Estudo coordenado por físicos brasileiros produziu indícios de que um tipo de interação quântica, ainda não comprovada, pode estar envolvido, em certas condições, no enorme ganho de energia responsável pelo surgimento dos chamados átomos de Rydberg. Essas estruturas são variantes superexcitadas e gigantes dos átomos tradicionais, com tamanho até mil vezes maior do que o padrão. Sua camada mais externa de elétrons está muito mais distante do núcleo atômico em comparação com seu estado normal. Os átomos de Rydberg são hipersensíveis à influência de campos elétricos e magnéticos e podem ser a base para o desenvolvimento de sensores mais precisos para aplicações na área de tecnologias quânticas, como computação e telecomunicação.
Em experimentos realizados no Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (IFSC-USP), os pesquisadores excitaram com um feixe de laser átomos de rubídio submetidos à ação de um campo eletromagnético na faixa das micro-ondas. O laser é composto de fótons, partículas de luz que representam a menor quantidade de energia que pode ser envolvida em uma interação, conceito denominado quantum. Ao se tornar mais energizados, os átomos de rubídio se expandiram de tamanho por ter entrado no estado de Rydberg. No processo, os físicos colheram evidências de que um mesmo fóton seria capaz de transferir energia para mais de um átomo de rubídio à medida que seus elétrons externos se excitam e o campo eletromagnético também poderia partilhar o mesmo quantum, o pacote mínimo de energia, com os átomos.
“Ainda precisamos de mais experimentos para confirmar essa questão”, diz o físico Luis Gustavo Marcassa, do IFSC, coordenador do estudo, cujos resultados foram publicados em dezembro de 2024 no periódico Physical Review A. “O que temos é uma evidência da quantização do campo eletromagnético, que se mistura com os átomos de Rydberg.” Um campo é chamado de quantizado quando deixa de ser descrito como ondas eletromagnéticas clássicas e passa a ser um conjunto de fótons, pacotes de energia.
As interações relatadas no artigo não podem ser descritas de maneira clássica, em que um fóton energiza um elétron, mas apenas de maneira quântica. “Vimos que dois átomos de rubídio podem dividir um mesmo fóton para fazer uma transição de energia [passar de um estado menos excitado para um mais energético, como o de Rydberg]”, diz o físico Jorge Massayuki Kondo, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), outro autor do estudo. “Isso nunca tinha sido observado antes.” Um terceiro brasileiro, Daniel Varela Magalhães, do IFSC, também assina o trabalho, que ainda tem quatro pesquisadores do exterior como coautores.
No experimento relatado no artigo, entre 10 e 100 milhões de átomos de rubídio foram colocados no vácuo de uma cavidade, onde foram submetidos a um feixe de laser e ao campo de micro-ondas. O laser diminui drasticamente o movimento das partículas, levando-as a temperaturas extremamente baixas, próximas do zero absoluto, pouco acima de -273 graus Celsius (°C). Em conjunto com uma configuração especial de campo magnético, ele forma uma espécie de buraco tridimensional no centro da cavidade e aprisiona nessa área cerca de 1% do total dos átomos, os mais frios. Conforme se excitam por ação do campo de micro-ondas, os átomos escapam da armadilha e deixam uma assinatura espectral que pode ser registrada e analisada. Para explicar os registros espectrais, os pesquisadores adaptaram – em colaboração com físicos do exterior – um modelo que descreve um sistema de um átomo transitando entre dois níveis de energia em interação com um campo quantizado.
“Eles criaram dentro do sistema átomo-cavidade uma excitação coletiva, uma mistura entre o estado atômico e o fotônico. Isso quer dizer que não se pode mais falar do estado atômico separado da luz da cavidade: há um estado emaranhado”, explica o físico Raul Celistrino Teixeira, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), que não participou do estudo. “Para mim, o aspecto mais interessante do trabalho é ver como o modelo proposto se ajusta bem aos dados do experimento”, comenta, em entrevista a Pesquisa FAPESP, o físico Hannes Bernien, da Universidade de Chicago, que trabalha com física quântica e átomos de Rydberg e também não teve envolvimento com os experimentos da equipe do IFSC.
Conceito do século XIX
Átomos mais energizados são conhecidos desde os anos 1880 e levam o nome do físico sueco Johannes Rydberg (1854‑1919), responsável pela fórmula matemática que descreve a excitação atômica. Esses átomos têm a camada mais externa (e energética) de elétrons elevada a órbitas muito mais distantes do núcleo em comparação com seu estado normal. Elétrons mais afastados são mais sensíveis a campos eletromagnéticos externos. Por isso, são importantes para o desenvolvimento de sensores quânticos. O átomo de rubídio tem 37 elétrons, mas apenas um deles está no nível mais externo, na camada de valência, que influencia a interação de um átomo com os demais (ver ilustrações). “Se um átomo em estado normal fosse uma bola de futebol, um átomo de Rydberg teria o tamanho de um estádio”, compara Marcassa.
Átomos de Rydberg vêm sendo produzidos em laboratório desde os anos 1970. No fim da década de 1980, câmaras de aprisionamento magneto-ótico permitiram o estudo de átomos excitados em interação com campos eletromagnéticos. Desde então, a pesquisa na área tem crescido e os primeiros produtos explorando essa variante agigantada dos átomos foram lançados. A alta sensibilidade de átomos de Rydberg vem sendo usada no desenvolvimento de emissores e receptores quânticos, peças-chave em futuras tecnologias de comunicação. “Os efeitos extremos observados no estudo de Marcassa podem levar a sensores mais sensíveis do que os atuais”, avalia o físico brasileiro Luis Felipe Gonçalves, pesquisador da empresa norte-americana Rydberg Technologies. A companhia, baseada no estado de Michigan, produz aparelhos de comunicação a longa distância por frequência de rádio baseados na manipulação de átomos de Rydberg.
A reportagem acima foi publicada com o título “Gigantes e sensíveis” na edição impressa nº 349 de fevereiro de 2025.
Projeto
Átomos de Rydberg interagindo com campos de micro-ondas (nº 21/06371-7); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Luis Marcassa (USP); Investimento R$ 145.756,68
Artigo científico
KONDO, J.D. M. et al. Multiphoton-dressed Rydberg excitations in a microwave cavity with ultracold Rb atoms. Physical Review A. 2 dez. 2024
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