O dia 17 de agosto de 2017 entrou para a história da astronomia. Eram 5h41 daquela quinta-feira na Costa Oeste dos Estados Unidos, quando os computadores de um laboratório em Hanford registraram a passagem de mais uma onda gravitacional pela Terra. Nessa pequena localidade do estado de Washington, onde foi produzido o material radiativo da bomba atômica lançada sobre Nagasaki, no Japão, funciona um dos mais precisos equipamentos já construídos para medir variações na distância: um interferômetro a laser projetado para detectar sutis deformações no espaço-tempo causadas pelas ondas gravitacionais. Uma fração de segundo antes de a unidade de Hanford captar essa onda gravitacional, um equipamento idêntico instalado em Livinsgton, no estado de Louisiana, havia detectado o mesmo sinal. A perturbação identificada pelos laboratórios gêmeos do Observatório Interferométrico de Ondas Gravitacionais (Ligo) também havia sido registrada quase simultaneamente por um equipamento semelhante – o interferômetro Virgo – em Pisa, na Itália.
Por 1 minuto e 40 segundos, os três detectores acompanharam os passos finais da aproximação e morte de duas estrelas quase apagadas. Atraídas pela gravidade, duas estrelas de nêutrons – as menores e mais densas conhecidas – rodopiaram uma ao redor da outra enquanto perdiam energia para o espaço na forma de ondas gravitacionais. Elas se fundiram em um evento explosivo chamado quilonova, que ocorreu a 130 milhões de anos-luz da Terra, na periferia da galáxia NGC 4993, na constelação de Hidra. As duas estrelas tinham massa um pouco maior que a do Sol e, com 12 quilômetros de diâmetro, eram invisíveis para os telescópios do planeta. Ao colidirem, liberaram uma nuvem de matéria incandescente que, por uma fração de segundo, brilhou mais que as estrelas da Via Láctea. Em seguida à detecção das ondas gravitacionais e à localização da região no espaço onde se originaram, telescópios na superfície e na órbita terrestre registraram a luz evanescente da quilonova para conhecer o destino da matéria que a explosão lançou ao espaço.
“É a primeira vez que observamos as ondas gravitacionais e as ondas eletromagnéticas vindas de um mesmo evento astrofísico cataclísmico”, afirmou o físico David Reitze no anúncio oficial da descoberta, feito em 16 de outubro na sede da National Science Foundation, nos Estados Unidos. Ele é o diretor-executivo do Observatório Interferométrico de Ondas Gravitacionais (Ligo), uma colaboração científica com mais de 1.200 pesquisadores, alguns no Brasil, que opera os dois detectores em solo norte-americano.
A detecção das ondas gravitacionais e eletromagnéticas emitidas por um mesmo fenômeno inaugura, segundo Reitze, a era da astronomia multimensageira. Os dois tipos de ondas fornecem informações diferentes sobre os objetos celestes. Enquanto as ondas gravitacionais são geradas por oscilações da matéria que deformam o espaço-tempo, as eletromagnéticas são produzidas por vibrações de partículas com carga elétrica e são percebidas como luz (visível e invisível). Ambas se propagam no espaço vazio a 300 mil quilômetros por segundo e revelam características complementares do objeto que as gerou.
Estado desconhecido
Há décadas os astrônomos observam a luz – em especial, ondas de rádio e raios X – emitida pelas camadas mais superficiais das estrelas de nêutrons. Essa luz permite ter uma ideia de como é a crosta dessas estrelas, mas revela pouco sobre seu interior. Físicos e astrofísicos imaginam que as camadas mais profundas estejam submetidas a densidades e pressões tão elevadas que, ali, a matéria assumiria um estado desconhecido. A solução para esse mistério poderia estar na investigação das ondas gravitacionais geradas no choque de duas estrelas de nêutrons. É que essas ondulações no espaço-tempo produzidas por elas dependem, em certa medida, de como a matéria no interior das estrelas se deforma e se despedaça durante a colisão.
Observações da colisão desse tipo de estrela devem se tornar rotina nos próximos anos, com o aperfeiçoamento dos detectores do Ligo e do Virgo, que passam por mais uma fase programada de manutenção e aprimoramento. O Ligo, por exemplo, completou o seu segundo período de tomada de dados em 25 de agosto deste ano e deve voltar a operar em outubro de 2018, com a sensibilidade aumentada. Ao mesmo tempo, os pesquisadores esperam reduzir à metade o ruído que atrapalha o funcionamento dos detectores. “Assim, devemos registrar de cinco a 10 vezes mais colisões de buracos negros e de estrelas de nêutrons”, conta o físico italiano Riccardo Sturani, do Instituto Internacional de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (IIP-UFRN), que realiza cálculos analíticos sobre as ondas gravitacionais que o Ligo pode registrar. No Brasil, além dele, Odylio Aguiar e César Costa, ambos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), integram a equipe do Ligo que trabalha para melhorar a precisão dos detectores.
A primeira observação direta das ondas gravitacionais, em setembro de 2015, confirmou um fenômeno previsto pela teoria da relatividade geral, formulada em 1915 pelo físico Albert Einstein (1879-1955). Com essa teoria, Einstein modificou a lei da gravitação universal, proposta por Isaac Newton em 1687. Para Newton, a gravidade era uma força atrativa originada pela massa dos corpos. Einstein reformulou o entendimento sobre a força gravitacional, o espaço e o tempo na teoria da relatividade geral. Segundo essa teoria, tanto a massa quanto a energia de um corpo produzem força gravitacional, que se manifesta como o encurvamento do espaço e uma desaceleração da passagem do tempo ao redor do corpo. Quanto maior a massa e a energia do corpo, maior a força gravitacional e a deformação no espaço e no tempo, vistos como uma só entidade, o espaço-tempo. Uma consequência é que o movimento dos corpos produz oscilações no espaço-tempo que se propagam como ondas gravitacionais.
Deformações drásticas no espaço-tempo acontecem, por exemplo, quando uma estrela com massa algumas vezes superior à do Sol consome todo o seu combustível nuclear e o seu centro, formado por átomos de ferro, implode, gerando um buraco negro, o objeto no qual a gravidade é tão elevada que nem a luz escapa, ou uma estrela de nêutrons, as menores e mais densas conhecidas. Em ambos os casos, a curvatura do espaço-tempo é extrema, assim como a pressão e a densidade a que é submetida a matéria que restou.
Uma estrela de nêutrons tem um pouco mais que a massa do Sol, concentrada em uma esfera com cerca de 20 quilômetros de diâmetro – o astro do Sistema Solar é 70 mil vezes maior. “Uma cumbuca de feijoada contendo uma porção de matéria das estrelas de nêutrons pesaria na Terra o mesmo que os 7 bilhões de pessoas que habitam o planeta”, compara Jorge Horvath, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), estudioso dessas estrelas ultracompactas.
De acordo com Horvath, as estrelas de nêutrons possuem uma crosta com algumas centenas de metros de espessura, composta por elementos químicos pesados, como o ferro. De 800 a 900 metros abaixo da crosta, a matéria alcança uma densidade tão alta que as partículas de carga negativa (elétrons) existentes na periferia dos átomos são pressionadas contra as de carga positiva (prótons) do núcleo atômico. Como resultado, elas se anulam e originam partículas neutras: os nêutrons, que permanecem espremidos uns contra os outros. Em regiões ainda mais profundas, a densidade aumenta e os nêutrons podem se desfazer em algo desconhecido. “O caroço central de uma estrela de nêutrons é um mistério”, diz Horvath.
Vários modelos teóricos tentam prever como seria o interior dessas estrelas. Eles diferem na forma como a densidade da matéria varia sob efeito da pressão – essa relação entre densidade e pressão é definida por uma fórmula matemática chamada de equação de estado. “Obter a equação de estado das estrelas de nêutrons é um objetivo científico que certamente alcançaremos nas próximas décadas, com melhorias na observação das emissões de raios X e com a detecção de mais ondas gravitacionais”, diz a física Raissa Mendes, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Onda de descobertas
Einstein previu a existência das ondas gravitacionais em 1916, mas só nos anos 1950 os físicos se convenceram de que, se a relatividade geral estivesse correta, certos corpos em movimento acelerado transmitiriam parte de sua energia para o espaço vazio, na forma de ondas gravitacionais. Os cálculos mostravam, porém, que essas ondas seriam fracas. Só corpos com densidade de massa e energia muito grandes, acelerados a velocidades próximas à da luz, emitiriam ondas gravitacionais observáveis por instrumentos na Terra.
Nos anos 1970, um pequeno grupo de físicos se entusiasmou com o desafio de detectar essas ondas. Rainer Weiss, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, foi um dos primeiros a esboçar os detectores que originariam o Ligo. Os trabalhos teóricos de Kip Thorne, do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), e de seus colaboradores demonstraram que um detector desses poderia registrar as ondas gravitacionais emitidas na colisão de buracos negros e de estrelas de nêutrons em galáxias distantes. Coube a Barry Barish, do Caltech, organizar a colaboração científica internacional em torno do Ligo, uma vez aprovada a construção dos detectores nos anos 1990. O Prêmio Nobel de Física deste ano reconheceu o papel dos três na criação do Ligo, que entrou em operação em 2002 e, desde setembro de 2015, observou as ondas gravitacionais de quatro colisões de pares de buracos negros, eventos que não emitem luz.
O choque de estrelas de nêutrons, detectado em agosto, é diferente. Nos anos 1990, pesquisadores propuseram que esse evento poderia ser a origem das misteriosas explosões de raios gama (gamma ray bursts ou GRBs) de curta duração observadas por satélites desde os anos 1960.
Pulsos de raios gama
Segundo a teoria da relatividade geral, a imensa força gravitacional do objeto resultante da fusão das estrelas atrairia a matéria ao redor, formando um redemoinho. Essa matéria, girando a velocidades próximas à da luz, produziria em cada polo magnético do redemoinho em torno da estrela um jato que lançaria partículas eletricamente carregadas para muito longe. Esse jato duraria frações de segundo e geraria os pulsos curtos de raios gama detectados na Terra.
No dia 17 de agosto, menos de dois segundos após as observações do Ligo e do Virgo, o telescópio espacial Fermi, da Nasa, registrou uma explosão de raios gama de curta duração proveniente da região do céu de onde vieram as ondas gravitacionais, comprovando a proposição (ver reportagem).
Horas depois, telescópios em terra e no espaço vasculharam a região e identificaram o surgimento de uma fonte de luz e de outras ondas eletromagnéticas na periferia da galáxia NGC 4993. Os pesquisadores propõem que esse brilho tenha sido emitido por uma porção da matéria das estrelas que, em vez de ser sugada, foi lançada ao espaço. Essa violenta explosão, chamada de quilonova, gerou elementos químicos mais pesados que o ferro (ver reportagem). Nos dias seguintes, os observatórios viram o brilho da quilonova diminuir e mudar de cor, emitindo luz visível, infravermelha e ultravioleta.
“As emissões de rádio vindas da fusão dessas estrelas continuam a ser observadas”, explica Jessica McIver, física do Caltech que coordena uma equipe do Ligo. “A observação coincidente das ondas gravitacionais com o surto de raios gama confirma a hipótese proposta décadas atrás de que as GRB de curta duração são produzidas na fusão de estrelas de nêutrons. As ondas gravitacionais, a GRB de curta duração e a quilonova nos contam a história completa da matéria ejetada durante a colisão e a fusão das estrelas de nêutrons.”
Os pesquisadores do Ligo também usaram as ondas gravitacionais registradas em agosto para obter informação sobre a relação entre densidade e pressão no interior das estrelas de nêutrons. Essa informação pode ser aprimorada por futuras observações que podem detectar a colisão de um buraco negro com uma estrela de nêutrons. “O buraco negro exercerá uma deformação muito maior, o que deverá revelar mais sobre o interior das estrelas de nêutrons”, prevê Jessica. Observações adicionais devem ajudar a entender quão uniforme é a composição das estrelas de nêutrons e a calcular a quantidade de elementos químicos pesados ejetada para o espaço. “Assim”, ela explica, “será possível descobrir quão próximo de uma fusão de estrelas de nêutrons o Sistema Solar teria de estar para explicar a quantidade de ouro e de outros elementos observada na Terra”.
Artigos científicos
ABBOTT, B. P. et al. Multi-messenger observations of a binary neutron star merger. The Astrophysical Journal Letters. v. 848, n. 2. 16 out. 2017.
ABBOTT, B. P. et al. Observation of gravitational waves from a binary neutron star inspiral. Physical Review Letters. v. 119, 161101. 16 out. 2017.