O avanço da internet, aliado à proliferação de soluções smart em celulares e televisões, além da computação em nuvem, tem provocado um aumento significativo no tráfego de dados nos sistemas de transmissão. Um fenômeno mundial que exige das empresas de telecomunicações e operadoras das redes de comunicação um esforço em atualização e aumento da capacidade de transmissão em sistemas de fibras ópticas. Para funcionar, esses longos tubos com diâmetro semelhante a fios de cabelo que levam voz, dados, filmes e música por meio da luz de lasers entre um ponto e outro das redes, precisam de equipamentos cada vez mais sofisticados. São amplificadores, transmissores (lasers e moduladores) e receptores (fotodetectores) que tornam os sistemas rápidos e eficientes. Com o foco num mundo mais interligado por fibras ópticas, a Fundação Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), ex-centro de pesquisa da Telebras, desde 1998 uma entidade de direito privado instalada em Campinas, no interior paulista, vem desenvolvendo ao longo dos últimos anos uma série de tecnologias que resultaram na formação de uma nova empresa, a BrPhotonics. Ela pretende dar vazão às inovações do centro e suprir as necessidades brasileiras de dispositivos fotônicos e microeletrônicos para sistemas de comunicação óptica, além de buscar a exportação de seus futuros produtos que começam a ser produzidos no segundo semestre de 2015.
“O CPqD tem por definição a missão de pesquisa e desenvolvimento para o mercado. Somos um centro de pesquisa aplicada. Quando há mercado existente no país transferimos a tecnologia para a indústria. Quando o setor não apresenta opções no setor industrial, o CPqD cria uma empresa e transfere a tecnologia”, diz Júlio César Rodrigues Fernandes de Oliveira, indicado para ser o presidente da BrPhotonics. Ele deixa, aos 33 anos, o cargo de gerente de tecnologias ópticas da instituição onde ingressou como engenheiro em 2004. Desde 2007, ele comanda o grupo responsável pelo desenvolvimento dos dispositivos que serão produzidos pela nova empresa. As tecnologias criadas no CPqD já contribuíram para a formação, de forma direta ou indireta, de nove empresas. A BrPhotonics foi a mais recente. “Com a privatização, o centro transformou-se em uma fundação e, por não ser uma indústria, tomou a decisão estratégica de criar empresas como maneira de levar tecnologias para esse mercado exigente e de alta densidade tecnológica”, diz Claudio Violato, vice-presidente de Tecnologia do CPqD.
“No nosso segmento, a empresa de sistemas ópticos adquire peças dos fabricantes de dispositivos (fotônicos e microeletrônicos), monta os equipamentos e os fornece para o cliente, que não é o usuário final, mas sim a empresa de telecomunicações, como a Vivo, TIM, Oi e Telefônica, por exemplo”, diz Oliveira. A nova empresa surge para ser fornecedora de dispositivos como transmissores e receptores ópticos para serem integrados a equipamentos e sistemas ópticos que funcionam a taxas de transmissão de 100 gigabits por segundo (Gbps) até 1 terabit por segundo (Tbps). “Pretendemos colaborar para que a indústria nacional continue crescendo, evitando gargalos, e buscando também uma forte atuação no mercado global.” A principal indústria nacional no segmento de sistemas ópticos é a Padtec, outra empresa filhote do CPqD, instalada também na área do centro e vizinha da BrPhotonics.
A Padtec é a maior fabricante de equipamentos para comunicações ópticas do Brasil. Ela fornece sistemas para redes de telecomunicações ópticas de longa distância, redes metropolitanas, de acesso e armazenamento de dados. Atualmente, em média, 15% do faturamento anual da companhia, que atingiu R$ 400 milhões em 2013, é investido em pesquisa e desenvolvimento (ver em Pesquisa FAPESP nº 219). A empresa tem como concorrentes grandes empresas multinacionais como a Alcatel, na França, Cisco e Ciena, nos Estados Unidos, e Huawei, na China. “Todas elas compram módulos e dispositivos no mercado, integram uma plataforma e vendem para as operadoras. Essas grandes companhias internacionais também começaram a comprar empresas do setor de dispositivos para ter acesso exclusivo a eles. Isso faz com que indústrias menores tenham dificuldade em conseguir comprar componentes no mercado”, diz Oliveira
“Para nossos produtos serem adquiridos, mesmo que pela indústria nacional, primeiro eles serão detalhadamente avaliados. Se apresentarem o desempenho desejado e custo competitivo frente ao mercado global, eles estarão aptos para atingir o mercado”, explica Oliveira. “Se não for bom e não tiver preço competitivo, a indústria não vai comprar. É necessário ao menos empatar em custos e em desempenho.” O primeiro dispositivo da BrPhotonics, atualmente em evolução para a fase de amostras de engenharia, é um transmitter optical sub assembly (Tosa), que faz a transmissão óptica em 100 Gbps integrando laser e modulador óptico, capaz de gerar um significativo ganho na densidade de dados. Ele foi apresentado em sua fase de demonstração em março deste ano na Exposição e Conferência de Comunicações por Fibra Óptica (OFC, na sigla em inglês) em São Francisco, nos Estados Unidos.
Sócio internacional
A nova empresa visa desde o início de sua concepção também ao mercado global de componentes ópticos para média e longa distância e tem um faturamento anual de US$ 4 bilhões. “Queremos vender para qualquer empresa no mundo. Diferentemente do segmento de sistemas ópticos, que tem baixo volume e alto valor financeiro, na indústria de dispositivos temos um baixo preço e por isso precisamos de alto volume para manter a própria existência.” Para essa amplitude internacional, o CPqD foi buscar um sócio no exterior que tem uma cadeia de venda montada fora do Brasil.
A sociedade para a criação da BrPhotonics foi feita com a GigOptix, dos Estados Unidos, que fabrica dispositivos eletrônicos analógicos de alta frequência. “Chegamos à conclusão de que precisávamos de quatro conhecimentos importantes na nova empresa, que são o projeto e o empacotamento de chips fotônicos, eletrônica analógica de alta velocidade e microeletrônica. A GigOptix é forte em eletrônica analógica e o CPqD nos outros três.”
A empresa norte-americana também tem uma fábrica para produzir os moduladores poliméricos que serão utilizados nos dispositivos transmissores da BrPhotonics. Os equipamentos dessa unidade fabril estão sendo transferidos da cidade de Bothell, no estado de Washington, para Campinas. Com expressivo valor de mercado, a fábrica serviu como uma das contrapartidas financeiras para a formação da sociedade. Além disso, a GigOptix tem uma cadeia global de vendas, com representação na Ásia, Estados Unidos e Europa. “A vantagem dos norte-americanos é ganhar um grupo que tem três capacidades que eles não tinham. Todo esse conhecimento dentro de uma única empresa é um grande diferencial de mercado.” A composição acionária é de 51% do CPqD e 49% da GigOptix.
Patentes fotônicas
A fábrica que está sendo montada na BrPhotonics será capaz de produzir moduladores ópticos com a tecnologia de filme fino de polímero sobre silício (TFPS, na sigla em inglês), que tem a função de modular o sinal do laser a ser acoplado às fibras ópticas em distâncias de até 5 mil quilômetros (km). No acordo, a empresa norte-americana está transferindo 17 patentes para a BrPhotonics e o CPqD está licenciando sete patentes para a nova empresa. “Eles estão cedendo, o CPqD está licenciando porque a tecnologia foi gerada com dinheiro público do Funttel [Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações] e não é o dono das patentes, mas sim o gerador. O CPqD vai manter a BrPhotonics até a implantação da fábrica, que deve acontecer em fevereiro de 2015. “Hoje os acionistas estão buscando parcerias estratégicas de investimento para dar continuidade à evolução dos planos da empresa nos próximos anos”, diz Oliveira, que se formou em engenharia elétrica na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e fez mestrado e doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
A empresa já olha o futuro das transmissões ópticas no sentido de desenvolver as novas tecnologias para suprir a demanda crescente das transmissões ópticas. “Uma conexão com o Japão certamente passa por fibras ópticas e cada vez elas estão mais próximas da casa do usuário final. Porém a taxa de transmissão precisa ser continuamente ampliada para que se tenha acesso ao aumento de banda que estamos vivenciando. Dessa forma, começaremos a fabricar dispositivos para sistemas de 100 Gbps para serem instalados em equipamentos situados a médias e longas distâncias, de 600 km a 5 mil km até distâncias submarinas”, diz Oliveira. Como as operadoras exigem equipamentos cada vez menores, que gastem menos energia elétrica e possam ser instalados dentro das plataformas existentes nas centrais de telecomunicações, a BrPhotonics e outras empresas do mundo estão pesquisando a otimização dos dispositivos com a orientação do Optical Internetworking Forum (OIF), que estabelece padrões nas comunicações ópticas. “Hoje um módulo de transmissão óptica de 100 Gbps possui 12,7 centímetros (cm) por 17,78 cm. A versão de 100 Gbps do módulo que a BrPhotonics vai produzir possui 4,1 cm por 10,7 cm, ocupando uma área cinco vezes menor, e assim ampliando a densidade de dados com a possibilidade de um maior número de módulos na mesma plataforma.
Oliveira diz que o CPqD está preparando outros dispositivos relativos à comunicação óptica e o caminho é a transferência para a empresa. Entre os próximos passos, segundo Oliveira, estão a verticalização da produção dos dispositivos e a construção do próprio laser, hoje importado dos Estados Unidos e do Japão. A consolidação da BrPhotonics deve acontecer até o fim do ano, quando a fábrica ficará pronta e já estarão contratados 20 funcionários, sendo 17 em Campinas e três nos Estados Unidos, que vão cuidar da síntese do polímero.
Republicar