EDUARDO CESARUm simples apertar de botão e o vidro da janela da casa ou do escritório pode ficar colorido em tons de rosa, azul, vermelho ou outras cores. Em um ambiente interno separado por vidros basta recorrer ao controle manual para não ser visto durante uma reunião, por exemplo. No caso de janelas externas, as condições de luminosidade ou climáticas podem também determinar os ajustes necessários, sem nenhuma intervenção. Em um dia nublado, o vidro fica mais claro, em um dia ensolarado, mais escuro, proporcionando maior conforto térmico e redução nos gastos de energia com sistemas de ar-condicionado e iluminação.
O nível de transparência é determinado por filmes finos (películas) com propriedades eletrocrômicas, que mudam suas propriedades ópticas com a aplicação de um campo elétrico e retornam ao seu estado inicial pela simples reversão desse campo. São esses filmes que estão sendo desenvolvidos por pesquisadores do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) com novidades em relação aos mesmos materiais usados, até comercialmente, no exterior.
Na USP, eles utilizam materiais cerâmicos, como o óxido de níquel, que apresentam efeito eletrocrômico. Na presença de um eletrólito, que é um condutor de elétrons e íons (átomos com perda de elétrons) e de um contra-eletrodo, responsável por fechar o circuito eletrônico, esses materiais sob ação de um campo elétrico apresentam reações de transferência de cargas elétricas, responsáveis pela mudança de cor dos vidros. Um fotossensor, ligado a uma bateria, controla o nível de luminosidade e a necessidade de mudar do claro para o escuro e vice-versa.
Os filmes finos podem ser aplicados também em espelhos retrovisores de automóveis para diminuir o reflexo de uma luz intensa no espelho à noite, como um farol alto. Esse tipo de espelho funciona em conjunto com um fotossensor que reconhece se a luz está forte ou fraca. Quando a fonte de luz se afasta do carro, o espelho volta à condição normal de reflexão.
As janelas que mudam de cor já são produzidas fora do Brasil e usadas em projetos de arquitetura. Mas lá os filmes finos aplicados sobre o vidro são feitos com moléculas orgânicas, como corantes, que sofrem com a degradação provocada pela radiação ultravioleta do Sol, portanto um material pouco adequado ao clima tropical.
“Com os materiais inorgânicos que usamos, como o óxido de níquel, a troca de janela pode demorar até dez anos”, diz a professora Márcia Carvalho de Abreu Fantini, do Laboratório de Cristalografia do Instituto de Física da USP, uma das participantes do projeto temático financiado pela FAPESP que estuda a preparação e o desenvolvimento de nanomateriais (com tamanhos próximos a 1 milímetro dividido por 1 milhão de vezes) cerâmicos ou híbridos, coordenado pelo professor Celso Valentim Santilli, do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araraquara.
Nanopartículas controladas
Para obtenção dos vidros coloridos é preciso controlar o tamanho e a forma das nanopartículas metálicas inseridas nos materiais inorgânicos responsáveis pelas alterações das propriedades ópticas. Após várias tentativas, os pesquisadores conseguiram produzir materiais coloridos pelo processo de deposição a vácuo chamado de sputtering. É um método físico que usa o gás argônio ionizado para deposição das nanopartículas metálicas na matriz de óxido de níquel. Como o processo de obtenção dos filmes finos de óxido de níquel com propriedades eletrocrômicas já está dominado, os pesquisadores querem agora encontrar uma empresa que se interesse em produzir os vidros. Materiais similares usados nos filmes aplicados nas janelas também são úteis para baterias de celulares e outros aparelhos eletrônicos, como transmissores em miniatura, computadores portáteis e sensores remotos.
Rotas químicas
A obtenção de filmes finos também é objeto de estudo do grupo de pesquisa da Unesp. Só que em vez de processos físicos como o sputtering, eles utilizam rotas químicas, como o método sol-gel, para a preparação das nanopartículas. Por esse processo, os pesquisadores produzem partículas dispersas em líquido (estado sol), que são imobilizadas por uma rede formada pela agregação ou polimerização controlada, resultando em um gel com características semelhantes às da gelatina comestível. Uma das aplicações estudadas é a proteção contra a corrosão e riscos de lentes utilizadas, por exemplo, em filmadoras e câmeras fotográficas especiais para captação de imagens sem luz visível, apenas com a emissão de calor (em infravermelho) de pessoas, animais e objetos.
Enquanto os vidros de janelas e lentes tradicionais absorvem radiações eletromagnéticas tanto na faixa do ultravioleta como na do infravermelho, os componentes ópticos das câmeras fotográficas e filmadoras “noturnas” têm que possuir vidros especiais que são transparentes e não absorvedores dos raios infravermelhos emitidos pelos corpos. “Os vidros que existem no comércio com essa finalidade funcionam bem nessa região do espectro eletromagnético, mas muitos deles são feitos de materiais que gostam muito da umidade, como é o caso dos vidros à base de fluoreto de metais pesados, e por isso têm de ser protegidos”, diz Santilli.
Outra aplicação para os filmes é a cobertura de espelhos de banheiro, para que não fiquem embaçados. Nesse caso, o material tem como principal característica a super-hidrofilia, ou seja, é um filme que gosta de água e não gosta de gordura. Por conta dessa característica, o filme forma milhões de gotinhas, menores que as formadas pelo vapor d’água, que espalham a luz. Dessa forma, mesmo com o chuveiro ligado no quente, o espelho não fica embaçado. O mesmo material pode ser usado para proteger lonas de estufa de plantas na agricultura e azulejos de prédios. Mesmo recobertos de poeira e de outros materiais indesejados voltam a ficar limpos com a chuva, porque a sujeira e a gordura não aderem ao filme.
Controlar e entender a passagem do estado sol para gel é o grande interesse do grupo da Unesp para a obtenção de materiais em temperatura ambiente. Por essa rota, foi obtido um material inovador, produzido a partir de moldes formados pelo arranjo periódico de agregados cilíndricos de moléculas surfactantes, substâncias químicas que atuam como detergentes e são compostas por uma longa cadeia molecular. Reações químicas efetuadas no interior desses moldes permitem produzir em temperatura ambiente fibras cerâmicas longas. “O nosso processo produz fibras cerâmicas do mesmo tipo que as fabricadas hoje, mas que são obtidas geralmente por evaporação de metal acima de 1.000 graus Celsius, tornando mais caro o produto”, diz Santilli.
O projeto
Nanomateriais cerâmicos e híbridos preparados pelo processo sol-gel (nº 01/02258-8); Modalidade Projeto Temático; Coordenador Celso Valentim Santilli – Unesp; Investimento R$ 414.568,00 e US$ 311.544,36 (FAPESP)