Localizado na desértica Malargüe, cidade de 20 mil habitantes próxima aos Andes argentinos, o Observatório Pierre Auger, maior projeto internacional concebido para captar raios cósmicos de alta energia, um tipo raro de partícula subatômica que viaja quase na velocidade da luz antes de cair sobre a Terra, acaba de mandar as primeiras notícias. Animadoras, por sinal. Apesar de estar funcionando com pouco menos da metade de sua capacidade total, o empreendimento registrou, entre janeiro de 2004 e julho deste ano, 3.525 eventos em que os raios cósmicos tinham energias colossais. Em 20 ocasiões, as partículas exibiam níveis de energia próximos ou superiores ao chamado corte GZK, de 5 x 1.019 elétrons-volts (eV). O GZK marcaria o limite máximo de energia que os raios poderiam apresentar ao chegar a nosso planeta. Teoricamente, seria impossível flagrar partículas com energia acima desse teto. Teoricamente. Mas o Auger, do qual o Brasil é um dos sócios, e outros experimentos menores já mediram eventos com raios mais energizados que o corte GZK. Isso não dizer que o limite não faça mais sentido. Longe disso. Até porque essas ocasiões foram tão pouco frequentes que não geraram dados com relevância estatística para formular julgamentos definitivos.
As informações fornecidas pelo Auger foram apresentadas em julho à comunidade de físicos, num congresso sobre raios cósmicos na Índia. “Daqui a dois anos, quando o observatório estiver totalmente pronto, vamos ter uma quantidade de dados sete vezes maior que hoje”, comenta Vitor de Souza, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), um dos pesquisadores brasileiros que participam do projeto internacional. “Nossa margem de erro será bem menor e poderemos responder as questões que dizem respeito à natureza dessas partículas”. Uma das indagações que mais intrigam os físicos é a polêmica sobre a existência (ou não) de fontes pontuais de raios cósmicos, objetos siderais, como um buraco negro, que emanariam enormes quantidades de partículas energizadas.
Quando se registra sistematicamente numa determinada região do céu raios com muito mais energia do que em outras partes do firmamento, essa medida pode indicar que naquela direção do Cosmos, a milhões de anos-luz de distância, existe um corpo celeste emitindo as partículas. Por ora, o Auger ainda não detectou nenhuma fonte pontual. Aparentemente, os raios cósmicos captados pelo experimento em Malargüe vêm de todas as direções do Universo, e não de pontos específicos. Essa percepção, no entanto, pode ser ilusória. A direção original das partículas pode ter sido alterada durante a viagem a caminho da Terra.
Projeto de US$ 47 milhões, que envolve instituições de 18 países, o observatório nos Andes argentinos é o primeiro a juntar dois métodos de observação de raios cósmicos de alta energia: detectores de superfície, chamados tecnicamente de tanques Cerenkov, e de fluorescência, um tipo especial de telescópio.
Assim que estiver concluído, o empreendimento, no qual o Brasil por meio da FAPESP e do Ministérios da Ciência e Tecnologia investiu cerca de R$ 2,5 milhões, vai contar com 1.600 tanques, espalhados por uma área de 3 mil quilômetros quadrados, e 24 telescópios abrigados em quatro prédios. Hoje, 700 detectores de superfície e 18 de fluorescência estão funcionando. Tudo para tentar entender a natureza dos raios cósmicos, fenômeno cuja compreensão pode alargar o conhecimento sobre a constituição da matéria e a formação do Universo. “Nenhum experimento futuro com essas partículas poderá ser menor ou igual ao Auger”, comenta o físico Carlos Escobar, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), supervisor da equipe brasileira no empreendimento. “Para se justificar, terá de ser maior.”
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