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Memória

Cartografia indígena

Há 62 anos Curt Nimuendaju completava seu Mapa Etno-Histórico

MAPA ETNO-HISTÓRICO DE CURT NIMUENDAJU (IBGE)Debruçado sobre uma enorme folha de papel, o alemão naturalizado brasileiro Curt Nimuendaju deu o último retoque, em meados de dezembro de 1944, no mapa traçado pacientemente a nanquim durante quatro meses. Não era um trabalho qualquer, mas o Mapa Etno-Histórico com milhares de símbolos, cores e nomes representando 1.400 grupos de índios. Inédita, a empreitada reunia em um quadrado de 2 metros por 2 metros a primeira grande síntese do conhecimento etnológico disponível até aquele ano, boa parte dele recolhida pessoalmente. Trazia informações sobre localização, filiação lingüística e movimentos de migração de tribos extintas e existentes no Brasil.

Aquele foi o terceiro exemplar do mesmo mapa fabricado por ele, dessa vez para o Museu Nacional, do Rio de Janeiro. Outros dois haviam sido feitos para o Museu Paraense Emílio Goeldi (1943) e para o Smithsonian Institution (1942). Detalhe: um não era mera cópia do outro. A cada novo mapa cresciam o número de dados e a bibliografia usada. O último veio acompanhado de três índices, o bibliográfico (com mais de 950 indicações), tribos e autores.

Curt Nimuendaju (1883-1945) é figura fundamental da etnografia e etnologia brasileira. “Seu Mapa Etno-Histórico é um feito histórico-cartográfico de enorme fôlego e um documento precioso”, atesta o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, autor de A inconstância da alma selvagem, e outros ensaios de antropologia (Cosac & Naify, 2002). “Nimuendaju foi um grande etnógrafo e quem mais entrou em contato e viveu entre índios”, afirma Luís Donisete Benzi Grupioni, antropólogo da Universidade de São Paulo e autor de Coleções e expedições vigiadas (Hucitec/Anpocs, 1998).

O mapa foi seu último grande trabalho – ele morreu em 1945 entre os ticunas, de modo nunca esclarecido. No começo de sua atuação entre os índios, Nimuendaju primeiro coletava artefatos de tribos brasileiras para compor coleções dos museus de Gotemburgo, Hamburgo, Leipzig e Dresden, na Europa, e para os museus Paulista, Nacional e Goeldi, no Brasil. Numa segunda fase, tornou-se pesquisador de fato ao escrever notas sociológicas sobre grupos indígenas estudados que eram utilizadas por Robert Lowie, da Universidade da Califórnia, com a devida citação. Nimuendaju sempre publicou artigos e monografias sobre o modo de vida e as línguas utilizadas pelos muitos grupos com os quais conviveu. “Como quase sempre escrevia em alemão, ainda há textos inéditos em português”, diz Grupioni.

Sua história é mais surpreendente quando se sabe que ele fez apenas o curso secundário e jamais freqüentou universidade. Natural de Jena, cidade da Turíngia, aos 16 anos foi aprendiz de mecânico ótico na empresa Zeiss, onde era assíduo na biblioteca da fábrica. Lá gostava de ler sobre a América Latina e estudar seus mapas. Veio para São Paulo em 1903 e dois anos depois, quando ainda se chamava Curt Unkel, embrenhou-se nas matas paulistas contratado como ajudante de cozinha da Comissão Geográfica
e Geológica de São Paulo.

O objetivo era explorar o rio Aguapeí e contatar os índios guaranis e caingangues, no oeste de São Paulo. Aos 22 anos, o jovem foi completamente seduzido por aquelas civilizações primitivas. Um ano depois passou a conviver com os apapokuva-guaranis e recebeu o nome de Nimuendaju – “o ser que cria ou faz o seu próprio lar”. Sua identificação com os índios era tanta que o levou a adotar sempre esse nome, inclusive na assinatura de todos os textos que escrevia.

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