Uma atmosfera mais rica em gás carbônico (CO2) – como a prevista para as próximas décadas, em consequência da emissão contínua de gases resultantes da queima de florestas e de combustíveis fósseis – poderia beneficiar o cultivo do café, uma das principais culturas agrícolas do país, e talvez neutralizar a perda de produtividade provocada pelo aumento da temperatura e da intensificação de secas e cheias, de acordo com os primeiros resultados de um cultivo experimental na Embrapa de Jaguariúna.
Durante dois anos, os cafeeiros mantidos em seis octógonos com 10 metros de diâmetro receberam CO2 em uma concentração de 550 partes por milhão (ppm), simulando a atmosfera no final do século, que poderia atingir até 760 ppm. Em seis outros octógonos os cafeeiros viveram apenas com o nível de CO2 da atmosfera atual, em uma concentração de 400 ppm (ver Pesquisa FAPESP nº 198). Comparativamente, os que receberam mais CO2 – controlado por meio de sensores acionados automaticamente de acordo com a direção e intensidade do vento – estão mais altos, com ramos mais longos, caule mais robusto e folhas mais largas.
Os cafeeiros que receberam mais CO2 também produziram mais frutos, de acordo com Raquel Ghini, coordenadora do projeto chamado Face, sigla de free aircarbon dioxide enrichment. Segundo ela, o ganho de produtividade final ainda não pode ser divulgado por expressar apenas o resultado de uma safra. Como o café alterna anos de alta e baixa produtividade, “precisamos de pelos menos duas safras para termos valores mais consistentes”, diz ela. A qualidade dos grãos está sendo avaliada por especialistas do Instituto Agronômico de Campinas.
Os cafeeiros cresceram mais em uma atmosfera enriquecida com CO2 porque a taxa de fotossíntese aumentou 60%, passando de 10 para 16 micromoles de CO2 por metro quadrado foliar por segundo. “Mais CO2 na atmosfera significa mais substrato para o cafeeiro realizar a fotossíntese”, diz Emerson da Silva, pesquisador do Instituto de Botânica de São Paulo, responsável pelas análises.
Por meio da fotossíntese é que as plantas transformam a luz do sol e o CO2 em carboidratos. Com mais carboidratos em seus tecidos, a planta poderá crescer mais, produzir mais frutos ou, como já visto na soja, sintetizar mais compostos químicos que ajudarão na defesa contra microrganismos causadores de doenças. Em cafeeiros mantidos em estufas de topo aberto com uma concentração de CO2 de 760 ppm, a equipe do Instituto de Botânica observou um aumento na capacidade de resistir à luz, o ponto de saturação luminoso, de 600 para 800 micromoles de fótons por metro quadrado por segundo. “As plantas se tornaram mais aptas a receber mais luz”, diz Silva.
O exemplo de Minas
Fabio DaMatta, professor da Universidade Federal de Viçosa (UFV), acredita que os benefícios trazidos pela alta concentração atmosférica de CO2 poderiam neutralizar boa parte dos efeitos prejudiciais da elevação da temperatura e da variação da precipitação. De acordo com um estudo recente, o efeito poderia ser o mesmo para as culturas de soja, arroz e trigo, para os quais se prevê uma queda expressiva de produção nas próximas décadas, considerando-se apenas a elevação de temperatura.
Se as previsões otimistas se confirmarem, seria possível evitar a migração de culturas como a do café para regiões de temperaturas mais amenas, no sul do país. “O novo zoneamento do café não pode ser definido se não considerarmos também o aumento da concentração de CO2”, diz. O aumento da concentração atmosférica de CO2 poderia explicar “alguns resultados até há pouco impensáveis”, como ele diz. Por exemplo, o fato de hoje cafeeiros crescerem e produzirem em algumas regiões de Minas Gerais onde a temperatura média anual é de 24,5º Celsius, 1,5 grau acima do limite que a planta deveria suportar. “Parte do sucesso do cultivo nessas regiões se deve, possivelmente, ao aumento de teor de CO2 na atmosfera.”
Os estudos feitos até agora – e apresentados no início de setembro em Jaguariúna – indicam que o cafeeiro talvez esteja sujeito a menos doenças. No entanto, o cenário é incerto. “Algumas pragas e doenças devem aumentar e outras diminuir, porque as plantas, crescendo mais, podem criar um microclima com mais umidade e temperatura mais baixa, mais favorável para fungos e bactérias”, diz Raquel Ghini.
O capim braquiária (Brachiaria decumbens), o principal alimento do gado no Brasil, cresceu mais, apresentou mais biomassa e mais fibra quando submetido a uma atmosfera mais rica em CO2 que a atual – entre os cafeeiros – do que a braquiária que não recebeu doses extras de CO2. No entanto, “o valor nutritivo é menor”, observou Adibe Abdalla, pesquisador da Universidade de São Paulo (USP). Além disso, trata-se de uma fibra de mais baixa qualidade, cuja digestão poderia resultar em uma produção maior de metano, um dos gases associados às mudanças do clima.
Projetos
1. Efeitos da alta concentração atmosférica de CO2 em câmaras de topo aberto e sistema Face sobre a fotossíntese e os mecanismos naturais de resistência do cafeeiro à ferrugem (12/08875-3); Modalidade Linha Regular de Auxílio a Projeto de Pesquisa; Coord. Emerson Alves da Silva – Instituto de Botânica; Investimento R$ 198.255,31 (FAPESP).
2. Impacto do aumento da concentração de dióxido de carbono atmosférico e disponibilidade de água sobre a cultura do café em experimento Face (“Free Air CO2Enrichment”); Coord. Raquel Ghini – Embrapa Meio Ambiente; Investimento R$2.627.048,96 (Embrapa).