No início deste século, estimava-se que as áreas de matas ciliares degradadas em São Paulo somavam 1,3 milhão de hectares, expondo ao risco o sistema hídrico estadual. Grande parte desse desmatamento ocorreu de maneira irregular e ilegal e, por exigência de lei, estas áreas deveriam ser recuperadas. Na época, no entanto, as ações de reflorestamento enfrentavam dois obstáculos. O primeiro era a baixa capacidade de produção de mudas, de cerca de 13 milhões por ano, ante às necessidades do replantio, que demandava uma oferta de 2,6 bilhões de mudas. Mantido esse ritmo de produção, qualquer projeção para a reparação dessas áreas ultrapassava um período de 200 anos.
O segundo problema era a baixa qualidade dos projetos de reflorestamento, que utilizavam poucas espécies – geralmente as de mudas mais baratas e mais facilmente disponíveis no mercado –, limitando-se assim à reconstituição da paisagem. “Em áreas de mata natural, existem entre 100 e 400 espécies arbóreas”, ressalta Luiz Mauro Barbosa, diretor-geral do Instituto de Botânica da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SMA). Agravando a situação, dentre as espécies utilizadas, dois terços eram de ciclo de vida curto, ou seja, cresciam rapidamente. “O resultado é que, em 10 anos, começavam a declinar e precisavam ser replantadas”, diz ele.
O cenário de degradação e a falta de orientação técnica no reflorestamento exigiam rápida intervenção. E foi este o objetivo do projeto Modelos de Repovoamento Vegetal para a Proteção de Sistemas Hídricos em Áreas Degradadas dos Diversos Biomas do Estado de São Paulo, desenvolvido pelo Instituto de Botânica (IBt) em parceria com a Prefeitura Municipal de Ilha Comprida e de Mogi-Guaçu, com apoio da International Paper e da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), no âmbito do Programa de Políticas Públicas da FAPESP.O projeto, sob coordenação do diretor-geral do Instituto de Botânica, foi iniciado em 2001. “Constatamos, já na primeira fase, que a situação era pior do que imaginávamos”, conta Barbosa. Neste diagnóstico foram avaliadas 98 áreas de reflorestamento em todo o Estado de São Paulo, num total de 2.500 hectares.
“As áreas monitoradas tinham tamanhos diversos e estavam vinculadas a empresas e universidades, sendo que a maioria dos projetos não utilizava mais que 30 espécies”, afirma Barbosa. A diversidade só é maior em áreas próximas a grandes remanescentes de mata natural conservadas, como, por exemplo, na Mata Atlântica, por conta da propagação natural de determinadas espécies. Já nas áreas de restinga, a situação é ainda mais grave: ali é possível encontrar espécies arbóreas típicas de matas do interior, que haviam sido plantadas de forma errada. A baixa diversidade tem origem principalmente na pequena oferta de mudas diversificadas e até no custo de produção diferenciado, já que as espécies mais usadas eram sempre as mesmas. Os pesquisadores constataram que, em 41 viveiros florestais consultados, são produzidas cerca de 590 espécies arbóreas nativas. Mas a grande maioria concentra sua produção naquelas 30 espécies identificadas nas áreas de reflorestamento amostradas.
Replantio orientado
A primeira medida da equipe de pesquisadores envolvida no projeto foi propor à SMA a edição da Resolução nº 21, publicada em novembro de 2001, normatizando procedimentos para o replantio em áreas degradadas. As novas normas passaram, desde então, a pautar a análise e a aprovação de projetos de revegetação, além de orientar sobre o reflorestamento heterogêneo no Estado de São Paulo. “Alguns dos objetivos do projeto foram identificar as formas mais adequadas para transferir conhecimentos para a sociedade, subsidiar o licenciamento ambiental no Estado e apoiar ações do Ministério Público e SMA, entre outros”, justifica Barbosa. “A resolução é um parâmetro técnico a ser seguido.”
A resolução estabeleceu proporções sobre o número mínimo de espécies por hectare. Projetos de reflorestamento de até um hectare, por exemplo, devem contar com 30 espécies. Já aqueles implementados em áreas maiores que 50 hectares, a exigência mínima é de 80 espécies distintas. Outra recomendação visa proteger as espécies em extinção, respeitando-se as regiões ou formações de ocorrência. Assim, áreas de replantio de até 1 hectare devem contar com 5% de mudas de pelo menos cinco espécies distintas ameaçadas de extinção. Nos grandes projetos, com mais de 50 hectares, as plantas em extinção devem representar 10% das mudas, com pelo menos 15 espécies distintas.
As mudas deverão, preferencialmente, ser produzidas com sementes procedentes da mesma região e nativas do bioma ou formação florestal correspondente, sempre com pelo menos 20 centímetros de altura e sistema radicular que garanta a sua sobrevivência pós-plantio. A medida é detalhada: sugere que nas áreas reflorestadas sejam adotadas medidas de controle de formigas e realizadas, no mínimo, três capinas e/ou coroamentos anuais, mantendo as entrelinhas vegetadas e baixas. “Se possível”, consta na resolução, “devem ser efetuadas pelo menos duas adubações anuais com formulação normalmente utilizada na região, ou de acordo com os resultados da análise do solo.”
No caso de áreas degradadas localizadas em restingas, manguezais e florestas paludosas, também conhecidas como matas de brejo, 50% das mudas devem ser de espécies existentes nas vizinhanças.resolução traz ainda uma lista de 247 espécies arbóreas exemplificativas, com indicação do ecossistema de ocorrência natural e classe sucessional – isto é, levando-se em conta espécies pioneiras e não pioneiras – para facilitar a implementação de projetos. Esta lista acaba de ser ampliada. O Instituto de Botânica lançou o manual Diversificando o Reflorestamento no Estado de São Paulo: espécies disponíveis por região e ecossistema, com a sugestão de 589 espécies que podem ser utilizadas no replantio. “O livro também é resultadoda pesquisa patrocinada pela FAPESP”, ressalta Barbosa.
Ainda é cedo para avaliar os efeitos da resolução sobre a biodiversidade, já que foi adotada há pouco mais de um ano e meio. Mas há sinais de que seus efeitos são positivos. “Já é possível constatar uma maior conservação da biodiversidade e a melhor qualidade dos reflorestamentos”, observa Barbosa.A International Paper do Brasil Ltda., por exemplo, adotou, em 2002, as novas diretrizes para o plantio do Parque Florestal São Marcelo, mantido pela empresa. Plantaram 732 mil mudas em 439 hectares, com uma média de 1.667 plantas por hectare. Desta área, 240 hectares foram replantados utilizando 101 espécies nativas arbóreas das regiões de Mogi-Guaçu, Aguaí e Espírito Santo do Pinhal. De acordo com Miguel Magela Diniz e Doraci Milani, respectivamente supervisor técnico e gerente técnico do parque, esta foi a primeira área do Estado a ser recomposta atendendo integralmente aos parâmetros técnicos estipulados pela resolução, garantindo maior diversidade florística e suporte alimentarpara a fauna local.
Comparando os procedimentos de repovoamento antes e depois da resolução, eles concluem que, utilizando uma menor diversidade de espécies, o custo de implantação da floresta nativa é menor na fase inicial, devido à rápida cobertura do solo, mas é necessário, no futuro, enriquecer o povoamento com outras espécies, o que acaba por acarretar custos adicionais.Em Ilha Comprida, município instalado em área de proteção ambiental, ao sul do Estado – cuja prefeitura é parceira no projeto patrocinado pela FAPESP –, a resolução também apresenta bons resultados. Para ampliar a oferta de mudas e treinar produtores locais, foi instalado um viveiro municipal de espécies florestais de restinga e manguezal na área de um antigo depósito de lixo. As mudas de mangue estão sendo utilizadas no plantio de uma área de 6.700 m2 na zona urbana, que vem sofrendo processos erosivos.
“Busca-se com esta alternativa evitar a execução de obras civis, que aumentariam muito o gasto de recursos para a contenção da erosão”, conta o prefeito Décio José Ventura. “O projeto”, ele avalia, “criou uma nova consciência entre os viveiristas. Eles próprios estão sugerindo, por exemplo, a produção de muda conhecida na região como cataia (Pimenta pseudocaryophyllus), espécie utilizada na produção de cachaça típica da região.”
Também está em estudo um projeto de arborização do setor urbano com mudas nativas produzidas nos viveiros locais. “A resolução pode se consolidar como instrumento legal de restauração da biodiversidade paulista”, avalia Ricardo Ribeiro Rodrigues, da Esalq. Além da resolução e do manual sobre espécies, o projeto patrocinado pela FAPESP promoveu, ao longo de dois anos, uma série de ações de transferência de conhecimento à sociedade, como o treinamento de viveiristas e produtores de sementes, cursos sobre a conservação, sobre tecnologia de sementes e produção de mudas, bem como de educação ambiental em escolas, além de um série de seminários. O último seminário e o workshop sobre a recuperação de áreas degradadas, realizados nos dias 12 e 13 de setembro, no Instituto de Botânica, reuniram cerca de 550 pesquisadores, técnicos, policiais ambientais e especialistas em meio ambiente e reflorestamentos, além de prefeitos, para avaliar os avanços e perspectivas da Resolução SMA nº 21/01.
As contribuições fizeram avançar os critérios estabelecidos na resolução e deverão resultar na edição de um novo conjunto de regras, uma nova resolução. Dentre as modificações previstas está o número de espécies necessárias para garantir uma diversidade. Assim, para áreas de recuperação maiores que 1 hectare, a nova proposta sugere o plantio de, no mínimo, 80 espécies arbóreas diferentes, com um limite máximo de 20% do total de mudas para qualquer espécie. As espécies escolhidas deverão estar incluídas em dois grupos ecológicos: pioneiras e não pioneiras, considerando o limite mínimo de 40% para qualquer dos grupos.
Outros aspectos também considerados pelos especialistas referem-se aos critérios necessários para a recuperação por meio da semeadura direta, indução e/ou condução da regeneração natural, entre outras. Tais projetos devem levar em conta a avaliação da paisagem; avaliação do histórico de degradação da área; avaliação e retirada dos fatores de degradação; avaliação dos processos de regeneração natural e aproveitamento do potencial de auto-recuperação. O secretário do Meio Ambiente, José Goldemberg, que participou do evento, garantiu que a secretaria está disposta a editar novas resoluções para enfrentar o desafio de recuperar as áreas degradadas do Estado. “Esse projeto de política pública é paradigmático”, ele afirmou, lembrando que a qualidade do programa de recuperação de matas ciliares garantiu à SMA um financiamento de US$ 7,7 milhões do Banco Mundial. O diretor científico da FAPESP, José Fernando Perez, também esteve presente.
O Projeto
Modelos de Repovoamento Vegetal para a Proteção de Sistemas Hídricos em Áreas Degradadas dos Diversos Biomas do Estado de São Paulo (nº 00/02020-9); Modalidade Programa Políticas Públicas; Coordenador Luiz Mauro Barbosa – Instituto de Botânica – SMA; Investimento R$ 178.062,59