Nascido no estado americano de Montana, criado no Alasca e radicado na Universidade Nacional da Austrália desde 1996, o astrofísico Brian Schmidt ganhou o Nobel de Física em 2011, quando tinha 44 anos. Dividiu o prêmio com os colegas Saul Perlmutter, da Universidade da Califórnia em Berkeley, e Adam G. Riess, da Universidade Johns Hopkins e do Instituto de Ciência do Telescópio Espacial, por estudos que, de forma inesperada, mostraram a expansão acelerada do Universo. Schmidt e os outros laureados começaram a observar em fins dos anos 1990 estrelas distantes de uma certa categoria, as supernovas do tipo Ia, que resultam da explosão de anãs brancas, estrelas muito velhas e compactas. Os movimentos desse tipo de supernova podem ser usados para medir distâncias.
“A meu ver, era muito improvável que ganhássemos o Nobel”, diz o astrofísico, que esteve na Universidade de São Paulo (USP) no início de fevereiro para participar da conferência Cosmology, Large Scale Structure and First Objects, organizada pela Pró-Reitoria de Pesquisa da USP. “Porque ainda não entendemos realmente o que é a energia escura.” Nesta entrevista, Schmidt fala de seu trabalho e, claro, da misteriosa energia escura, que representaria 73% de todo o Cosmo e seria responsável por seu crescimento a um ritmo cada vez mais veloz.
Qual foi sua reação quando viu pela primeira vez que os dados indicavam uma expansão acelerada do Universo?
Achei que tínhamos cometido um erro. Depois de nos certificarmos de que não havia erros, comecei a me preocupar com a possibilidade de estar ocorrendo alguma coisa que não sabíamos. O Universo podia estar se acelerando ou nós, e todos os demais cientistas da área, podíamos não ter notado algum tipo de efeito. Tive de esperar. Então publicamos um paper e, no ano 2000, outras medições corroboraram nossos dados.
O senhor esperava ganhar o Nobel?
Há sempre muita especulação sobre o prêmio. Mas, a meu ver, era muito improvável que ganhássemos o Nobel.
Por quê?
Porque ainda não entendemos realmente o que é a energia escura. Todo mundo está de acordo que o Universo está em expansão acelerada. Mas por quê? Ainda não sabemos. Achei que eles iriam esperar [para dar o Nobel] quando soubéssemos o que é a energia escura. Mas talvez estejamos mortos quando isso acontecer. Diria que provavelmente estaremos mortos. Posso pensar em muitas razões para eles não nos darem o prêmio. Foi uma grande surpresa.
A energia escura é realmente o que há de mais misterioso no Universo?
O Universo parece ser composto por 73% de energia escura, que parece ser parte do espaço e fazer com que o Universo se expanda. Para entender a energia escura, é preciso entender por que ela faz parte do Universo. Ninguém até agora tem uma explicação razoável para isso. Há muitas explicações, mas nenhuma é melhor do que a outra. É uma confusão científica. A matéria escura, que é 23% do Universo, pode muito bem ser uma partícula que até agora ainda não encontramos. Se for uma partícula que podemos descobrir num acelerador, como o LHC, tudo se encaixa. Nada precisa mudar. Tudo será razoavelmente simples. Pode ser que essa não seja a solução, mas, por ora, parece ser uma explicação razoável para a matéria escura. No caso da energia escura, ainda não temos uma pista clara. Há 15 anos não sabíamos que estávamos deixando de ver 96% do Universo [as galáxias, estrelas, planetas representam só 4% do Cosmo].
Continuar a observar supernovas ajudará a descobrir o que é a energia escura?
Desde 1998 observamos milhares de objetos e sempre temos a mesma resposta, só que com uma precisão maior. Mas estamos chegando num ponto em que será difícil continuar a fazer mais progressos. As supernovas não são perfeitas. Estamos começando a ver que elas têm defeitos no que diz respeito a medir distâncias. Estamos chegando num ponto em que teremos de encontrar outros métodos para medir a energia escura.
É um problema de método ou de falta de tecnologia?
O problema não é a tecnologia. Quando medimos distâncias, usamos essas estrelas que explodem como se elas obedecessem a leis. Mas, em certa medida, elas não obedecem. São muito complicadas e têm uma certa imprecisão. É como prever o tempo. Há um limite de quão bem se consegue prever o tempo. Há aleatoriedade no Universo. É possível medir a distância das supernovas até um certo grau, independentemente do método que estamos usando. Mas estamos chegando ao limite dessas medições.
Qual é o projeto principal de pesquisa no momento?
É o SkyMapper, um telescópio relativamente modesto, de 1,35 metro [situado nos arredores de Sydney], que está fazendo um mapa de todo o céu do hemisfério Sul. Mapeamos as estrelas seis vezes em seis cores diferentes. Portanto, teremos 36 imagens de cada pedaço do céu. Será um mapa digital e as cores nos permitem obversar o que há em cada pedaço. Poderemos dizer, por exemplo, a distância, a temperatura e a composição química de cada estrela. Nossa esperança é localizar objetos interessantes, que poderão ser estudados em detalhe por telescópios maiores e, dessa forma, descobrir, por exemplo, como as primeiras estrelas da Via Láctea e do Universo se formaram.
Por que decidiu ser um astrônomo?
Sempre pensei em ser meteorologista. Trabalhei numa estação meteorológica no Alasca. Mas percebi que o trabalho não era tão interessante. Então pensei em astronomia. Achava que nunca iria conseguir um emprego na área, mas resolvi estudar assim mesmo. Sabia que, estudando astronomia, iria aprender física, computação e muitas habilidades e acabaria encontrando algum trabalho. Fiquei surpreso quando obtive um emprego em astronomia depois de formado. Foi ótimo.
Como começou a estudar a questão da expansão do Universo?
Era um pedaço da ciência que, internamente, me interessava. Qual é a idade do Universo? Qual será o seu destino? Era uma coisa muito incerta. Tive sorte de estar numa época em que a questão era interessante, as respostas eram desconhecidas e mudanças tecnológicas permitiram que tentássemos responder a essas questões. Foi algo fortuito.