Cerca de 1,2 mil atropelamentos de animais silvestres e domésticos foram registrados no ano passado nos 6,9 mil quilômetros (km) de rodovias paulistas privatizadas, segundo dados da Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp). Considerando toda a malha viária estadual, composta por 35 mil km de vias asfaltadas, 4% dos acidentes são causados por colisões com bichos, algumas delas fatais para os ocupantes dos veículos. Não existem dados disponíveis do problema em nível nacional, mas uma estimativa do Centro Brasileiro de Estudos em Ecologia de Estradas (CBEE), da Universidade Federal de Lavras (Ufla), elaborada a partir da análise de 14 estudos científicos com registros de mortes em diversos biomas, aponta que 5 milhões de animais de grande porte, como capivaras, onças, macacos e lobos-guará, são mortos anualmente em rodovias e estradas do país.
Para reduzir a mortandade de animais e tornar as rodovias mais seguras, concessionárias e órgãos públicos do setor rodoviário adotam há algum tempo soluções para diminuir o problema, como a instalação de cercas ou barreiras nas margens das pistas e a construção de passagens subterrâneas para a fauna. Outra possibilidade recente são as tecnologias antiatropelamento. Uma dessas soluções foi formulada pela consultoria ambiental paulistana ViaFauna e ganhou o nome de Passa-Bicho, um sistema de detecção animal baseado em um conjunto de sensores posicionados em pontos da rodovia com alta presença de animais. Por meio de luzes de advertência ou mensagens em painéis, o sistema alertará motoristas sobre a existência de bichos na pista (ver infográfico).
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A bióloga Fernanda Abra, da ViaFauna, segura uma jaritataca, conhecida popularmente como gambá, atropelada na estrada que corta o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás
viafauna/divulgaçãoEspecializada em estudos e manejo de fauna em rodovias, ferrovias e aeroportos, a ViaFauna já tem um protótipo funcional do Passa-Bicho, capaz de detectar animais silvestres e domésticos a partir de 3 quilos. A empresa deve iniciar nos próximos meses testes em campo para refinar a tecnologia. “Nossa meta é ter um modelo comercial até 2019. Os atropelamentos em rodovias são um dos principais fatores de redução da população de animais silvestres no mundo. No caso do Brasil, estamos falando de espécies ameaçadas de extinção, como lobo-guará, onça-parda e tamanduá-bandeira”, diz a bióloga Fernanda Delborgo Abra, uma das sócias da startup juntamente com as também biólogas Mariane Rodrigues Biz Silva e Paula Ribeiro Prist. O sistema, abastecido por energia solar, foi desenvolvido em parceria com a Trapa Câmera, empresa especializada na fabricação de equipamentos eletrônicos para conservação da fauna, como câmeras para filmagem de animais na mata.
Podcast: Fernanda Abra
Embora ainda não esteja pronto, o Passa-Bicho desperta interesse do mercado. “Queremos fazer um teste-piloto em uma de nossas rodovias com grande presença de animais”, afirma Luciano Louzane, diretor-superintendente das concessionárias Centrovias e Intervias, que administram cerca de 600 km de rodovias no estado de São Paulo. “Os atropelamentos de animais são um problema sério. Em determinado trecho de uma de nossas rodovias já foram registradas 700 ocorrências envolvendo capivaras. Além da perda de biodiversidade, as colisões afetam a operação da malha viária, geram perdas materiais e colocam em risco a vida do motorista e ocupantes dos veículos.”
Sistemas como o desenvolvido pela ViaFauna são inéditos no Brasil, mas já funcionam no Canadá, nos Estados Unidos, na Holanda, na Finlândia e na Suíça. “Esse tipo de tecnologia reduz em até 90% os atropelamentos nos locais onde é adotado. Além de poder ser instalado em qualquer ponto da rodovia, o sistema apresenta alta eficiência em comparação com outras medidas para diminuir os atropelamentos, como passagens de fauna, cercas, muros de concreto e placas de sinalização de travessia de animais”, destaca Fernanda Abra. Segundo ela, o Passa-Bicho também poderá ajudar os especialistas em ecologia de rodovias. “Um dos maiores gargalos desse campo de pesquisa é saber quantos animais atravessam a rodovia com sucesso. Hoje, só temos dados sobre os animais que morrem na pista.”
Urubu safe
Para o oceanógrafo Alex Bager, coordenador do CBEE e professor de ecologia da Ufla, tecnologias de detecção animal como o Passa-Bicho podem tornar as rodovias brasileiras mais seguras, mas para isso é preciso atentar para uma questão: o local onde ela vai ser instalada. “A tomada de decisão sobre o ponto preciso em que o sistema vai ser implantado é crucial para o seu sucesso. É preciso identificar os chamados hotspots, que são os lugares críticos de atropelamento”, alerta.
A fim de ajudar nesse mapeamento, o CBEE desenvolveu um aplicativo gratuito para telefone celular capaz de reunir informações sobre a mortalidade de animais nas estradas. Batizado de Sistema Urubu, ele coleta dados de atropelamentos fornecidos por motoristas, pesquisadores, concessionárias e órgãos governamentais. “O Sistema Urubu é uma grande rede social de conservação da biodiversidade. Quase 22 mil pessoas já baixaram o aplicativo e participam da iniciativa, registrando a ocorrência de acidentes com animais silvestres”, relata Bager. Para participar, o usuário só precisa fotografar o animal atropelado e enviar a imagem, via aplicativo, para os pesquisadores do CBEE.
Com base nos dados do Sistema Urubu, a startup UpgradeX, que funciona na Incubadora de Empresas de Base Tecnológica da Ufla, criou um aplicativo de segurança viária, o Urubu Safe, para modelar o risco de ocorrência de uma colisão com animais em toda a malha viária brasileira. “A probabilidade se baseia em registros efetivos de acidentes e considera parâmetros como estação do ano, sazonalidade do tráfego, entre outros”, destaca Bager, um dos sócios da UpgradeX. “Com o aplicativo, o motorista terá a informação da probabilidade do acidente a cada quilômetro da rodovia e poderá ficar alerta nos pontos críticos.” A UpgradeX pretende negociar o aplicativo com concessionárias rodoviárias, empresas de logística e usuários de rodovia.
Monitoramento nos trilhos Concessionária cria aplicativo para prevenir acidentes com bichos em linhas férreasColisões com animais também afetam o setor ferroviário, embora não existam estatísticas que mostrem a dimensão do problema em linhas férreas. Em maio deste ano, a Rumo, concessionária que administra 12 mil km de malha ferroviária do país, inclusive os trechos para os portos de Santos (SP) e Paranaguá (PR), adotou uma nova medida para prevenir o choque das locomotivas com animais.
Com a mesma lógica de funcionamento do Sistema Urubu, a ferramenta Alerta Atropelei um Animal permite o registro em tempo real dos atropelamentos. Ela fica hospedada no aplicativo Chave na Mão, já usado pelos maquinistas da Rumo para a comunicação de eventos ocorridos na linha férrea. Ao perceber que um bicho foi atropelado, o maquinista aciona o botão de alerta e a informação sobre o local e a hora do evento é repassada para o setor de licenciamento ambiental, que analisará o dado e buscará soluções para prevenir novas ocorrências, como a construção de cercas nas margens da ferrovia ou de túneis sob os trilhos.
“Como o Alerta Atropelei um Animal foi implantado há poucos meses, os dados coletados ainda não são suficientes para análises. As primeiras estatísticas devem estar disponíveis no fim do ano”, informa Stefani Gabrieli Age, coordenadora do setor de licenciamento ambiental da Rumo. Outra medida adotada pela empresa para lidar com o problema foi a construção de passagens subterrâneas para animais. Segundo Stefani, as câmeras instaladas nos 70 túneis em operação na Malha Norte da Rumo, que vai de Rondonópolis (MT) a Aparecida do Taboado (MS), flagraram 4.573 animais em circulação entre 2014 e 2016.
Projeto
Desenvolvimento de Sistema de Detecção Animal Antiatropelamento em Rodovias – “Passa Bicho” (nº 15/08607-7); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisadora responsável Fernanda Delborgo Abra (ViaFauna); Investimento R$ 143.904,61.
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