Aprofundar a pesquisa sobre motores automotivos, adaptados ou projetados para um melhor uso do etanol, e estudar em detalhe as formas de produção ambientalmente sustentável dos biocombustíveis são os focos principais da atividade de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) do Grupo PSA no Brasil. O conglomerado, de origem francesa, é dono das marcas Peugeot, Citroën e DS e está presente no Brasil desde 1992. Com uma fábrica no município fluminense de Porto Real, a empresa mantém, com unidades no país e na Argentina, um dos seis centros globais de P&D, batizado de Tech Center América Latina. A unidade atua em estreita colaboração com unidades semelhantes localizadas na França e na China – um sétimo laboratório global, com sede no Marrocos, está programado para iniciar as operações neste ano.
“Nós inauguramos, dentro do Grupo PSA, a pesquisa na área de biocombustíveis e somos uma referência mundial no estudo de motores movidos a etanol e no desenvolvimento de materiais sustentáveis para fabricação de peças e componentes automotivos”, diz o engenheiro mecânico Franck Turkovics, executivo responsável por Inovação de Powertrain e Biocombustíveis no Brasil – powertrain é o termo usado para designar o conjunto responsável pela tração do veículo, composto por motor e transmissão. “Na área de motores, um de nossos principais objetivos é a redução de emissão de CO2”, afirma Turkovics. Há 25 anos na empresa e há 10 no país, ele se formou engenheiro mecânico e térmico com uma pós-graduação lato sensu no IFP School, na França, e foi o responsável pela montagem, em 2011, da equipe de pesquisadores da empresa no Brasil para estudo de inovações em biocombustíveis.
Para dar impulso às pesquisas nessa área, o Grupo PSA e a FAPESP assinaram no final de 2014 um termo de convênio de cooperação com quatro universidades brasileiras para o lançamento do Centro de Pesquisa em Engenharia Professor Urbano Ernesto Stumpf. Entre os temas investigados pelos pesquisadores das universidades Estadual de Campinas (Unicamp), de São Paulo (USP), dos institutos Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos (SP), e Mauá de Tecnologia (IMT), em São Caetano do Sul (SP), estão novas configurações de motores, redução de consumo, de emissão de gases e seus impactos e a viabilidade econômica e ambiental. “Somos o primeiro centro de pesquisa multi-institucional criado pela FAPESP nesse formato. O trabalho com importantes instituições de ensino enriquece e valoriza ainda mais o nosso know-how e nos permite evoluir”, diz Turkovics.
Empresa |
Peugeot |
Centro de P&D |
São Paulo, SP, e Porto Real, RJ |
Nº de funcionários |
500 |
Principais produtos |
Motores a biocombustíveis e veículos |
“O conceito do centro é que os pesquisadores das quatro instituições desenvolvam estudos de forma integrada em suas áreas de especialização”, conta Waldyr Gallo, professor da Faculdade de Engenharia Mecânica da Unicamp e coordenador do Centro de Pesquisa. “Queremos aproveitar e fazer avançar as pesquisas que cada um dos parceiros já realiza sobre diferentes aspectos da engenharia de motores para impulsionarmos o desenvolvimento de motores a etanol.” O investimento no projeto, de R$ 16 milhões por um período de quatro anos, renováveis por mais seis, é dividido igualmente entre o Grupo PSA e a FAPESP, mais a contrapartida oferecida pelas instituições que sediam a pesquisa em valor equivalente, quando são computados os salários dos pesquisadores, técnicos e equipamentos das universidades e institutos.
“No Grupo PSA, montamos uma equipe com três pesquisadores, além de mim, para tocar esse projeto”, conta Turkovics. Segundo ele, o objetivo final do grupo não é desenvolver um novo motor dedicado a etanol, mas otimizar os já existentes para que alcancem maior eficiência energética e reduzam a emissão de gases poluentes. “Percebemos que havia no país uma lacuna na pesquisa voltada à melhoria de motores a álcool. É bom lembrar que as máquinas que hoje rodam com esse combustível foram, originalmente, projetadas para usar gasolina.”
As pesquisas com biocombustíveis também vão ajudar o Grupo PSA a se adequar às metas relativas à emissão de poluentes de motores automotivos constantes do Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica e Adensamento da Cadeia Produtiva de Veículos Automotores. Mais conhecido como Inovar-Auto, este programa foi lançado pelo governo federal em 2012 e tem como meta aumentar a competitividade da indústria automobilística brasileira por meio da produção de veículos mais econômicos e seguros. Entre as metas, o Inovar-Auto prevê desconto de 1% no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) se a montadora produzir veículos que consumam 15,46% menos combustível, a partir de 2017. Se o consumo diminuir 18,84%, o desconto será de 2% do IPI. “A perspectiva dessa mudança reforçou a necessidade de realizarmos pesquisas com motores a etanol no Brasil”, comenta Turkovics. Ele destaca que as pesquisas são acompanhadas por um comitê internacional formado por cientistas do Institut des Sciences et Technologies (ParisTech), da França, do Instituto Politécnico de Turim, na Itália, das universidades Técnica de Darmstadt, na Alemanha, e de Cambridge e do College London, ambos no Reino Unido.
Conhecimento em rede
Responsável pela coordenação do projeto dentro do Grupo PSA, o engenheiro mecânico Rafael Serralvo Neto, de 36 anos, ressalta que o Brasil é o único país do mundo com veículos que rodam com etanol puro, o chamado E100. “Quem mais se aproxima de nós são os Estados Unidos, que comercializam uma mistura com 85% de etanol e 15% de gasolina. Na França existem motores projetados para usar E20, um combustível com 20% de etanol”, diz ele. “Só no Brasil são fabricados motores etanol 100% e, por isso, somos referência mundial nessa tecnologia. É nosso interesse estar à frente nas pesquisas em biocombustíveis.”
Sobre o papel de cada instituição no projeto, Serralvo explica que cabe ao ITA estudar o fenômeno da combustão. “Eles possuem um motor que vai nos permitir visualizar no seu interior, por fibras ópticas, o processo de combustão nos mínimos detalhes. Esse já é um recurso usado na Europa. O laboratório do ITA, coordenado pelo professor Pedro Teixeira Lacava, é um dos poucos no Brasil que têm esse equipamento”, conta. No Instituto Mauá são realizados, sob a coordenação dos professores Celso Argachoy e Clayton Barcelos Zabeu, testes no motor em desenvolvimento pelo grupo, enquanto na USP são processados os estudos de visualização do spray – o combustível que é injetado na câmara de combustão do motor na forma de um jato de gotículas. “A forma como o combustível é injetado na câmara torna o motor mais ou menos eficiente”, explica o engenheiro mecânico Marcelo Laurentys Airoldi, de 30 anos, especialista em combustão e um dos membros da equipe de Turkovics. Segundo ele, serão testados cinco tipos de combustível: anidro (E100 com menos de 1% de água), hidratado (E100 com cerca de 4% de água), E85, E50 e um etanol com alta concentração de água.
“O tipo de etanol tem relação direta com o rendimento do motor”, afirma Airoldi. Na Unicamp, por fim, são realizados testes com um motor experimental com taxa de compressão do ar variável. “Para o álcool, o melhor é que essa taxa seja mais alta do que a da gasolina. Quanto mais elevada ela for, melhor o rendimento térmico do motor e sua eficiência. Embora uma taxa excessivamente alta possa levar o motor à degradação”, explica Airoldi. Os estudos na Unicamp são conduzidos pelos professores Waldyr Gallo, Marco Lucio Bittencourt e Janito Vaqueiro Ferreira, todos da Faculdade de Engenharia Mecânica.
A quarta integrante da equipe de pesquisa coordenada por Turkovics é a engenheira química Renata Nohra Chaar Pradelle, 27 anos, responsável pelos assuntos ligados a combustíveis, como análises para controle de qualidade, definição e pesquisa de combustíveis especiais para desenvolvimento dos projetos tocados pelo grupo e pesquisa de novas fontes de biocombustíveis. “A maioria dos projetos são confidenciais, mas entre os que podem ser divulgados estão os oriundos de convênio com a Faperj [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro] para apoiar o desenvolvimento de motores flex, que aceita os derivados de petróleo e o etanol, por exemplo”, diz ela.
Segundo maior fabricante de automóveis na Europa, o Grupo PSA vendeu 3 milhões de veículos no mundo em 2015 e atingiu um faturamento de € 54 bilhões (cerca de R$ 215 bilhões). No Brasil, o conglomerado comercializou 58 mil veículos no mesmo período. A equipe de pesquisadores que estuda biocombustíveis e motores a álcool trabalha no São Paulo Tech Center, na capital paulista, uma das três unidades do Tech Center América Latina – as outras duas estão localizadas no Polo Industrial Brasil, em Porto Real (RJ), e no Centro de Produção Palomar, em Buenos Aires. Esses centros agem de forma integrada e têm aproximadamente 700 profissionais, cerca de 500 deles no Brasil. Um quarto desses funcionários tem pós-graduação.
Em todo o mundo, o Grupo PSA tem 12 mil funcionários dedicados às atividades de P&D. Em 2015, o orçamento da área foi de € 1,8 bilhão (cerca de R$ 7,1 bilhões) – a empresa não divulga o valor destinado à P&D no Brasil. Na França, o Grupo PSA liderou em 2015, pelo nono ano consecutivo, o ranking do Instituto Nacional de Propriedade Industrial, com 1.012 patentes depositadas. Entre as inovações surgidas nos laboratórios do Tech Center América Latina destacam-se um motor flexfuel de produção em série sem tanquinho de gasolina para a partida nos dias de frio, batizado de FlexStart EC5, o para-brisa Zenith do novo Citroën C3, cujo formato inovador permite maior visibilidade ao motorista, e o teto panorâmico Cielo dos Peugeot 208 e 308.
Eficiência Verde
Em 2015, a unidade de P&D da América Latina participou dos lançamentos de quatro modelos de carro: o Peugeot 2008 e as novas versões do Citroën Aircross e dos Peugeot 308 e 408. Em sua segunda geração, o Citroën Aircross foi desenvolvido e lançado exclusivamente na região. “O novo Citroën Aircross é um exemplo da eficiência dos pesquisadores que atuam nas unidades de P&D do Brasil e da Argentina, capazes de trabalhar em todas as etapas do desenvolvimento de um novo veículo, desde os seus primeiros traços de estilo até o processo produtivo final”, afirma François Sigot, diretor de Desenvolvimento, Estilo, Industrial e Supply Chain do Grupo PSA na América Latina. “Todo o trabalho de desenvolvimento de nossos produtos e novos materiais é compartilhado nos países latino-americanos e pelos outros Tech Centers do Grupo PSA no mundo.”
A estrutura do Tech Center no Brasil conta com vários laboratórios de pesquisa, entre os quais se destacam o de Materiais Verdes e o recém-inaugurado Laboratório de Emissões Veiculares, ambos na fábrica de Porto Real, além do Ateliê de Estilo da América Latina e de uma sala de projeção numérica, localizados em São Paulo, em que são projetadas imagens de alta resolução em 3D de veículos em desenvolvimento em escala real. O laboratório dispõe de equipamentos para realização de testes do nível de emissão de poluentes dos veículos fabricados em Porto Real. Esses ensaios são feitos tanto nas etapas de desenvolvimento dos veículos quanto nas homologações exigidas pelos órgãos competentes. Esses testes indicam que os gases expelidos estão dentro dos limites permitidos pela legislação brasileira.
No Laboratório de Materiais Verdes – outra área em que a P&D brasileira se destaca globalmente – são pesquisadas alternativas que permitam reduzir o emprego de plásticos de origem petrolífera e privilegiar o uso de matérias-primas renováveis, como fibras naturais, materiais reciclados não metálicos e biomateriais.Além de reduzir a emissão de CO2 da cadeia de produção de plásticos de origem fóssil, os materiais verdes permitem diminuir o peso de algumas peças automotivas.
“Existe um planejamento no Grupo PSA de integrar cada vez mais materiais verdes em seus novos projetos. Essa proposta também se aplica aos veículos já existentes, que devem adicioná-los durante a evolução dos modelos de série. Os pesquisadores do laboratório de materiais verdes trabalham em colaboração estreita com fornecedores a fim de selecionar novos produtos a serem usados”, diz Sigot. O Citroën C3, por exemplo, tem 39 quilos de materiais verdes em seu peso total. Um exemplo são os carpetes do porta-malas fabricados com resíduos da indústria têxtil como fibras naturais e feltro de algodão.
Segundo Sigot, os veículos da montadora também saem da fábrica com outros componentes produzidos com materiais reciclados, tais como o revestimento do teto, feito a partir de PET (material plástico usado em garrafas descartáveis), a proteção para-barro dos para-lamas, fabricada de polipropileno (um tipo de plástico) reciclado, e o revestimento lateral do porta-malas, produzido com PET, polipropileno e fibras naturais.
Projeto
Estudo conceitual de um motor avançado a etanol (nº 2013/50238-3); Modalidade Pesquisa em Bioenergia (Bioen) – Parceria para Inovação Tecnológica (Pite); Pesquisador responsável Waldyr Luiz Ribeiro Gallo (Unicamp); Investimento R$ 3.983.973,53 (FAPESP) e R$ 3.983.973,53 (Grupo PSA).
Republicar