Em uma carta aberta divulgada em 6 de novembro, 21 cientistas agraciados neste ano com a Ordem Nacional do Mérito Científico (ONMC) renunciaram à honraria, concedida pelo governo federal a personalidades que se distinguiram por suas contribuições à ciência, tecnologia e inovação no país.
A decisão se deu após o presidente Jair Bolsonaro ter anulado no dia 5, sem justificativa, a admissão na classe Comendador dos médicos Marcus Vinícius Lacerda, da Fundação de Medicina Tropical, coordenador de um estudo que mostrou a ineficácia da cloroquina contra a Covid-19, e Adele Schwartz Benzaken, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que trabalha com doenças sexualmente transmissíveis e foi exonerada em 2019 de seu cargo no Ministério da Saúde após a publicação de uma cartilha sobre prevenção dessas enfermidades para homens transgênero. Lacerda e Benzaken haviam sido nomeados para receber a condecoração em decreto publicado em 4 de novembro e assinado pelo presidente.
No próprio dia 5, a Academia Brasileira de Ciências, que participa da avaliação do mérito dos candidatos à condecoração, lançou uma nota expressando indignação com o expurgo dos colegas. “Esse ato, inédito no país e típico de regimes autoritários, é mais um ataque à ciência, à inovação e à inteligência nacional”, afirmou o texto. Em uma nota de repúdio veiculada na mesma data, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que também atua na indicação dos nomes, protestou: “Fica evidente que o governo federal fez a cassação depois de saber que os dois cientistas renomados conduziam pesquisas cujos resultados contrariavam interesses de políticas governamentais, agindo como censor da pesquisa, sem o devido respeito à verdade científica e à diversidade”.
Também em 5 de novembro, o epidemiologista Cesar Victora, professor emérito da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), iniciou um movimento que ganhou corpo nos dias seguintes. Ele escreveu ao ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), Marcos Pontes, chanceler da ONMC, recusando a promoção da categoria de Comendador para a da Grã-cruz, a mais elevada. No texto, afirmou: “A homenagem oferecida por um governo federal que não apenas ignora, mas ativamente boicota as recomendações da epidemiologia e da saúde coletiva, não me parece pertinente”.
Em carta aberta emitida no dia seguinte, Victora e outros 20 agraciados neste ano anunciaram publicamente a renúncia à condecoração e expressaram repúdio pela exclusão arbitrária dos dois colegas. “Tal exclusão, inaceitável sob todos os aspectos, torna-se ainda mais condenável por ter ocorrido em menos de 48 horas após a publicação inicial, em mais uma clara demonstração de perseguição a cientistas, configurando um novo passo do sistemático ataque à ciência e tecnologia por parte do governo vigente”, escreveram.
Dias mais tarde, em 10 de novembro, em outra carta aberta, mais de 200 pesquisadores e personalidades que integram a ONMC saíram em defesa de Lacerda e Benzaken: “A ação de censura perpetrada pelo governo federal, com o expurgo dos dois colegas cientistas da ONMC, nos faz recordar tempos sombrios. Não aceitamos, assim como a comunidade científica e a grande maioria do povo brasileiro, o retorno do arbítrio e do autoritarismo. Esse ato de exclusão é o ápice de um processo de desvalorização e negacionismo em relação à ciência”.
Íntegra do texto publicado em versão reduzida na edição impressa, representada no pdf.
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