A química Vanderlan Bolzani, em sua entrevista a esta edição de Pesquisa FAPESP, aborda a determinada altura, de forma leve e pontual, a relação entre gênero e sucesso na carreira científica, apontando efeitos nesse campo de uma cultura machista ainda disseminada na sociedade e absorvida e reproduzida mesmo pelas mulheres. Há um sem-número de estatísticas a demonstrar que, nas regiões e países mais desenvolvidos, a metade feminina da população do planeta avançou fantasticamente desde o século XX para se tornar uma força de trabalho percentualmente equivalente à sua presença no gênero humano, mas avança devagar e segue sub-representada quando se trata da ocupação de posições de liderança em quase todos os campos de atividade humana – inclusive o da pesquisa científica.
A questão, desta vez, provocou-me uma curiosidade estatística mais restrita e, digamos, quase doméstica: eu quis saber como as cientistas estão representadas no universo das entrevistas pingue-pongue publicadas por Pesquisa FAPESP ao longo da vida da publicação, pelas quais temos grande apreço. Tais entrevistas buscam sempre personagens importantes no cenário científico e cultural do país e, às vezes, internacional, em geral marcadas por uma trajetória singular e que tenham dado inequívocas contribuições para a produção do conhecimento científico em qualquer campo. Pois bem, das 158 entrevistas publicadas de outubro de 1999 até este mês de agosto de 2014, apenas 26 foram concedidas por mulheres, ou seja, 16,5% do total. Já se tomarmos as últimas 25 edições da revista, também incluindo esta última, a estatística é bem menos vulnerável a eventuais acusações de ranço machista na escolha, porque se nota um crescimento da participação feminina no total considerado: são oito as que trazem mulheres partilhando suas experiências e descobertas de pesquisa e de vida, ou seja, 32% do total. Registre-se logo que a equipe de jornalistas que coordeno (integrada por homens e mulheres) desfruta de ampla liberdade para propor nomes para a entrevista de cada edição, o que sugere que nosso olhar profissional tem responsabilidade nesses resultados estatísticos que deixamos aqui em bruto, sem maiores comentários, para a avaliação dos leitores.
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A elaboração da reportagem de capa desta edição, a cargo do editor especial Carlos Fioravanti, com fotos de Eduardo Cesar, incluiu uma incursão de alguns dias em Monte Santo, município do sertão baiano para sempre ligado à história da Guerra de Canudos e à imagem emblemática de Antonio Conselheiro. O propósito nada tinha a ver com esse episódio histórico que consagraria Euclides da Cunha, mas com uma verificação in loco de uma das doenças genéticas raras agora bem mapeadas em todo o país. A rigor, é desse mapea-mento – o Censo Nacional de Isolados (Ceniso) – que a reportagem trata. Levado a cabo por pesquisadores de várias instituições juntamente com profissionais da saúde locais e organizado pelo Instituto Nacional de Genética Médica e Populacional (Inagemp), o censo apresentou em abril deste ano um quadro dos 81 municípios onde se conseguiu constatar a existência de 4.136 pessoas com características genéticas específicas, nem sempre doenças, os chamados isolados genéticos.
Gostaria de destacar ainda no campo da saúde e medicina a reportagem do editor de ciência, Ricardo Zorzetto, sobre alguns resultados interessantes de uma investigação sobre as mais agressivas cepas da bactéria causadora da tuberculose, levadas a efeito em laboratórios de biossegurança da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) e da Universidade de São Paulo (USP). Este trabalho vem permitindo uma nova compreensão de como tais cepas vencem explosivamente as células de defesa, que deveriam controlar o bacilo, e se espalham rapidamente pelo corpo, produzindo graves danos ao pulmão e a outros órgãos.
Chamo a atenção, nas páginas voltadas à tecnologia e inovação, para a reportagem do jornalista Yuri Vasconcelos sobre os foguetes suborbitais que o Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE) se prepara para lançar neste semestre, e especialmente para a carga útil que terão, o Estágio Propulsivo de Foguete a Propelente Líquido (EPL), um conjunto do primeiro motor-foguete produzido no país a empregar combustível líquido e seu sistema de alimentação. A melhor novidade dessa história é que o combustível líquido que será testado resulta de uma mistura de etanol feito de cana-de-açúcar e oxigênio líquido.
Por último, mas não menos importante, recomendo a reportagem do jornalista Eduardo Nunomura na seção das humanidades sobre uma pesquisa que trata do efetivo poder dos partidos no sistema político brasileiro e do sofisticado mecanismo de conexão entre os níveis de governo municipal, estadual e federal. O estudo investe claramente contra algumas visões do senso comum e vale a pena conferir.
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