Em 1989, foi uma tempestade solar a causa do histórico apagão que atingiu o Canadá e os Estados Unidos. A interferência dos campos eletromagnéticos gerados pela chegada de partículas emitidas pelo Sol desligou as linhas de transmissão que operavam no limite. Apenas se suspeitava dessa possibilidade, já que o Sol apresenta fases de produção anormal de energia: a mais conhecida segue um ciclo de 11 anos. O sinal mais evidente desse fenômeno parece inofensivo – aumenta o número de manchas na superfície da estrela -, mas na verdade esse é o prenúncio de um rebuliço capaz de agitar o regime do clima espacial em todo o Sistema Solar.
Durante os anos seguintes, nessas manchas ocorrem explosões que fazem com que regiões localizadas na superfície do Sol fiquem mais brilhantes e algumas delas lancem ao espaço gigantescas nuvens – são as ejeções de massa coronal, às vezes com uma extensão superior ao diâmetro do próprio Sol, de 1,4 milhão de quilômetros. Lançadas à velocidade de 1 mil quilômetros por segundo, essas bolhas de partículas eletricamente carregadas fustigam os astros vizinhos. Se o bombardeio atinge a atmosfera terrestre de dois a três dias após a explosão, surge um espetáculo de cores que tinge as noites polares – as auroras boreais e austrais. Mas há também problemas. Dependendo da direção, da velocidade e da quantidade de partículas, as tempestades solares podem causar panes temporárias em satélites ou mesmo destruí-los. Depois da fase em que essa atividade é máxima – a mais recente ocorreu em 2001 -, o número de manchas no Sol diminui e as erupções brilhantes se tornam menos freqüentes.
Mas essa calmaria da estrela é apenas aparente, como revelam estudos coordenados pelo físico Pierre Kaufmann, do Centro de Radioastronomia e Astrofísica da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Utilizando um telescópio especial construído nos Andes argentinos e parcialmente financiado pelo Brasil, a equipe de Kaufmann detectou brevíssimos pulsos de radiação em comprimentos de onda submilimétricos, que ajudaram a caracterizar uma atividade ainda não identificada da estrela.
São lampejos tênues – com duração de 100 a 500 milésimos de segundo – que não podem ser captados pela maioria dos telescópios em Terra e no espaço por serem emitidos em um comprimento de onda muito curto, próximo ao das ondas de calor, mas cerca de mil vezes maiores que o da luz visível. Às vezes classificada como infravermelho distante, essa radiação tem comprimento de onda inferior ao milímetro e, por essa razão, é também conhecida como submilimétrica. “As antenas que captam esses comprimentos de onda geralmente não podem ser apontadas para o Sol sem serem danificadas, nem estão preparadas para detectar pulsos tão rápidos”, diz o pesquisador.
Recentemente, a equipe do físico paulista obteve dados mostrando que esses pulsos de luz precedem as gigantescas erupções solares, possível razão de alguns blecautes ocorridos na Terra que permanecem sem causa conhecida. Caso se demonstre a existência de um vínculo entre os incidentes no planeta e as tempestades solares mesmo fora dos picos de atividade da estrela, o estudo das ondas submilimétricas ganha importância pela possibilidade de explicar inclusive alterações no clima. Sabe-se que os ciclos da atividade solar influenciam a cobertura de nuvens no céu, interferindo nos regimes de estiagem e chuva em todo o planeta.
Por essa razão, o Comitê Científico de Física Solar Terrestre (Scostep), que integra a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), criou um programa internacional com o objetivo de compreender a influência do Sol no clima da Terra – além do fornecimento de energia na forma de luz e calor, é claro. Trata-se do Cawses (Climate, Weather and the Sun-Earth System), que estudará os fenômenos solares que afetam a indústria aeroespacial. Em 2000, um dos satélites Brasilsat foi danificado por partículas solares quando era colocado em órbita. “Com a melhor compreensão dos efeitos solares sobre a Terra”, diz o físico, “será possível evitar o lançamento de satélites em períodos mais vulneráveis e tornar mais confiável sua operação.”
O grupo coordenado pelo físico paulista só observou as ondas submilimétricas emitidas pelo Sol porque o equipamento instalado na Argentina – o Telescópio Solar para Ondas Submilimétricas (SST), em operação regular desde o ano passado no Complexo Astronômico El Leoncito – capta radiação eletromagnética em duas faixas do submilimétrico, correspondentes às freqüências de 212 gigahertz e 405 gigahertz. Após monitorar complexos de manchas solares com o SST entre março de 2000 e julho de 2002, os pesquisadores compararam esses dados com imagens coletadas por dois equipamentos do satélite Soho (sigla de Observatório Heliosférico Solar) no exato momento em que apareceram ejeções de massas solares, precedidas por seis seqüências de flashes submilimétricos ultra-rápidos. O objetivo era verificar qual seria a associação entre as ejeções de massa solar e as seqüências de pulsos submilimétricos, identificados pela primeira vez por Kaufmann três anos atrás e descritos em artigo publicado no Astrophysical Journal de fevereiro de 2001.
A surpresa veio quando a equipe do físico, formada por brasileiros, alemães, russos e argentinos, verificou que a série de pulsos sempre antecedia as gigantescas expulsões de massa pelo Sol, observadas pelo satélite Soho. As ejeções de massa coronal liberam até 1 mil vezes mais energia que as maiores explosões que ocorrem perto da superfície da estrela, a cromosfera, verificadas apenas poucas vezes em cada ciclo de 11 anos da atividade solar. São também muito mais freqüentes: a cada 11 anos ocorrem apenas duas ou três explosões gigantes acompanhadas de abrilhantamentos na cromosfera, enquanto há ejeções de massa coronal durante todo esse período.
Mistérios do Sol
Em alguns casos, a comparação entre os dados revelou algo ainda mais curioso. À seqüência de flashes seguiu-se a ejeção de massa coronal sem a marca típica desses fenômenos: o surgimento de áreas mais brilhantes – as explosões cromosféricas – sobre o Sol. Com base nessas observações, os pesquisadores publicaram em julho no Journal of Geophysical Research um artigo sugerindo que esses flashes estariam na origem das grandes ejeções de massa solares. “Ainda é misteriosa a origem desses pulsos”, diz Kaufmann. “Mas eles indicam um novo caminho para compreender os processos energéticos que ocorrem próximos à superfície do Sol e como eles contribuem para lançar as partículas rumo ao espaço.”
Descobertas no início dos anos 70, as ejeções de massa coronal só ganharam importância após o observatório Soho, que fica numa órbita intermediária entre a Terra e o Sol, registrar imagens do fenômeno que interfere no campo magnético do nosso planeta e mostrar que elas são mais freqüentes do que se acreditava. Já se sabe que ocorrem independentemente da fase de atividade da estrela. Se o Sol está muito ativo, elas são observadas dezenas de vezes por semana. Na fase de menor atividade, ocorrem dezenas de vezes a cada mês. Agora a equipe de Kaufmann busca dados estatísticos que relacionem as aleatórias ejeções de massa solar com fenômenos na Terra.
O Projeto
Aplicações do Telescópio Solar para Ondas Submilimétricas (nº 99/06126-7); Modalidade Projeto Temático; Coordenador Pierre Kaufmann – Universidade Presbiteriana Mackenzie; Investimento R$ 137.496,00 e US$ 83.061,06