Máquinas voadoras que surgiram para fins militares com o objetivo de espionar sem riscos para os pilotos o campo dos inimigos, os veículos aéreos não tripulados (vants) ganham novos usos e passam a ser utilizados no monitoramento ambiental, na agricultura e na segurança pública, por exemplo. Sem piloto, eles são comandados do solo por meio de uma estação de controle formada basicamente por um notebook e um joystick aliados a um sistema de rádio, sensores, câmeras de vídeo e softwares que indicam a rota, a altitude e o momento do pouso. Eles podem voar muitos quilômetros e voltar à base sozinhos ou por meio de uma pilotagem virtual na tela do computador. A evolução recente desses aviões está ligada ao desenvolvimento da microeletrônica e da miniaturização de equipamentos de aviação. No Brasil, o uso desse tipo de aeronave começou nos anos 1990, no âmbito militar, e cresceu na década seguinte com a formação de várias empresas produtoras de vants de pequeno porte. Além da produção nacional, a Força Aérea, com dois aviões sediados na base de aérea de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, e a Polícia Federal, também com duas aeronaves, utilizam vants de grande porte que foram comprados de empresas israelenses em 2010 para treinamento, no caso da Aeronáutica, e monitoramento das fronteiras na região de Foz do Iguaçu visando impedir o contrabando e tráfico de drogas e de armas.
A importância crescente dos aviões sem piloto no país pode ser medida pelo intenso movimento de fusões e parcerias no início deste ano. A empresa Santos Lab, do Rio de Janeiro, produtora dessas aeronaves que já vendeu 36 aviões para a Marinha brasileira, firmou uma parceria operacional com a Embraer Defesa, braço para fins militares da gigante da aviação de São José dos Campos, no interior paulista. Outra empresa de São José, a Flight Solutions, que entregou três protótipos em 2010 para testes no Exército brasileiro, faz parte desde maio do Grupo Synergy Defesa, uma empresa recém-criada pelo grupo detentor da companhia aérea Avianca. Outras duas, a AGX, de São Carlos, e a Xmobots, de São Paulo, que fazem vants apenas para uso civil, se uniram em uma parceria tecnológica que visa ao fortalecimento no mercado. Outra empresa brasileira é a Avibras, que participou do desenvolvimento de um sistema de navegação e controle para vant com o Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), também em São José, e agora produz outra aeronave, de grande porte, para uso militar que deverá fazer o primeiro voo ainda em 2011.
O movimento das empresas brasileiras de veículos aéreos não tripulados reflete o interesse que eles ganharam no mercado internacional. Mais de 30 nações estão desenvolvendo esses aviões. Os Estados Unidos são os líderes, com 35 empresas que, na quase totalidade, produzem para as Forças Armadas daquele país. Os vants, ou unmanned aerial vehicles (UAVs) como são conhecidos mundialmente, apresentaram o maior crescimento da indústria aeroespacial da década passada no mundo. Segundo o estudo World unmanned aerial vehicle systems, market profile and forecast 2011 apresentado em fevereiro pela consultoria norte-americana Teal Group, especializada nas áreas aeroespacial e de defesa, o mercado mundial neste ano deve atingir os US$ 5,9 bilhões com pesquisa, desenvolvimento e comércio de aeronaves. O Departamento de Defesa dos Estados Unidos estima o valor gasto com esses pequenos aviões neste ano em cerca de US$ 3,1 bilhões. Os dois maiores vants são norte-americanos e estão em atividade no Iraque e no Afeganistão. O Global Hawk, com uma envergadura (medida de uma ponta a outra das asas) de 39 metros (m), maior que a de um Boeing 737, e o Predator, capaz de carregar mísseis. O mesmo estudo prevê um movimento anual de US$ 11,3 bilhões em 2020.
Uma iniciativa que pode abrir muitas pistas para o setor de vants no país foi um acordo da empresa AGX para cessão à Polícia Militar Ambiental do Estado de São Paulo de três aeronaves dotadas de câmeras fotográficas para monitoramento, em áreas de preservação permanente, desmatadas, de pesca ilegal, avaliação de mata ciliar, queimadas e localização de pessoas perdidas nas matas. Para operar os aviões, 15 policiais receberam treinamento e devem começar a utilizar os aparelhos neste mês de julho. “Eles vão usar dois modelos Tiriba, dotado de bateria elétrica de lítio e possível de ser lançado da mão do operador [sem a necessidade de uma pista para decolagem], e um Arara II, movido a gasolina, que decola de uma pista pequena”, diz Adriano Kalcelkis, diretor da AGX. O desenvolvimento das aeronaves, que contou no início da empresa com apoio do Programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (Pipe) da FAPESP, também teve a cooperação do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação, da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo, e da Embrapa Instrumentação Agropecuária, instituições de São Carlos, e mais recentemente do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Sistemas Embarcados Críticos (INCT-SEC), que reúne as três instituições de pesquisa e mais sete outras no país. “Com a colaboração do INCT-SEC nós desenvolvemos um sensor termal capaz de localizar pessoas ou animais à noite pelo calor do corpo, muito útil para a polícia em buscas noturnas”, diz Kalcelkis. “A melhor coisa para uma empresa de tecnologia é ter a universidade do lado porque os dois ganham, inclusive com o licenciamento de patentes como a que temos em conjunto com a USP para o sistema de controle das aeronaves.” A empresa emprega dois doutores, quatro mestres e quatro graduados.
O avião mais avançado da empresa é o Tiriba, que voa até 3 mil metros de altitude com velocidade máxima de 110 quilômetros por hora (km/h), além de ter autonomia de até 15 km da base e pousar com o acionamento de um paraquedas quando o piloto em terra assume o controle. Desde 2006, a empresa presta serviços com as aeronaves Arara para obtenção de fotos aéreas na agricultura para detectar a qualidade da cultura e a identificação de pragas em extensas áreas agrícolas (veja a matéria Ajuda do Céu, publicada na Pesquisa FAPESP n° 123). “Voamos nos estados de São Paulo e Mato Grosso, sobre plantações de soja, e no sul do país sobre áreas de eucalipto e pínus”, conta Kalcelkis. Um dos projetos futuros da AGX que já está em desenvolvimento é o VSX, um vant produzido em parceria com as empresas Aeroálcool, de Franca, no interior paulista, produtora de equipamentos para aviação, e a Orbisat, que produz radares e mapas de sensoriamento remoto, de São José. A aeronave vai funcionar a gasolina, voará a 200 km/h, pesará cerca de 220 quilos (kg) e terá autonomia de 30 horas para sobrevoar principalmente a Amazônia, levando radares para mapear o solo embaixo das folhas das árvores. O VSX tem um projeto de Subvenção Econômica da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) no valor de R$ 1 milhão e deverá estar pronto no final de 2012.
A empresa que está se associando à AGX é a Xmobots, que aposta no mercado ambiental para seus aparelhos. No momento, os dois grupos de empresários e pesquisadores buscam as tecnologias das duas empresas que possam ser complementares e evitem a necessidade de novos desenvolvimentos. “Um exemplo dessa parceria é, por exemplo, o trabalho que realizamos na Usina Hidrelétrica Jirau, que está em construção no rio Madeira no estado de Rondônia. Lá fazemos voos para tirar fotos e filmes sobre o desmatamento na região. O tratamento das imagens é feito pela AGX, que tem um amplo conhecimento nesse setor”, diz Giovani Amianti, um dos sócios da Xmobots, empresa incubada no Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec), em São Paulo, que também recebeu financiamento do Pipe em 2007.
Área urbana
A empresa desenvol-veu o Apoena, um avião a gasolina com 2,5 m de envergadura e 2,6 m de comprimento, capaz de voar a 115 km/h e até em distâncias de 60 km. Esse avião é utilizado para estudos de uma futura certificação para vants em uso civil que estão sendo realizados pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Até agora, não existem sistemas desse tipo que possam ser certificadas pelas autoridades de controle do espaço aéreo. Os vants são proibidos de voar em áreas urbanas e os voos em áreas agrícolas ou de mata precisam ser comunicados aos centros de controle de voo da região, que emitem comunicados para aeronaves com pilotos. Para o projeto de certificação do Apoena que servirá de modelo, a empresa possui um projeto de Subvenção Econômica da Finep, no valor de R$ 1,7 milhão.
A Xmobots foi formada por nove alunos de mestrado e de graduação da Escola Politécnica da USP em 2004 que perceberam a possibilidade de mercado dessas aeronaves ainda incipientes no país. Hoje restaram três. “Muitos desistiram porque um projeto como esse demora e resolveram seguir outros caminhos”, diz Amianti. Com o desenvolvimento de controle de navegação próprio, a empresa se habilitou a mais outros três projetos aprovados no Fundo Setorial Aeronáutico. O primeiro é com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e o Instituto Militar de Engenharia (IME), do Rio de Janeiro, para a construção de um minivant, de 300 gramas, com capacidade de voar a 60 km/h em aplicação de policiamento e investigação, no valor de R$ 1,5 milhão. Outro, no valor de R$ 1,9 milhão, é com a Universidade de Brasília, para a construção de outro minivant, esse maior com 3 kg, que tem a participação do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), capaz de ter quatro horas de autonomia e voar até a 100 km/h. O terceiro projeto, também de R$ 1,9 milhão, desenvolvido com a empresa Atech, é destinado à área de segurança pública e consiste na miniaturização do hardware de controle do Apoena.
Outras duas pequenas empresas produtoras de vants no país, a Santos Lab e a Flight Solutions, têm perfis bem diferentes embora atuem no mesmo segmento, o de aeronaves militares. A Santos, nome em homenagem a Santos-Dumont, é comandada pelo administrador de empresas Gilberto Buffara e pelo designer industrial Gabriel Klabin, dois amigos que desde a adolescência brincam com aeromodelos nas praias do Rio de Janeiro. A diferença entre aeromodelo e vant começa com a adoção de câmeras e sensores, mas a principal é que o segundo é capaz de ter autonomia de voo, com rota preestabelecida, enquanto os primeiros precisam ter um equipamento de rádio apontado para eles constantemente e não levam a bordo eletrônica sofisticada. “A empresa começou como uma brincadeira em 2004 com um modelo de quatro metros de envergadura. Em 2006, o Gabriel colocou câmeras em um avião e soubemos que a Marinha estava procurando empresas que produzissem vants”, conta Buffara. “Aí decidimos ir para Israel, onde estão grandes empresas fabricantes desses aviões, e visitamos, por exemplo, as duas grandes, a IAI [Israel Aerospace Industries] e a Elbit, o que nos foi útil para entender o mercado.”
Eles montaram os primeiros modelos com tecnologia e um engenheiro de Israel, além de um contrato de representação de uma subsidiária da Boeing, a Insitu, especializada na área. Também os dois vants comprados pelo governo federal são israelenses. São dois da Polícia Federal, da IAI, com o modelo Heron, com 16 m de envergadura, e os dois da Força Aérea, da Elbit, chamado de Hermes 450, com 10 m de envergadura.
Os aviões fabricados pela Santos Lab são de pequeno porte. “Acreditamos que não é necessário reinventar uma tecnologia que já está pronta. Hoje temos dois engenheiros aeronáuticos alemães que trabalharam na Nasa, num total de oito funcionários”, diz Buffara. Eles já venderam 36 aviões para a Marinha, faturaram R$ 8 milhões em 2010 e se preparam para produzir outros vants militares num convênio com a Embraer Defesa. O principal avião é o Carcará, com 2,10 m de envergadura e 50 centímetros de comprimento, a bateria e capaz de ser lançado à mão. Para o pouso, a empresa desenvolveu e patenteou um sistema em que a aeronave se posiciona num ângulo de 45° e desce na vertical.
Controle da navegação
Os sócios da Flight que no início de junho negociavam como seria a participação da nova empresa Synergy Defesa fazem questão de afirmar que a tecnologia desenvolvida por eles, principalmente em relação a sistemas de controle, é resultado de projetos anteriores realizados no ITA, de onde foram alunos. “Eu, um mestrando, e meu sócio, o Benedito Maciel, doutorando, participamos antes de criarmos a empresa, entre 2001 e 2004, de um projeto Pite [Parceria para Inovação Tecnológica] da FAPESP, com a Embraer, para desenvolver e identificar sistemas de estabilidade e controle de aeronaves coordenado pelo professor Luiz Carlos Goes”, diz Nei Brasil, sócio da Flight, fundada em 2005 e especializada em produtos para aviação militar, que teve um faturamento de R$ 6 milhões em 2010 e possui 37 funcionários. Em julho de 2009, a empresa concluiu o projeto Horus 100, um avião de reconhecimento militar lançado à mão que voa até 120 km/h por meio de bateria de lítio, e pesa apenas 5,8 kg, com autonomia de uma hora. A Flight também participou do desenvolvimento do sistema de navegação e controle usado no Acauã, um vant construído no Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE) do Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA). “A história começa em 1984, quando a instituição identificou a necessidade de capacitação para esse tipo de aeronave”, diz o engenheiro aeronáutico Flavio Araripe, coor-
denador do projeto Vant no IAE. A constatação se devia aos acontecimentos no vale do Bekaa, no Líbano, em 1982. A Síria ocupava parte daquele país e a aviação israelense, com informações certeiras obtidas por vants, destruiu 17 baterias antiaéreas sírias. Ali ficou evidente a importância militar desses aviões, além de permitir o crescimento de Israel nessa área. Então, o CTA decidiu investir no desenvolvimento do Acauã. Mas vários cortes de verba fizeram o projeto se concretizar apenas a partir de 2004, numa parceria com os centros tecnológicos do Exército e da Marinha, financiamento da Finep e um parceiro industrial, que foi a Avibras, fabricante brasileira de armamentos. Foram realizados 59 voos com dois protótipos do Acauã, que possui 5 m de envergadura, pesa 150 kg e tem duas horas de autonomia com motor a gasolina.
O Acauã serviu de experimento para as Forças Armadas, que detiveram a tecnologia do sistema de navegação, e também para a Avibras, que agora desenvolve o seu próprio vant chamado de Falcão em parceira com o IAE nas fases de ensaio no solo e em voo. “A Avibras havia construído um vant que recebeu o nome de Scorpion na década de 1990 junto com a Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, mas depois não houve interesse comercial e o projeto foi cancelado”, lembra o engenheiro Renato Tovar, coordenador do projeto Falcão. Ele explica que esse vant deverá voar pela primeira vez até o final deste ano, com um porte maior que o daqueles feitos até aqui no Brasil e semelhante aos israelenses comprados pelo governo brasileiro. “O Falcão terá 11 m de envergadura e vai pesar 700 kg. Deve voar a uma velocidade de 180 km/h e terá até 2.500 km de alcance a uma altitude de 5 mil metros. O controle será por comunicação via satélite ou rádio”, diz Tovar. “Ele terá um radar de alta sensibilidade capaz de identificar um automóvel ou barco a uma distância de 50 km.” O Falcão poderá também carregar armas e atuar nas fronteiras do país. O financiamento é parte de um projeto de Subvenção Econômica da Finep no valor de R$ 19 milhões e uma contrapartida de R$ 8 milhões da empresa.
Os projetos
1. Um sistema de mapeamento automático de produtividade agrícola (nº 2005/04485-2); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Coordenador Rafael Alexandre Ferrarezi -AGX; Investimento R$ 52.152,00 (FAPESP)
2. Projeto de um sistema aviônico certificável para veículos aéreos não tripulados (vants) de aplicação civil (nº 2007/55661-0); Modalidade Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe);
Coordenador Giovani Amianti -Xmobots; Investimento R$ R$ 56.940,84 e
US$ 16.670,37 (FAPESP)