Ilutração: Fabio Otubo / Infográfico: Ana Paula CamposA vinda de pesquisadores de pós-doutorado do exterior para instituições do estado de São Paulo passa por transformações, mostram dados recentes da FAPESP. O exemplo mais expressivo é o das ciências exatas e da Terra: em 2007, 16% das bolsas de pós-doutorado da Fundação foram concedidas a pesquisadores que se graduaram em outros países; já entre as novas bolsas do ano de 2012, esse índice havia saltado para 34%. O movimento também é observado em outras áreas, como a de ciências biológicas, cujo aumento foi de 6% para 11%, e a de ciências sociais aplicadas, que saiu do zero para 6% também entre 2007 e 2012. A única área que sofreu redução na proporção de bolsas concedidas anualmente a pós-doutorandos com graduação no exterior foi a de ciências agrárias, de 2% em 2007 para 1% em 2012 (ver gráfico acima).
A maior atração de cérebros para São Paulo é decorrência de vários fatores. Destacam-se, por exemplo, o crescimento dos incentivos à internacionalização da pesquisa nacional, com forte participação da FAPESP neste processo, por meio da oferta de bolsas para pesquisadores vindos do exterior, e o reconhecimento internacional de um número crescente de grupos de pesquisa brasileiros que fazem ciência competitiva. A crise econômica que atinge a Europa e os Estados Unidos, e que provocou cortes no orçamento para a ciência, também é um fator de estímulo. Em certas áreas, somados a esses fatores identifica-se também o esforço dos supervisores para estabelecerem parcerias duradouras com grupos de pesquisa de outros países, que favoreceu a inserção internacional de laboratórios na última década.
“O mecanismo de atração está bastante concentrado na figura do supervisor. Ele é escolhido pelo bolsista porque participa frequentemente de congressos internacionais ou se torna conhecido pela qualidade dos artigos que publica”, comenta Edgar Dutra Zanotto, pesquisador do Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Zanotto, que recebeu o Prêmio Almirante Álvaro Alberto para Ciência e Tecnologia neste ano, é uma referência internacional no estudo sobre processos cinéticos em vidros e vitrocerâmicas e já recebeu em seu laboratório dezenas de bolsistas de diversos países. No entanto, a trajetória científica não é o único fator decisivo para chamar a atenção de bons pesquisadores vindos do exterior. A estrutura de trabalho para recebê-los também deve estar de acordo com as expectativas desses pesquisadores, geralmente formados por universidades e instituições de pesquisa consagradas. “Em exatas, a estrutura dos laboratórios é fundamental para receber pesquisadores de fora”, concorda Vanderlei Bagnato, professor do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da Universidade de São Paulo (USP). “Aliado a isso, vemos que o valor de nossas bolsas também é alto e competitivo”, diz ele, que recentemente participou da organização de um evento que reuniu cinco ganhadores do Prêmio Nobel no IFSC (ver Pesquisa FAPESP nº 205).
No âmbito da internacionalização, a FAPESP criou em 2009 o Programa Escola São Paulo de Ciência Avançada (ESPCA), modalidade de apoio que busca aumentar a exposição internacional de áreas de pesquisa de São Paulo que já são competitivas mundialmente. O programa oferece oportunidades para que pesquisadores paulistas organizem cursos de curta duração, para os quais devem convidar pesquisadores de vários lugares do mundo e de São Paulo. O público dos cursos deve ser formado por estudantes de graduação e pós-graduação, além de jovens doutores, dos quais pelo menos a metade deve ser recrutada fora do Brasil. Um dos objetivos é mostrar a alunos e pesquisadores do exterior as oportunidades de pesquisa em São Paulo e atrair os melhores.
O destaque das ciências exatas pode ser explicado pelo pioneirismo da pesquisa de alguns grupos, como o de Bagnato, que estuda a turbulência quântica em condensado de Bose-Einstein – nome dado a um agrupamento de átomos ou moléculas que, quando resfriados a temperaturas próximas do zero absoluto, passam a se comportar como uma entidade única. Foi por esta razão que o norte-americano Kyle Joseph Thompson decidiu procurar Bagnato para que ele o supervisionasse em seu pós-doutorado no Brasil, após concluir o doutorado na Universidade da Flórida, em Gainesville, Estados Unidos. “Decidi estudar turbulência em fluidos quânticos, e depois de uma exaustiva pesquisa descobri que o grupo do professor Bagnato na USP era o mais indicado no assunto”, diz Thompson. “Aqui no Brasil pesquiso ao lado de pessoas de várias partes do mundo, utilizando as técnicas e tecnologias mais modernas que existem”, acrescenta ele.
Em outras áreas, como a de ciências da saúde, embora a vinda de pesquisadores de outros países esteja crescendo, o percentual dos bolsistas que fizeram graduação no exterior ainda é baixo. Das 61 bolsas de pós-doc concedidas em 2007 pela FAPESP na área, 2 foram concedidas para pesquisadores do exterior. Já em 2012, o número de bolsas concedidas havia subido para 111, sendo 6 delas para pós-doutorandos do exterior. “Na verdade existe uma demanda reprimida. Há muito mais jovens doutores no exterior que poderiam se beneficiar da experiência de trabalhar no Brasil”, argumenta Carlos Augusto Monteiro, professor e pesquisador da área de nutrição da Faculdade de Saúde Pública da USP e um dos responsáveis pela atração de pesquisadores de outros países na área da saúde em São Paulo. Atualmente ele supervisiona o pós-doutorado de um jovem antropólogo canadense, formado na Universidade de Montreal, e espera a resposta da FAPESP para a solicitação de bolsa de uma colombiana que concluiu seu doutorado na Universidade de Washington, Estados Unidos. Segundo ele, as ciências da saúde estão recebendo poucos pesquisadores do exterior porque talvez falte uma postura mais ativa dos brasileiros para divulgar a disponibilidade de vagas e bolsas em eventos e programas de doutorado em outros países.
Divulgação agressiva
Entre as medidas adotadas por Monteiro para conseguir atrair bons candidatos do exterior está uma divulgação mais agressiva, expondo claramente sua disposição para receber bolsistas. Seu grupo desenvolveu uma linha singular de pesquisa que explora relações entre mudanças no sistema alimentar global, qualidade das dietas e a atual pandemia de obesidade. Doutor em saúde pública, o canadense Jean-Claude Moubarac só teve certeza do tema de sua pesquisa de pós-doutorado, e onde ela seria realizada, depois de ler um artigo de Monteiro em uma revista científica internacional. “A partir daquele momento, percebi que compartilhávamos interesses e visões de mundo comuns sobre saúde e nutrição”, diz ele. Em São Paulo desde 2011, Moubarac hoje reconhece que escolheu o lugar certo para desenvolver seu trabalho. “Pesquisadores em saúde pública de outros países se beneficiam quando aprendem mais sobre a experiência brasileira”, afirma.
Em outros casos, o segredo para se conseguir atrair cérebros é manter um ritmo intenso de comunicação com instituições e grupos de pesquisa do exterior, mesmo que os frutos dessa relação demorem um pouco para chegar. “Há dois anos fiz uma chamada para três bolsas de pós-doutorado. Recebi 16 projetos de pessoas interessadas. Incrivelmente, todas eram de fora do Brasil”, conta Marco Antonio de Avila Zingano, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Atualmente, Zingano supervisiona 4 pós-doutorandos vindos do exterior. O grupo de Zingano, voltado para a filosofia antiga, hoje está inserido no eixo acadêmico internacional que estuda o assunto e participa de redes de difusão e divulgação na internet, que conectam América Latina, Europa e Estados Unidos. “Essa inserção internacional foi crucial no momento de divulgar os editais para as bolsas, anos atrás”, diz Zingano. Em 2007, a FAPESP concedeu 50 bolsas de pós-doutorado em ciências humanas, sendo 3 para pesquisadores vindos do exterior. Já em 2012, foram concedidas 69 bolsas, dos quais 6 para pós-doutorandos oriundos de outros países.
Redes de pesquisa
Tradicionalmente, as ciências humanas são marcadas mais pela ida de brasileiros ao exterior do que pela vinda ao país de pesquisadores de fora, observa Paula Montero, presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e coordenadora adjunta da FAPESP. Ela explica que, na antropologia, por exemplo, a internacionalização foi fundamental para garantir avanços por meio da formação de redes de pesquisa comparada. Isso permitiu que, nos últimos 10 anos, o Brasil avançasse na pesquisa colaborativa, aumentando sua participação em debates globais sobre antropologia. “A parte mais difícil, porém, é fazer com que as reflexões típicas de países periféricos tenham impacto nos países centrais”, afirma Paula Montero.
Segundo Zingano, a vinda de pesquisadores do exterior precisa continuar como um objetivo, porque causa impactos positivos nos grupos de pesquisa que os recebem. “Os estudantes e pesquisadores brasileiros em formação que convivem com os pós-docs aprendem novos procedimentos de trabalho e percebem que precisam ser mais profissionais”, diz. A crise nos Estados Unidos e na Europa tem favorecido a vinda de pesquisadores de humanidades, que em condições mais favoráveis no exterior talvez não desembarcassem no Brasil. Este é o caso do norte-americano Evan Keeling, do estado de West Virginia, nos Estados Unidos, que veio para pesquisar ao lado de Zingano em 2011. Fugindo da crise em seu país, encontrou inesperadamente boas condições para pesquisar e participar de debates sobre filosofia antiga na USP. “São Paulo está se tornando mais atrativo para acadêmicos do exterior. Em relação à filosofia antiga, os trabalhos do professor Zingano são respeitados nos Estados Unidos e na Europa, e isso também ajudou na minha escolha”, diz Keeling, para quem o país poderia atrair mais pesquisadores se investisse em divulgação das bolsas e também em medidas para diminuir a burocracia. Outro pesquisador supervisionado por Zingano, o venezuelano Simon Noriega Olmos, relata que o processo para retirar documentos na Polícia Federal foi desestimulante. O canadense Jean-Claude Moubarac, quando precisou alugar um apartamento assim que chegou em São Paulo, deparou com barreiras que dificultavam a liberação do imóvel. A ajuda veio de seu supervisor, o pesquisador Carlos Augusto Monteiro. “Tive que alugar o apartamento em meu nome”, afirma Monteiro.
Em relação às ciências agrárias, José Roberto Postali Parra, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da USP e coordenador adjunto da FAPESP em ciências da vida, afirma que, embora o país seja considerado líder em agricultura tropical e tenha desenvolvido tecnologias próprias, há hoje forte tendência de avanços em biotecnologia e bioquímica no mundo, forçando o Brasil a buscar pesquisadores e conhecimento no exterior. Contudo, a área de ciências agrárias é uma das que menos receberam pós-doutorandos do exterior com bolsa da FAPESP: apenas 22 bolsas foram concedidas a pesquisadores que vieram de outros países entre 2005 e 2012. O número fica abaixo de áreas, como humanas, que registrou 41, e engenharias, com 77 bolsas de pós-doc concedidas a pesquisadores do exterior entre 2005 e 2012.
Caminho inverso
A vinda de pesquisadores do exterior é acompanhada por um movimento de ida de estudantes e pesquisadores brasileiros para fazer estágios em outros países. Entre outubro de 2011 e maio de 2013, a FAPESP concedeu 1.135 bolsas por meio da Bolsa Estágio de Pesquisa no Exterior (Bepe), programa destinado a alunos de iniciação científica, mestrado e doutorado e pesquisadores de pós-doutorado de São Paulo para impulsionar a internacionalização da pesquisa. O principal destino dos estágios, que têm duração de um mês a seis anos, são os Estados Unidos. Nesse período, o país recebeu 420 bolsistas oriundos de São Paulo apoiados pela FAPESP, dos quais 136 das ciências biológicas e 80 das exatas. A França recebeu 108 bolsistas, na maioria (27) provenientes da área de humanas (ver gráfico).
De acordo com Walter Colli, professor titular da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador adjunto da FAPESP em ciências da vida, o maior êxito do Bepe é exigir que o bolsista desenvolva seu trabalho no exterior de acordo com a linha de pesquisa que executa aqui. “A FAPESP exige que o estágio seja um complemento ao trabalho já realizado no Brasil”, explica. Em relação às engenharias, José Roberto Arruda, professor da Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenador adjunto da FAPESP em ciências exatas e engenharias, diz que o Bepe permite ao pesquisador enriquecer sua formação, particularmente ao ter contato com práticas científicas frequentemente mais objetivas e consolidadas. “O programa também cumpre o papel de atrair bons estudantes, ao dar a eles a oportunidade de crescer como pesquisadores e como pessoas através da experiência do estágio no exterior”, diz Arruda.
Quando decidiu embarcar para Estrasburgo, no leste da França, em junho de 2012, o pesquisador de pós-doutorado do Instituto de Física da USP Omar Mertins tinha o objetivo de aprender novos procedimentos, sem os quais não poderia avançar com sua pesquisa sobre sistemas que simulam membranas biológicas. Durante os sete meses em que estagiou no Instituto Charles Sadron, Mertins teve contato com a técnica da micromanipulação por pipeta, indispensável para avaliar aspectos físicos da membrana lipídica estudada sob irradiação luminosa. “Trouxemos essa tecnologia para o Brasil, trata-se de algo inédito aqui”, diz o pesquisador, que também acumulou experiências no exterior quando fez um estágio na França durante o doutorado e outro na Alemanha, já no pós-doutorado.
A aluna de doutorado Aline Silva Mello Cesar, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da USP, por exemplo, beneficiou-se de uma parceria que havia sido estabelecida anteriormente entre seu orientador no Brasil e o laboratório nos Estados Unidos, no qual estagiou durante um ano. Aline retornou em junho de sua experiência na Iowa State University, onde teve contato com uma nova tecnologia para o sequenciamento de RNA e associação genômica. “No Brasil temos equipamentos para realizar esse procedimento, mas não organizar os resultados”, explica a estudante, que pesquisa a identificação e caracterização de genes associados à deposição e composição da gordura intramuscular em bovinos da raça nelore. Graças ao estágio, Aline pôde apresentar resultados preliminares de seu projeto em conferências internacionais. “Todos os pesquisadores deveriam ter a oportunidade de ir ao exterior e trazer novos conhecimentos para a ciência brasileira”, afirma.
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