A dificuldade de expressão escrita dos estudantes é um dos pontos mais problemáticos do ensino no Brasil (embora não só aqui), como indicam numerosas avaliações nacionais e internacionais. Tendo essa questão como alvo, o professor Eliseo Reategui, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), num projeto iniciado em 2010, criou com a ajuda de alunos uma ferramenta digital capaz de extrair automaticamente os conceitos principais de um texto e mostrar graficamente seu grau de importância e suas inter-relações. O processo é conhecido como mineração de texto.
A ferramenta, disponível em português e inglês, é chamada Sobek (nome de uma divindade egípcia que simboliza força, devastação e reconstrução) e pode ser acessada gratuitamente no site da universidade (http://sobek.ufrgs.br/). Qualquer texto submetido a ela é decomposto em seus conceitos principais, representados por meio de um grafo – diagrama formado por nodos (os conceitos isolados em quadros) e arestas (os traços de ligação). O método é estatístico, portanto a importância dos conceitos é medida pelo número de vezes que uma mesma palavra é repetida no texto. Há filtros que descartam as palavras frequentes que, no entanto, não geram sentido isoladamente, como artigos e preposições.
O modelo utilizado para a extração de conceitos foi o do algoritmo de Schenker, criado em 2003. No entanto, a Sobek apresenta uma representação simplificada que torna a leitura mais concisa e acessível. “O desenvolvimento da ferramenta teve sempre uma visão educacional e foi adaptada para o apoio à prática de leitura e escrita, mesmo que possa servir a outros usos, inclusive comerciais”, diz Reategui. “O ponto mais forte é a identificação do tema ou dos principais temas que se encontram no texto.” Essa é a chave para a detecção de deficiências de coesão e unidade.
Nesse aspecto, a Sobek cria ambientes de aprendizado úteis para analisar textos produzidos pelos alunos assim como para trabalhar com textos já existentes durante exercícios de leitura. A tarefa de avaliação e reorganização de conceitos pode ser feita pelos próprios alunos, professores ou em conjunto – possibilidades abertas pela adaptabilidade da ferramenta em diferentes momentos educacionais, desde o período de letramento (posterior à fase inicial da alfabetização) até as etapas da pós-graduação.
A interação do aluno com o sistema não começa só depois da geração do grafo, mas durante o processo funcional, quando o usuário seleciona e refina a base de conceitos – ao contrário do habitual, uma professora de inglês pode, por exemplo, querer ver as preposições para avaliar o uso que seus alunos fazem dessas partículas – e depois, na etapa de ajuste do grafo, por meio da eliminação e inclusão de conceitos conforme sejam ou não relevantes, o que é feito manualmente. Essa fase permite ao usuário ajustar com maior precisão a análise do texto de acordo com suas finalidades específicas. “Do ponto de vista educacional, se o primeiro grafo correspondesse integralmente ao desejado, o processo não seria tão interessante”, diz Reategui. “Esses momentos de reflexão permitem ao aluno penetrar no texto de maneira mais profunda, construindo pouco a pouco a rede de relações necessárias para poder estruturar a própria escrita.”
Assim se estabelece um processo estruturado e interativo que permite uma abordagem construtivista do aprendizado, em conformidade com a descrição do desenvolvimento intelectual humano introduzida por Jean Piaget (1896-1980). Para o psicólogo suíço, não se transmitem conhecimentos. Quem aprende o faz pelo exame e reorganização de conhecimentos diante de uma situação nova. “A prática da Sobek pretende não ser muito diretiva e baseia-se essencialmente na ação reflexiva do aluno, a partir de sua visão e de suas experiências”, explica Eliseo Reategui.
Mineração de texto
Segundo o pesquisador, nos Estados Unidos o uso de diagramas e outros modos de organização gráfica em produção textual costuma concentrar-se nas fases de estruturação e planejamento do texto, durante o processo considerado como pré-escrita. Isso se deve à ideia de que esse é o trabalho principal e conceitualmente mais complicado da criação. Reategui entende, no entanto, que a utilização usual no Brasil da mineração de texto, via Sobek, é mais dinâmica, porque implica um “vaivém” que se traduz em engajamento por parte dos alunos.
A ferramenta vem sendo experimentada em várias áreas. Alunos participantes ou próximos do Centro Interdisciplinar de Novas Tecnologias em Educação (Cinted) da UFRGS estruturaram projetos-pilotos em escolas do estado. Há registros de atividades relacionadas ao letramento e à construção de textos, mas também como recurso, por exemplo, para compreensão conceitual em aulas de ciências (para a descrição da fotossíntese, por exemplo). “Os professores dessas escolas se tornam multiplicadores”, diz Reategui. “Não temos um acompanhamento sistematizado do que é feito, mas essa é uma etapa importante ainda a ser realizada. Um desejo nosso é criar uma comunidade de professores on-line para troca de experiências.”
Por estar disponível sem restrições na internet, a utilização da Sobek é igualmente irrestrita. Recentemente, um estudante da Espanha entrou em contato com o Cinted para apresentar uma versão que ele desenvolveu capaz de minerar textos em idioma espanhol. E uma professora moçambicana, numa atividade voltada para a prática de narrativas com crianças das primeiras séries do ensino fundamental, teve a ideia de, em vez de trabalhar apenas com a geração de conceitos, usar a configuração da Sobek que busca também imagens na internet em tempo real. “A tecnologia digital faz parte do dia a dia e é fundamental para motivar as crianças”, diz Reategui. “Os professores precisam lançar mão de uma diversidade de estratégias, o tempo todo, para manter o interesse dos alunos.”
Atualizações e aperfeiçoamentos também modificam a própria Sobek. Um grupo de alunos-programadores trabalha permanentemente nisso. Recentemente toda a interface do ambiente foi reformulada para ficar mais dinâmica e em pouco tempo será lançado um aplicativo para utilização da ferramenta em equipamentos móveis, mesmo não conectados à internet.
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