Depois do lançamento do telescópio espacial James Webb no fim do ano passado, sucessor do Hubble, que está em atividade há mais de 32 anos, o próximo grande avanço em termos de instrumentação para estudo do Universo está previsto para ocorrer até o final desta década: a entrada em funcionamento dos chamados supertelescópios terrestres, com espelhos maiores do que 20 metros (m) de diâmetro e uma capacidade de observação 200 vezes maior do que a dos equipamentos em funcionamento em qualquer ponto do planeta. Há três consórcios internacionais tocando empreendimentos bilionários de supertelescópios, dois liderados por instituições norte-americanas, o Giant Magellan Telescope (GMT) e o Thirty Meter Telescope (TMT), e um pelo Observatório Europeu do Sul (ESO), o Extremely Large Telescope (ELT).
No início de agosto, o grupo que coordena o GMT, do qual a FAPESP é um dos sócios fundadores desde 2014, anunciou a obtenção de mais US$ 205 milhões para o projeto. A verba será empregada para acelerar o processo de construção do supertelescópio, que terá um espelho principal de aproximadamente 25 m de diâmetro e funcionará no Observatório Las Campanas, no deserto do Atacama, no Chile. Mais especificamente, o dinheiro será destinado a três grandes tarefas: construção da estrutura do supertelescópio, com altura equivalente a um prédio de 12 andares, pela empresa norte-americana Ingersoll Machine Tools; continuidade da produção dos sete espelhos primários de 8,4 m, a cargo da Universidade do Arizona, que vão funcionar em conjunto como se fossem um único espelho maior; e fabricação de um dos espectrógrafos a ser instalado no GMT. Espectrógrafos são equipamentos que captam a luz e a separam em diferentes cores (frequências), processo que permite analisar a composição química do corpo celeste de onde vem a radiação. Com o aporte adicional, o GMT captou até agora cerca de US$ 800 milhões, algo como 80% de seu orçamento inicial.
O novo investimento foi feito por seis sócios da iniciativa: o Instituto Carnegie, dos Estados Unidos, as universidades norte-americanas de Chicago, do Arizona, do Texas (em Austin) e Harvard, além da FAPESP. A Fundação, que tinha investido US$ 40 milhões no supertelescópio, colocou mais US$ 5 milhões. “Esse aporte financeiro adicional veio em uma hora muito importante para continuarmos tendo progressos na produção dos espelhos, do domo e da instrumentação”, comenta a astrofísica Claudia Mendes de Oliveira, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), representante da FAPESP no conselho de administração dos diretores do GMT.
Maior resolução
O supertelescópio vai coletar uma área de luz 10 vezes maior e terá uma resolução espacial quatro vezes superior à do James Webb, hoje considerado o instrumento de observação mais avançado. Com melhor resolução espacial, o GMT poderá identificar objetos ainda mais distantes ou de pouquíssimo brilho. Seus principais objetivos científicos serão o estudo da atmosfera de planetas com potencial de abrigar vida, a formação do Universo e de suas primeiras galáxias e os enigmas em torno de objetos celestes misteriosos, como os buracos negros, e a natureza da matéria escura e da energia escura.
Em princípio, os astrofísicos de São Paulo deverão contar com cerca de 4% do tempo de uso do supertelescópio. “O aporte total de cada parceiro em relação ao custo final do projeto vai afetar a fração da distribuição de tempo entre os sócios”, diz o astrofísico Laerte Sodré, também do IAG-USP, que coordena, ao lado de Mendes de Oliveira, a participação paulista no supertelescópio. Ambos os pesquisadores destacam que seria importante haver investimentos de outras agências brasileiras a fim de assegurar a participação da comuni-dade de astrofísicos de outros estados do país no GMT.
Os membros do GMT também têm a expectativa de que a National Science Foundation (NSF), uma das principais agências de fomento à pesquisa dos Estados Unidos, anuncie em breve um grande investimento no supertelescópio. Em novembro do ano passado, a Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos considerou como um dos objetivos prioritários desta década para a astronomia norte-americana terminar o GMT e o TMT.
Historicamente, o GMT e o TMT são empreendimentos concorrentes. Com espelho previsto para alcançar 30 m de diâmetro e custo orçado em US$ 1,4 bilhão, o TMT é o único supertelescópio previsto para ser instalado no hemisfério Norte. Em 2018, diante da escassez de verba para tocar duas iniciativas tão ambiciosas, GMT e TMT alinharam seus objetivos científicos, sem, no entanto, se fundir, e foram pleitear conjuntamente financiamento do governo dos Estados Unidos. O objetivo do lobby era obter o apoio da Academia de Ciências. O movimento foi bem-sucedido e deve pesar na decisão da NSF.
Projeto
Explorando o Universo, da formação de galáxias aos planetas tipo-Terra, com o Telescópio Gigante Magellan (nº 11/51680-6); Modalidade Projetos Especiais; Pesquisador responsável Laerte Sodré (USP); Investimento US$ 45.000.000,00.