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Antonio Paes de Carvalho

Antonio Paes de Carvalho: Caminho de pedras

Antonio Paes de Carvalho conta sua experiência de empreendedor na área de biotecnologia

Não há nenhum exagero em qualificá-lo, aos 70 anos, como um homem obstinado. Nem tampouco considerá-lo um visionário. Afinal, Antonio Paes de Carvalho deu provas de obstinação e visão de futuro quando, há 20 anos, concebeu o primeiro pólo de biotecnologia do país, enfrentando o ceticismo de muitos colegas. Na época, ele era diretor da Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e cientista respeitado: especialista em eletroquímica do coração, teve dezenas de artigos publicados em revistas internacionais indexadas, sendo dois na Nature.

Acreditava que a biotecnologia era a área do conhecimento de maior interface com a indústria, fosse ela química, cosmética ou farmacêutica. Nos anos 1980 o Brasil ainda não tinha o destaque internacional que projetos como o Genoma da FAPESP ou as pesquisas desenvolvidas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) conferiram à biotecnologia nacional.

Carioca, ele projetou e presidiu por 12 anos o pólo de biotecnologia no Rio de Janeiro, onde foram gestadas empresas importantes, hoje consolidadas no mercado. No final dos anos 1990 decidiu criar a Extracta, com a missão de oferecer à indústria extratos da imensa biodiversidade brasileira como alternativa ao uso de ginseng, gincobiloba e outros produtos asiáticos.

Movia-se por um propósito que, hoje, ele mesmo reconhece ingênuo: oferecer “coisas maravilhosas” à indústria nacional de tal forma a torná-la competitiva. A empresa foi inaugurada na medida exata do sonho mais ousado de qualquer empreendedor: um sócio inglês – com 49% do capital social -, um contrato milionário com a Glaxo, alguns angel investors (empresa ou indivíduo que apostam num empreendimento de risco) e um grupo de investidores.

Um ano depois começaram os problemas decorrentes da ausência de marcos regulatórios para o acesso ao patrimônio genético – que fornecia a matéria-prima para as atividades da Extracta – e de programas de incentivo às empresas de base tecnológica, que, associados às dificuldades clássicas de gestão, quase levaram a empresa a encerrar definitivamente suas atividades. Os 60 funcionários, 20 deles doutores e mestres, foram demitidos.

Paes de Carvalho, no entanto, resistiu e insistiu. Em 2004 a empresa conseguiu licença do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEn) que legitimou, digamos assim, o acesso à biodiversidade. Agora, segundo Paes de Carvalho, os clientes começaram a voltar e a Extracta passa a dar sinais de recuperação. Por precaução, ele não revela nomes nem dá detalhes do andamento dos novos contratos.

Menciona apenas que negocia uma parceria com a Petrobras e que tem alguns acordos “articulados” – mas igualmente protegidos por sigilo – com diversas empresas nacionais da área de cosmético, perfumaria e fármacos para o desenvolvimento de produtos a partir de extratos processados pela Extracta. “Todas essas empresas são brasileiras. As multinacionais nem olham mais para isso”, ressalva.

Paes de Carvalho atribui essa retomada dos negócios também ao fato de as grandes indústrias farmacêuticas e as empresas agroquímicas brasileiras estarem voltando a “olhar a química da natureza”, o que, na sua opinião, abre novas perspectivas para a ciência nacional. E considera “óbvia” a convergência da biodiversidade com o esforço da genômica e proteômica para a compreensão do mundo macromolecular e protéico.

Há 20 anos foi assinado o protocolo de intenções para a instalação do pólo de biotecnologia do Rio de Janeiro. Como surgiu a idéia de criar o primeiro pólo de biotecnologia no país?
Foi em 1982. Eu era diretor da Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e acreditava que a biotecnologia era o que tínhamos de mais moderno e promissor em termos de ciência voltada ao mercado. Cheguei a tocar no assunto com o então ministro do Planejamento Antonio Delfim Netto sobre o projeto de criar um pólo de biotecnologia no Rio no ano seguinte. Ele disse: “Temos que fazer ainda este ano, mas é preciso negociar com a indústria”. O problema é que não tínhamos dinheiro e o projeto do pólo foi postergado. Criei então a Biomatrix, a primeira empresa de biotecnologia vegetal do país, que em 1985 foi vendida para a Agroceres, que, cinco anos depois, vendeu-a à Monsanto. Em 1985 o Renato Archer, que era ministro de Ciência e Tecnologia e era carioca, veio com a notícia de que os franceses queriam criar um centro de biotecnologia no Brasil e que ele pretendia instalá-lo no Rio de Janeiro. Foi aí que ressurgiu a idéia do pólo. Em 1988 foi criada a Fundação Bio-Rio, gestora do pólo, no mesmo ano em que assinamos convênio de concessão para uso de área com a UFRJ pelo prazo de 30 anos, para a criação do parque tecnológico. Eu fui o primeiro secretário-geral da Fundação Bio-Rio e seu presidente até 2000. Conseguimos uma área dentro do campus da universidade e, apesar da oposição de alguns setores acadêmicos, o projeto avançou. Um dos seus principais defensores foi Horácio Macedo, então reitor da Federal. Aos críticos, ele argumentava: “Vamos colocar o capital e o trabalho olhando olho no olho”. Reformamos o prédio onde funcionava um restaurante e o transformamos numa incubadora de empresas com oito vagas. A primeira a instalar-se foi a WL Imunoquímica, dedicada à área da saúde humana e que teve origem no Instituto de Microbiologia da UFRJ. Outras empresas também tiveram sucesso, emanciparam-se e instalaram-se em volta da incubadora que tinha uma área total de 200 mil metros quadrados. Hoje o pólo tem mais de 20 empresas, nenhuma depende de governo e todas estão fazendo seu mercado.

Como surgiu a idéia de criar a Extracta?
Eu comecei a pensar em montar a Extracta em 1998. A idéia era criar uma empresa que tivesse acesso, catalogasse e analisasse a imensa variedade química da biodiversidade vegetal, dentro das regras estabelecidas pela Convenção da Biodiversidade e da lei brasileira. Pensava, cientista bobo que era, que íamos oferecer coisas maravilhosas à indústria nacional e ela se tornaria competitiva. Ao longo desses anos, reunimos uma extensa coleção de extratos isolados, coletados na Mata Atlântica e na Amazônia. Esses extratos estão prontos para testes de triagem na descoberta de novas substâncias de interesse industrial. O nosso banco de dados reúne amostras representativas de quase 5 mil espécies vegetais brasileiras. Ainda é pouco diante das cerca de 60 mil espécies conhecidas e catalogadas da biodiversidade brasileira. E estamos em fase de expansão para outros biomas, de forma a abranger amostras extraídas de animais, microorganismos e organismos marinhos. Essa coleção é um dos grandes valores da empresa. A idéia de que as plantas têm moléculas biologicamente ativas faz todo o sentido. Diferentemente de nós, as plantas não conseguem se defender pelo mecanismo de luta ou fuga. Mas têm defesa contra animais que as atacam. Buscar a biodiversidade química, portanto, é muito importante. Otto Gottlieb [químico, ex-professor das universidades de São Paulo e Federal Fluminense e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)], por exemplo, pensava que coletar plantas não fazia sentido porque elas têm uma estrutura unificada que permite conhecer exatamente onde estará determinada molécula. Mas entre a teoria e a prática há uma enorme diferença. Você pega plantas da mesma espécie e elas fazem carnavais bioquímicos completamente diferentes.

O senhor contou com o apoio de parceiros para bancar o investimento?
A Xenova, empresa inglesa, que era dirigida por uma química brasileira, entrou como sócia com 49% do capital. Mas a parceria durou pouco: a holding da Xenova, a Xenova Group, ia mal e eles recolheram as aventuras médicas. Colocaram US$ 50 mil e pararam. Começamos então a negociar com a Glaxo, com quem fechamos o primeiro contrato de tecnologia, em 1999. Com isso, vieram os investidores nacionais – os angel investors. Foi o maior contrato de terceirização de tecnologia feito pela Glaxo abaixo da linha do equador: US$ 3,2 milhões. Eles queriam saber se a natureza brasileira tinha resposta para oito alvos de doenças trazidos pela empresa. Eram alvos para buscar moléculas medicamentosas e um deles era uma enzima relacionada à insulina. Montamos um laboratório de 700 metros quadrados com o padrão de qualidade exigido pelo parceiro e com a missão de criar ensaios biológicos para ensaios naturais. Só os equipamentos custaram US$ 2 milhões.

A Extracta também contou com investimentos de risco?
Quando começamos a ter presença, atraímos os investidores de risco. A Fundação Biominas entrou com US$ 400 mil do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a Solits Biotecnologia – uma venture capital do Banco Pactual – com US$ 1,7 milhão. Formamos, aos poucos, uma enorme coleção da biodiversidade brasileira. Tínhamos 4,5 mil espécies, com 11 extratos primários, sobre as quais se aplicou o screaming, quer dizer, a triagem de alta velocidade. Tudo foi muito bem até que, um ano depois, aconteceu o desastre da Novartis e Bioamazônia [Em 1999, o governo federal considerou ilegal um acordo de bioprospecção celebrado entre a associação Bioamazônia e a multinacional Novartis, que tinha como objetivo identificar substâncias com potencial industrial]. Em 2001 foi editada a Medida Provisória 2.186 que criou uma série de regras para o acesso ao patrimônio genético e atrapalhou a bioprospecção. Salvamo-nos apenas porque o contrato com a Glaxo já estava assinado. Mas a partir daquele momento não tivemos novos contratos. Os clientes desapareceram. Três deles, inclusive, já estavam praticamente fechados. Os três contratos eram com multinacionais, já que a indústria brasileira não tem como pedir definição de alvo em nível molecular e celular.

As novas regras estabelecidas pela MP exigiram mudanças de procedimentos na coleta da Extracta?
Do ponto de vista dos procedimentos, não sentimos diferenças. As expedições saíam e traziam flores, frutos, sementes, os botânicos classificavam. Antes da MP, já havíamos criado tudo o que estava previsto na Convenção da Biodiversidade. O problema era com os clientes. Em março de 2002 foi criado o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEn) e, 15 dias depois, a Extracta pediu e obteve licença especial para bioprospecção até junho de 2004. A regulamentação do acesso ao patrimônio genético, aliás, teve como base o caso Extracta-Glaxo como modelo. O que importa é que cumprimos o contrato com a Glaxo, que dizia respeito a dez moléculas em cima de dois alvos de doença. O problema é que a Glaxo se fundiu com SmithKline e eles perderam o interesse. Não usaram essas moléculas. Temos o material e o direito de utilizá-las. É isso que agora, quando estamos retomando as atividades, queremos utilizar. São extratos já fracionados com alta tecnologia. Todos foram testados in vitro, de acordo com padrões aceitos internacionalmente para a indústria farmacêutica. Entre eles, temos 15 extratos antibióticos.

E o que aconteceu com a Extracta depois disso?
Quando acabou o contrato, em 2002, a receita da empresa caiu a zero. Não tínhamos outro contratante e ficamos em situação crítica. Tentamos rearticular com a Glaxo, mas eles não quiseram, mudaram de parceiro: transferiram o contrato para um centro de pesquisa em Cingapura e abandonaram as investigações sobre a natureza. O negócio deles agora é genoma e proteoma. Recentemente começaram a voltar, já que o estoque de pesquisa está secando com o aumento dos custos. Depois de 2002 passamos um período periclitante. O nosso principal sócio, o Banco Pactual, já tinha colocado na empresa bem mais do que o previsto e a Fundação Biominas também. Os angel investors também aplicaram dinheiro e começaram a ter que sustentar a Extracta vazia. O Pactual queria fechar essa empresa. Na época, eu devia ter aceitado, mas não deixei fechar. Eu tinha o voto de Minerva – 51% – e não concordei. Isso levou os investidores a uma posição defensiva, já que eles queriam sair fora do negócio com o mínimo de prejuízo. Em 2003 aproximou-se da Extracta a Oxiteno, um sócio que nos pareceu de enorme potencial. Tratava-se de uma aposta de venture capitalque começou com um pequeno investimento. Mas a expectativa era que esse valor se multiplicasse por três. Mas aí começaram novos problemas: o Banco Pactual decidiu sair e isso preocupou a Oxiteno. O temor era associar a imagem a algo que tivesse falido. A coisa chegou a tal ponto que um dos nossos investidores anjos nos chamou a atenção dizendo que não fazia sentido Pactual e Oxiteno estarem associados a um negócio como este. Hoje a Extracta é 87,5% Antonio Paes de Carvalho, com os anjos pelas costas. A Biominas ficou com 9%. Eles têm investimento institucional e não podem sair. E a Xenova, o nosso primeiro parceiro, tem 2,5%. Tínhamos zero de recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e nenhum recurso da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos).

Vocês nunca pleitearam recursos da Finep?
Sim. Participamos dos fóruns de venture capital e ganhamos um prêmio de R$ 150 mil. O dinheiro não foi liberado e no ano seguinte avisaram que aquele programa tinha encerrado e que o dinheiro viria via empréstimo. Eles perguntaram se eu queria. “Você vai pagar com uma porcentagem de seu faturamento, mas se você não tiver faturamento, daqui a cinco anos desaparece o empréstimo”, explicaram. Então eu disse: “É claro que eu quero”. Foi então que disseram que precisávamos estar com todos os seus papéis em ordem e tínhamos também que apresentar a autorização do conselho de administração da Extracta. Fui ao conselho de administração e o Banco Pactual e a Oxiteno não autorizaram a empresa a fazer o empréstimo. Argumentaram que R$ 150 mil não resolveriam a vida da empresa e ela teria que se manter aberta até o empréstimo terminar. Comuniquei à Finep que os sócios não queriam e eles me disseram: “Livre-se de seus sócios”. Eu ainda indaguei: “Se eu me livrar dos sócios, a Finep me segura?”. A resposta foi sim. Eu confiei na Finep. Convencemos os sócios a sair. A Finep pediu novamente toda aquela papelada de cartórios, e eu não consegui todas as certidões. Tinha estourado uma dívida e até pagar e levantar a objeção demora. E eu não consegui fechar nada com a Finep. Tentei parceria com a Fiocruz, mas eles contrataram a mesma coisa que a Extracta faz, uma parte em Cingapura e outra na Europa. Não foram capazes de atravessar a avenida Brasil. Vão buscar produtos deste tipo com as plantas do Oriente. Hoje em dia se perguntarem se quero fazer negócio no governo eu digo que não.

Depois de todos esses percalços, a empresa está se recuperando?
A nossa coleção é precisa. É um dos grandes valores da Extracta. A partir de 2004, depois da licença da CGEN, os clientes começaram a voltar. Os novos clientes também foram atraídos pela estabilidade da economia, um sinal positivo para os parceiros. Hoje temos parcerias sendo articuladas em diversas empresas da área de cosmético, perfumaria, fármacos etc. O que estamos tentando mostrar para a indústria farmacêutica brasileira é o seguinte: vocês estão atrás de fitoterápicos. Em vez de ficar fazendo ginseng, gincobiloba, olhem para a nossa biodiversidade. São centenas de extratos para vários alvos. Todas são empresas brasileiras. As multinacionais nem olham isso. Elas só se interessam pela molécula pura porque não podem colocar no mercado internacional.

Como garantir a produção sustentável das plantas a partir das quais são obtidos esses extratos?
A expedição vai ao campo, pede autorização ao proprietário e apresenta uma proposta concreta: vamos coletar, mas você pode, com um mínimo de esforço, daqui a um ano, estar com a planta cultivada. Com isso você traz uma parte do negócio de volta para a base da terra. Os proprietários estão fazendo isso. Há comunidades mais simples, que fazem isso. Isso não tem nada a ver com o conhecimento tradicional. Tem a ver com a planta.

O Ministério do Meio Ambiente está elaborando um projeto de lei de acesso à biodiversidade. O que o senhor acha dos termos da proposta?
O que eles querem fazer decorre das enormes queixas de pesquisadores, cientistas e até de empresas. Tudo que foi coletado antes de 2000, antes da medida provisória, está sob suspeita. Logo, não pode ser usado. Agora eles querem partir para o seguinte: não querem mais saber onde se coleta, como se contrata etc. Querem tudo dentro da norma, mas o controle será feito apenas no contrato final com o grande cliente, no caso de o produto chegar ao mercado. Este sim será registrado no CGEN. Concordo com isso, porque nunca pensei diferente. Mas a proposta contém algo que pode atrapalhar: eles querem que no grande contrato saia uma porcentagem para um fundo manejado pelo governo, para distribuir benefícios e garantir a conservação da natureza em comunidades que não têm nada a ver com o contrato. Isso vai virar uma confusão. A Associação Brasileira de Biotecnologia é frontalmente contra a criação de um fundo público que vai acabar distribuindo benesses. Isso não vai funcionar, vai para mãos erradas, terá distribuição política. Seria muito melhor que as empresas que trabalham com a bioprospecção, como a Extracta ou Natura, fossem obrigadas a constituir fundos que elas registrassem e cujos projetos elas controlassem. Tudo transparente.

A Extracta já faz algo parecido com isso?
A Extracta, que nunca distribuiu um tostão de royalties, porque não recebemos royalties de nada, já investiu R$ 600 mil na Universidade Federal do Pará. Construímos uma central de extração igual à que temos no Rio de Janeiro, equipamos inteiramente o laboratório e pagamos funcionários durante dois anos, para que eles pudessem fazer a nossa coleção amazônica, que é 20% do total de nossa coleção. Tudo isso – e mais a tecnologia de como fazer a extração – foi para o patrimônio da Universidade Federal do Pará. A universidade não sabia o que fazer com aquilo e quase deixou morrer. Agora estamos prestes a fechar um contrato muito interessante com a Petrobras que vai praticamente dobrar a nossa coleção usando coisas da Amazônia. Os parceiros são a Extracta, Petrobras e Universidade Federal do Pará.

A Extracta continua aberta aos investidores de risco?
Se os contratos que atualmente temos no pipeline da Extracta se concretizarem, não precisamos de capital de risco nem de nada. Um deles é três vezes maior que o da Glaxo, uma multinacional da área farmacêutica. A Extracta voltará para o nível de receita anterior.

Na época do contrato da Glaxo, quantas pessoas trabalhavam na Extracta?
No auge do contrato com a Glaxo, tínhamos 60 pessoas trabalhando, sendo 20 mestres e doutores.

E o que aconteceu com esse pessoal?
Aconteceu uma coisa típica do Rio de Janeiro: uns 20% foram imediatamente contratados por empresas paulistas. A Natura ficou com vários da área de química, por exemplo. O restante ficou flutuando numa nuvem em torno da UFRJ, Fiocruz, uma bolsa de pós-doc aqui, outra acolá. E todo mundo perguntando quando vai voltar. Nós tivemos que despedir um por um, pagando todos os direitos, sem dever nada.

Afora a sua obstinação, a que o senhor atribui essa retomada da empresa?
Isso se deve ao fato de que as grandes indústrias farmacêuticas, as agroquímicas, entre outras, estão voltando a olhar a química da natureza. Isso é uma tendência clara. Tenho conversado com meus colegas paulistas e afirmado que fazer medicamentos à base de proteína, com exceção de vacina, é difícil de administrar. Me parece óbvio que é possível fazer convergir a biodiversidade com todo o esforço de genômica e proteômica que nos faz entender cada vez mais do mundo macro-molecular e protéico que fazem funcionar nosso organismo. É preciso identificar pequenas moléculas que permitam meter a chave no meio de uma fechadura destas e torcer. Há uma ligação óbvia entre o que a Extracta faz e a genômica e proteômica.

O senhor teve todos os tipos de parceiro que uma empresa de biotecnologia poderia ter. Qual teria sido o parceiro ideal?
O parceiro ideal foi a Glaxo. Os parceiros de investimento de risco ingressaram por conta do contrato da Glaxo. A Oxiteno foi mais precavida. A Votorantim tinha aberto seu fundo de investimentos ? o Votoratim Ventures ? e a Oxiteno queria ter um também.

A biotecnologia brasileira tem futuro?
O Brasil tem potencial científico muito bom, mas que tende a estiolar. Isso não vale para São Paulo. Vale para o Rio que representava entre 17% e 20% da produção científica nacional e hoje está em decadência, com as pessoas indo para o exterior ou buscando em São Paulo o sonho dourado. Fico louco da vida quando dizem que isso acontece porque São Paulo tem dinheiro. Não dá para ficar de boca aberta esperando o governo soltar migalhas. Todos os programas de governo, desde a gestão Fernando Henrique Cardoso, foram programas com cada vez menos tomadores. Assim, os recursos estão caindo exponencialmente no tempo. Apurou-se tanto a qualidade, enquanto a quantidade de recursos caía. A FAPESP deu um pulo enorme. O Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe), que reproduz o modelo do norte-americano Small Business Innovation Research (SBIR), foi importante para esse salto. Quando conheci o SBIR, nos Estados Unidos, me surpreendi: “Vocês estão colocando dinheiro público para fins privados”. Eles me olharam como se eu fosse um ET e responderam: “É o melhor investimento que o público norte-americano pode fazer por meio de seu governo, porque é por isso que nós temos tecnologia suficiente para vender coisas para vocês o tempo inteiro”.

E qual a saída para o país avançar?
Ainda estamos começando a amadurecer. Não podemos esperar pela solução política que tem como moto primário a construção do superávit da economia e a garantia de que os grandes negócios do país terão uma visibilidade boa no exterior. Não está previsto que a gente vai desenvolver nada em termos de ciência e tecnologia. A convenção da biodiversidade biológica foi feita para os países ricos virem aqui, usar nossas coisas e deixar uns espelhinhos e umas miçangas.

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