta alunos nos dois países. Um deles, Dominik Vogel, está em São Carlos desde agosto para concluir a tese que conferirá o grau de mestre na Alemanha, com bolsa do Daad, agência alemã de intercâmbio. Seu tema é a estabilização de frequência de um laser de diodo para operar uma armadilha para criar condensados de Bose-Einstein de estrôncio. Não é a primeira vez que Vogel busca experiência internacional. Em 2006 passou um ano na Universidade de Guadalajara, no México. “Lá não havia muita pesquisa em comparação com Tübingen e fiquei receoso de que isso pudesse acontecer no Brasil. Agora, depois de um mês trabalhando aqui, não me arrependo da decisão. O grupo é multicultural e a qualidade da investigação parece-me muito alta. Não tenho dúvidas de que poderei fazer minha tese aqui com a mesma qualidade que teria na Alemanha”, afirma.
Vanderlei Bagnato destaca a determinação dos estudantes estrangeiros. “Um indicativo da disposição é que eles deixaram seus países e procuraram outros lugares para se aperfeiçoar. Eles normalmente toleram mais o estresse exigido na pós-graduação”, diz o professor. O colombiano Andrés David Rodríguez Salas graduou-se neste ano na Universidad del Atlántico, em Barranquilla, e conseguiu ingressar no programa de mestrado em física do IFSC, com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). A opção pela USP foi natural. “Procurava uma oportunidade de completar minha formação acadêmica e realizar pesquisas em temas atuais e de impacto. A USP é a melhor universidade do Brasil e a melhor da América Latina. E aqui no IFSC há excelentes professores e laboratórios equipados com tecnologia de ponta, além de ser possível participar de projetos de grande impacto mundial”, afirma. Na Colômbia, ressalta, isso seria mais difícil. “Estudar no meu país, na maioria das vezes, significa investir uma grande quantidade de dinheiro num curso de pós-graduação e não receber uma educação completa. Lá não existem programas de bolsas. O que há, na melhor das hipóteses, são auxílios que ajudam a pagar os estudos exigindo em troca dos estudantes que cumpram uma carga de aulas”, diz.
O também colombiano Freddy Jackson Poveda Cuevas, que está fazendo doutorado no IFSC, foi estimulado a estudar no Brasil por um professor do curso de física da Universidad Pedagógica y Tecnológica de Colombia, onde se graduou. “Esse professor havia feito mestrado, doutorado e pós-doutorado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e me falou que o Brasil era um excelente país para estudar porque tinha bolsas e seria culturalmente rico para minha formação”, afirma. “Então decidi me candidatar, mas não para a USP porque nesse momento não tinha exame unificado. Enviei os meus documentos para o Instituto de Física Teórica da Unesp e concluí meu mestrado lá em março de 2009. Agora, no doutorado, procurei a USP”, afirma.
Um dos alunos estrangeiros de Bagnato tem bolsa da FAPESP. O professor orienta, desde 2006, o doutorado direto do físico mexicano Jorge Amin Seman Harutinian, num projeto intitulado “Experimentos com magnetismo quântico numa amostra de átomos frios Bose-condensados”. O artigo de Bagnato na Physical Review Letters que trata do fenômeno da turbulência tem Harutinian como coautor. Ele se graduou na Universidade Nacional Autônoma do México (Unam), a melhor do país, mas optou por fazer doutorado no Brasil depois de aconselhar-se com o professor Victor Romero, do Instituto de Física da Unam, que mantém colaboração com Bagnato. “O Brasil é um país latino-americano com problemas muito similares aos encontrados no México. No entanto, nos últimos anos, o governo brasileiro, tanto o federal quanto o estadual, vem implementando políticas que favorecem o desenvolvimento científico e tecnológico do país. Ao mesmo tempo, os cientistas brasileiros estão fazendo um esforço enorme para produzir mais e melhor. Então para mim ficou claro que no Brasil não só poderia aprender física, mas também fazer ciência experimental de qualidade em um país semelhante ao meu”, afirma. O estudante ressalta a importância da bolsa que recebe da FAPESP, no valor de R$ 2.541,30 mensais. “Considero a FAPESP uma das melhores instituições de financiamento à pesquisa que existem. A bolsa é mais que suficiente para viver bem, principalmente numa cidade pequena como São Carlos. A oportunidade de ter uma reserva técnica tão generosa para mim foi incrível”, afirma.
Boas cabeças
Para Vanderlei Bagnato, o apoio das agências de fomento tem sido fundamental para a estratégia de internacionalização de seu grupo. “As bolsas, os recursos para os projetos, a infraestrutura criada, a possibilidade de comprar equipamentos modernos para seguir o ritmo da ciência mundial, tudo isso só é possível com o apoio das agências. Em São Paulo, a FAPESP tem nos permitido ser um pouco mais ousados, realizando uma ciência de base, que exige investimento e tempo.” Segundo ele, são exatamente essas características que atraem os estrangeiros. “O aluno quer fazer pós-graduação nos Estados Unidos ou na Alemanha por saber que lá encontrará gente fazendo coisas significativas para a ciência e com condições técnicas para trabalhar. Esta condição essencial, a FAPESP tem permitido fazer aqui no estado de São Paulo, onde a chamada física de fronteira é uma realidade. Esta física alimenta o espírito dos jovens que querem entrar na carreira científica”, afirma. Bagnato ressalta que os valores das bolsas oferecidas no país são bastante atraentes. “Hoje as bolsas da FAPESP estão entre as melhores do mundo. Esse ingrediente nós já temos. Precisamos agora ter de nos atrever com a ciência e com os temas para atrair as boas cabeças de todo o mundo”, afirma.
A intenção do IFSC é ampliar ainda mais o contingente de estudantes e pesquisadores estrangeiros. Em abril de 2011, Vanderlei Bagnato vai coordenar a Escola Avançada Desafios Modernos com Matéria Quântica: Átomos e Moléculas Frias, financiada pela FAPESP numa modalidade de apoio que busca aumentar a exposição internacional de áreas de pesquisa de São Paulo já competitivas mundialmente. Além de discutir um tema emergente, o que se busca, segundo Bagnato, é atrair bons alunos do exterior e de outros estados para atuar em São Paulo. Como acontece em todas as Escolas Avançadas, a metade dos alunos convidados virá de outros países e a ambição do programa é que parte deles se candidate a bolsas de pós-doutoramento no Brasil. No rol de atividades, os participantes conhecerão laboratórios de universidades paulistas, como a USP e a Unicamp. “Ciência não tem nacionalidade nem território. Se quisermos fazer ciência, temos de contar com todos. Foi dessa forma que grandes nações criaram seu talento científico, contando com as melhores cabeças do mundo e não apenas de sua vizinhança”, diz o professor. “Saímos ganhando de várias maneiras: temos as melhores cabeças trabalhando para o país, colocamos nossa cultura no cotidiano dessas pessoas, tornamos nossa produção tecnológica disponível a todos. Quando esses alunos voltam aos seus países, levam consigo o Brasil e deixam aqui um pouco de seu talento, de sua juventude. Isso tudo nos enriquece como nação séria em ciência”, afirma.
Alunos estrangeiros na pós-graduação
Física cria exame unificado e traz estudantes de fora
A ideia era criar uma ferramenta capaz de identificar os melhores alunos, pois nem sempre a seleção através de currículos garante qualidade. “Quando a maioria dos candidatos eram os nossos próprios alunos, o histórico escolar bastava, mas hoje mais da metade deles vem de outros lugares do país e de outros países”, diz Carmen Prado, coordenadora do programa de pós-graduação do Instituto de Física da USP. Outro objetivo era facilitar a vida dos candidatos, que antes tinham de prestar exames em várias instituições. O expediente revelou-se eficiente, ainda, para incentivar a internacionalização dos programas, já que a prova, em inglês ou em português, é aplicada em vários pontos do Brasil e em países como Peru, Uruguai, Cuba, Colômbia, Costa Rica e México. “No início tínhamos 10 candidatos do exterior, entre 200 inscritos. Agora já são cerca de 100 entre 550 inscritos”, diz Tito Bonagamba, coordenador de pós-graduação do Instituto de Física de São Carlos, da USP.
Os candidatos estrangeiros podem inscrever-se normalmente pela internet, competindo de igual para igual com estudantes brasileiros. Como vários professores dos programas têm colaborações com instituições da Europa, dos Estados Unidos e da Ásia, foi proposto a eles que estimulassem também a participação dos alunos das universidades com quem mantêm contato. Por conta disso, as provas já foram aplicadas nos Estados Unidos, Alemanha, Rússia e Paquistão. Os estudantes de fora da América Latina, até o momento, precisam da anuência de um orientador brasileiro para se inscrever, o que não é exigência na Unicamp, onde há uma brecha para um estudante bem colocado na prova vir para o Brasil e procurar o orientador aqui. “Cada instituição tem autonomia para utilizar as notas do exame, que são avaliadas junto a outros critérios”, diz Kleiman, da Unicamp. Carmen Prado, da USP, diz que os organizadores da prova ainda não sabem se seria conveniente ter um processo seletivo mundial. “Não temos estrutura para ampliar a seleção e queremos preservar bolsas para os bons alunos brasileiros”, diz ela, referindo-se à possibilidade, por exemplo, de uma grande quantidade de alunos da Índia ou da China interessar-se em vir para o Brasil.
Esta é a terceira reportagem de uma série sobre a internacionalização da pesquisa científica em São Paulo. Veja as outras reportagens da série:
Atração de talentos
A preparação do salto
Babel de vidro
Interesse em diversidade
Qualidade e experiência
Sinapses sem fronteiras