Metal versátil e abundante no país, o nióbio aos poucos deixa de ser utilizado apenas em ligas metálicas comuns ou especiais. Agora, o material avança por novos territórios tecnológicos em aplicações que vão de baterias de veículos elétricos a cremes para a acne, passando por fungicidas e catalisadores. Em novembro do ano passado, a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), líder mundial na fabricação e venda de produtos industrializados do metal, inaugurou uma fábrica em Araxá, no interior de Minas Gerais, em parceria com a britânica Echion Technologies para produzir ânodos, componentes de baterias de íons de lítio, a partir de nióbio. Também produzido em Minas Gerais, um novo produto contendo nióbio foi lançado em julho de 2024 e passou a ocupar prateleiras de farmácias. Trata-se de um creme antiacne com um ingrediente criado a partir de uma nanotecnologia patenteada pela Nanonib, spin-off da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
As novas aplicações fogem do emprego consolidado há décadas para o material. O Brasil se destaca como o maior produtor e detentor de reservas de nióbio, com cerca de 90% da produção global. A maior jazida lavrável de pirocloro – mineral composto por até 71% de óxido de nióbio – fica em Araxá e é explorada pela CBMM, controlada pela família Moreira Salles (ver Pesquisa FAPESP n° 277).
Desde a década de 1970, o nióbio é usado para a fabricação de aços especiais empregados em oleodutos e gasodutos, por conferir mais segurança às regiões de solda, e na indústria automobilística. Em empresas do setor de construção civil é matéria-prima para estruturas de pontes e grandes edifícios.
“Entre 80% e 90% do que comercializamos são produtos feitos à base de ferronióbio, uma liga metálica composta por nióbio e ferro”, diz o engenheiro de materiais Rafael Mesquita, diretor de Tecnologia da CBMM. “A principal vantagem é que o nióbio eleva a resistência mecânica dos aços, proporcionando um produto mais forte e aumentando a segurança. Com isso, é possível reduzir a quantidade de aço no produto final, diminuindo as emissões de CO₂ [dióxido de carbono].”

Léo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FAPESPNióbio em suas diversas apresentações: no centro, a liga metálica de ferronióbio, que eleva a resistência mecânica de açosLéo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FAPESP
Outro uso já consolidado se dá na produção de superligas – não à base de ferro, mas de outros metais, em especial do níquel. Esse material resistente a altíssimas temperaturas é bastante consumido pela indústria aeroespacial na fabricação de turbinas de avião. Também é empregado na produção de turbinas usadas para a geração de energia.
Ligas supercondutoras fabricadas com nióbio estão presentes nos magnetos do Grande Colisor de Hádrons (LHC), o acelerador de partículas da Organização Europeia para Pesquisa Nuclear (Cern), e em aparelhos de ressonância magnética. “O fio que produz o campo magnético para esses equipamentos é à base de uma liga de nióbio-titânio”, informa Mesquita, que teve apoio da FAPESP em seu mestrado focado em ligas de alumínio, desenvolvido na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). “As aplicações do nióbio sozinho são limitadas e pouco relevantes. Mas o cenário muda quando ele é combinado e adicionado a outros materiais.”
Vibranium da vida real
Um dos grupos nacionais de pesquisa na área é coordenado pelo químico Luiz Carlos Alves de Oliveira, do Departamento de Química da UFMG, que desde 2006 estuda as propriedades e aplicações do nióbio. Ele calcula que o conhecimento gerou até agora uma dezena de patentes e cerca de 70 artigos científicos. “Costumamos dizer que o nióbio é o vibranium da vida real”, comenta Oliveira, em tom de brincadeira, referindo-se ao material fictício com poderes especiais retratado em filmes da Marvel, como Pantera negra.
A estrutura química do nióbio, explica o químico, é a responsável pela versatilidade e pela multiplicidade de aplicações. “A unidade mais fundamental dele se assemelha a um tetraedro [figura geométrica com quatro faces triangulares] e a forma como essas unidades menores se juntam e como ele acomoda os átomos vizinhos é que o torna tão especial”, ressalta Oliveira.
Especializado na química da superfície dos materiais, o pesquisador e sua equipe perceberam que era possível modular a propriedade oxidante da superfície do óxido de nióbio, um composto químico derivado do nióbio, contendo oxigênio, usado para aplicações diversas (ver infográfico abaixo). “Dependendo de como obtínhamos a forma química dele, o oxigênio ficava muito reativo, capaz de se soltar da superfície. E é esse oxigênio, por exemplo, que é capaz de matar bactérias.”
Oliveira conta que fez testes com outros elementos químicos semelhantes, mas só o nióbio apresentou tal propriedade. “Fizemos incontáveis ensaios ao longo dos anos. Há elementos que retêm esse oxigênio reativo especial, mas o material perde atividade muito rápido. Funciona na pesquisa básica, mas não para virar produto.”
Na esteira da pandemia da Covid-19, o grupo criou um spray líquido à base de nióbio para combater o vírus Sars-CoV-2, chamado Innib-41, para ser borrifado nas mãos. “O líquido forma um filme ou uma nanopelícula como se fosse uma luva invisível. Quando encontra um vírus ou uma bactéria, o oxigênio se solta do nióbio e reage com a parede celular, causando uma espécie de sufocamento do microrganismo”, detalha.
A descoberta de que a molécula com nióbio matava bactérias surgiu quando os pesquisadores desenvolviam um clareador dental. De acordo com um artigo publicado pela equipe da UFMG na Clinical Oral Investigations, em 2023, a modificação da estrutura do óxido de nióbio a partir da associação com o peróxido de hidrogênio, além de clarear os dentes, matava as bactérias causadoras de cáries. O grupo acabou criando uma startup, a Nanonib, para obter registros e licenciar produtos.
Apesar de o spray ter sido aprovado pela Anvisa, ele não está sendo fabricado, por opção do grupo, que preferiu focar primeiro em outros produtos. O primeiro à venda que usa essa mesma tecnologia – com um ingrediente ativo batizado de Blue Active – foi lançado em julho de 2024. Trata-se do creme antiacne Acnano. “Fizemos uma parceria com a fabricante mineira de cosméticos Yeva, responsável por fabricar e comercializar os produtos dessa linha.”
A startup realiza no momento testes em campo para uma terceira gama de produtos, voltada ao agronegócio. “Entramos com pedido de registro de duas moléculas nos órgãos competentes. Uma terceira também está sendo estudada”, afirma Oliveira. São dois fungicidas, um para uso em sementes e outro em folhas, já em testes. Os três produtos para o setor agropecuário usam o mesmo princípio do spray para vírus Innib-41: um filme de nióbio é formado na superfície de folhas ou sementes.
Fotocatalisadores
No Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), o químico André Esteves Nogueira, do Departamento de Química, faz pesquisas relacionadas a aplicações do nióbio em duas vertentes. Uma delas é ligada a fotocatalisadores, com foco na conversão do CO₂ em produtos com maior valor agregado, como etanol, metanol, ácido acético e metano – fotocatalisadores são materiais que, uma vez ativados pela luz, aceleram reações químicas.
A segunda rota investigada, com apoio da FAPESP, é voltada à produção de hidrogênio para geração de energia. “Estamos testando o nióbio como catalisador no processo de hidrólise do boro-hidreto de sódio”, diz Nogueira. De acordo com o químico, o boro-hidreto de sódio pode apresentar vantagens na produção de hidrogênio porque é sólido – um sal branco, comercializado na forma de pó –, o que facilitaria o transporte e permitiria a produção no local de uso.
“A ideia é comprar o boro-hidreto, que tem grande capacidade de armazenamento de hidrogênio, levar para o local onde vai gerar energia, solubilizar e adicionar o catalisador. Tudo isso sem precisar de fonte externa de energia, como ocorre no processo tradicional de fabricação de hidrogênio verde, via hidrólise da água”, afirma o pesquisador do ITA.

YEVA LaboratoiresLinha de cosméticos com nanotecnologia à base de nióbio criada nos laboratórios da UFMGYEVA Laboratoires
A fim de acelerar essa reação, para que possa ser utilizada em escala industrial, o pesquisador e seus alunos estudam variações de catalisadores de nióbio modificado com cobalto. “Um artigo publicado no International Journal of Hydrogen Energy detalha as modificações que fizemos com nanopartículas de cobalto na superfície do óxido de nióbio.” Os resultados, diz Nogueira, foram promissores. “Agora, estamos tentando aprimorar a atividade do catalizador usando diferentes fontes de cobalto.”
O nióbio também tem um papel importante na fabricação de componentes para implantes ortopédicos. Ao ser adicionado ao titânio, esse elemento, além de biocompatível, possibilita obter materiais com elevada resistência mecânica e propriedades elásticas que minimizam efeitos deletérios causados por alguns tipos de implantes no corpo humano.
O engenheiro mecânico Rubens Caram, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), coordena um projeto de pesquisa com financiamento da FAPESP que tem como meta aplicar técnicas de manufatura aditiva – também conhecida como impressão 3D – na preparação de componentes à base de titânio e nióbio com características otimizadas.
Nos últimos anos, o grupo de Caram publicou dezenas de artigos científicos relacionados ao efeito do nióbio em ligas de titânio, sempre com apoio da CBMM. Um deles, elaborado em cooperação com a University of North Texas, nos Estados Unidos, trata da concepção de placas de fixação para reparo ósseo com gradientes de propriedades e comportamento mecânico otimizado usando ligas de titânio contendo nióbio.
Em Araxá, a CBMM mantém há anos um programa a fim de fomentar novos usos do nióbio. Anualmente, a companhia tem investido R$ 250 milhões em pesquisa e desenvolvimento (P&D) tecnológico, sendo 90% desse valor no modelo de inovação aberta, com outras empresas, universidades e centros de pesquisa. “Temos uma capacidade produtiva muito superior à demanda total do mercado de nióbio. O fator limitante no nosso negócio são as aplicações”, declara Mesquita.
Grande parte do valor investido em P&D nos últimos anos é destinada ao estudo de baterias. A nova unidade para a produção de ânodos à base de nióbio – tecnologia de propriedade da Echion batizada de XNO – tem capacidade para produzir 2 mil toneladas do material por ano, o equivalente a 1 gigawatt de células de íon de lítio. A tecnologia XNO, segundo a companhia mineira, aumenta a eficiência e a durabilidade de baterias, permitindo um carregamento ultrarrápido e seguro.
Nas instalações da CBMM, circula desde junho do ano passado um ônibus elétrico de demonstração com baterias de íons de lítio com nióbio desenvolvidas com a Toshiba. Em vez das convencionais oito horas ou mais para recarga, o processo leva oito minutos.
A empresa participa de um projeto coordenado pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), em São Paulo, cujo objetivo é desenvolver novas ligas de materiais, inclusive o nióbio, para a produção de componentes metálicos via manufatura aditiva. A iniciativa, financiada pela FAPESP, tem a participação de outras instituições do estado.
“A ideia é partir de um pó metálico, contendo nióbio, e chegar a uma peça final, por manufatura aditiva, em vez do processo convencional de fabricação”, esclarece o diretor da CBMM. “Veja o caso de um componente automotivo. Para fabricá-lo, é preciso produzir o aço, fazer uma barra de aço, conformar essa peça de aço, furar etc. É um processo longo. Por manufatura aditiva, podemos sair do pó e chegar rapidamente à peça final.”
A reportagem acima foi publicada com o título “Novas fronteiras para o nióbio” na edição impressa n° 348, de fevereiro de 2025.
Projetos
1. Desenvolvimento da cadeia de produção de componentes metálicos por manufatura aditiva (n° 20/06984-6); Modalidade Núcleos de Pesquisa Orientada a Problemas em São Paulo; Pesquisador responsável Mário Boccalini Júnior (IPT); Investimento R$ 3.846.662,90.
2. Ligas de AI solidificadas rapidamente: Microestruturas e propriedades (n° 00/00218-6); Modalidade Bolsa de mestrado; Pesquisador responsável Walter José Botta Filho (UFSCar); Bolsista Rafael Agnelli Mesquita; Investimento R$ 2.910,00.
3. Desenvolvimento de catalisadores multifuncionais de nióbio: Avanços na conversão de CO2 e geração de H2 (n° 23/17686-4) Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável André Esteves Nogueira (ITA); Investimento R$ 267.313,49.
4. Ligas de titânio: Transformações de fases e manufatura aditiva aplicadas na obtenção de materiais com gradientes funcionais (n° 18/18293-8); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Rubens Caram Junior; Investimento R$ 5.576.609,50.
Artigos científicos
GRIFFITH, K. J. et al. Titanium niobium oxide: From discovery to application in fast-charging lithium-ion batteries. Chemistry of Materials. v. 33, n. 1. dez. 2020.
CANESCHI, C. S. et al. Bleaching effectiveness and cytotoxicity of new experimental formulation of niobium based bleaching gel. Clinical Oral Investigations. v. 27, n. 4. p. 1613-21. abr. 2023.
LIMA D. D. et al. Laser additive processing of a functionally graded internal fracture fixation plate. Materials & Design. v. 130, p. 8-15. 15 set. 2017.
VALENTIN, M. et al. Investigating multi-material Ti-42Nb lattice structures fabricated via laser powder bed fusion using a genetic algorithm to optimize Ti-5553 reinforcement band position. Materials Science and Engineering: A. v. 925, 147833. mar. 2025.
SANTOS, F. L. et al. Hydrogen generation via NaBH4 hydrolysis over cobalt-modified niobium oxide catalysts. International Journal of Hydrogen Energy. v. 92, p.113-23. out. 2024.
BRUZIQUESI, C. G. O. et al. Nióbio: Um elemento químico estratégico para o Brasil. Química Nova. v. 42, n. 10. out. 2019.
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