A semente da copaíba (Copaifera langsdorffii), árvore de até 30 metros de altura que margeia o rio Paraná no Centro-Oeste paulista, numa área de transição entre a Mata Atlântica e o Cerrado, contém uma proteína que inibe o metabolismo e o crescimento das larvas do caruncho (Callasobruchus maculatus), inseto de ação devastadora sobre a agricultura. O estudo, de Sérgio Marangoni e seu doutorando José Antônio da Silva, do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), também abre perspectivas de elaboração de inseticidas naturais, menos tóxicos.
Também conhecido como broca, gorgulho e carpinteiro, o caruncho tem um ciclo de vida de apenas 20 a 30 dias. Ainda assim, consegue destruir cerca de metade da safra brasileira anual de feijão-de-corda (Vigna unguiculata), largamente consumido no Norte e Nordeste, e, de modo geral, causa perdas de 30% a 40% nos principais grãos colhidos no país – principalmente milho, trigo, soja e arroz.
O inseto ataca tanto as vagens verdes quanto o feijão armazenado. O ataque começa no campo, com uma infestação de cerca de 2% das sementes, mas a perda principal ocorre no armazenamento. No mundo inteiro, segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), as perdas por ele causadas representam 10% da produção total de grãos. No Brasil, o prejuízo médio fica em torno de 20%, mas em alguns lugares pode chegar a 70%. “O caruncho”, comenta Marangoni, “causa redução direta no peso e na qualidade das sementes, que se tornam inviáveis tanto para o consumo quanto para o plantio. Esse é um sério problema de alimentação, já que a principal fonte de proteína das populações mais carentes é justamente o feijão”.
A ação devastadora começa já no campo, com o ataque aos grãos de cereais. Num só grão de feijão, milho ou soja, cada fêmea põe de 60 a 80 ovos. Desencadeia-se aí uma progressão geométrica que os inseticidas não conseguem parar. O ataque prossegue no armazenamento, atravessa o processamento e chega até o alimento industrializado. É por isso que se encontram carunchos até em pacotes fechados de macarrão guardados no armário: os ovos sobreviveram à moagem do trigo e à manufatura da massa e só vão morrer em contato com a água fervente do preparo da comida.
Proteína fatal
Marangoni e Silva partiram de um perfil de 20 anos de trabalho do Laboratório de Química de Proteínas da Unicamp. Durante três anos, testaram muitos vegetais, até verificar que o extrato protéico das sementes de copaíba, usadas como alimento por pássaros, mostrou-se resistente ao desenvolvimento das larvas do inseto. Os pesquisadores têm estudado vários inibidores de sementes, entre eles inibidores de pata-de-vaca (Bauhinia variegata) e flamboyant (Delonix regia).
Encontrada a trilha, ambos sentiram-se encorajados para estudar as proteínas das sementes de copaíba e, no ano 2000, identificaram uma que inibe a ação da serinoprotease tripsina – enzima digestiva do caruncho. “No feijão, alimento natural do caruncho, existe uma proteína inibidora da tripsina, mas o caruncho já desenvolveu um mecanismo de resistência a ela”, conta Marangoni. Já a proteína que os dois pesquisadores descobriram, chamada inibidor de serinoprotease ou TDI, bloqueia o processo digestivo do caruncho, que pára de se alimentar e definha até morrer, em poucos dias.
Em laboratório, definido o interesse pela copaíba, as sementes foram trituradas. Do pó resultante foi retirado o TDI inibidor da tripsina e, a partir dele, produzidas sementes artificiais, que foram postas como alimento para larvas do caruncho. Ao se alimentar da falsa semente, o inseto começava a definhar e morria, já que o TDI inibe a ação das enzimas proteolíticas (ou proteases) do seu tubo digestivo.
O trabalho reforça a hipótese de que os inibidores de tripsina estejam ligados a mecanismos de defesa das leguminosas, como o feijão. A próxima etapa é transportar o gene do inibidor da copaíba para grãos transgênicos. Outra vertente é o uso da proteína na fabricação de iscas naturais contra o caruncho. Sob orientação de Marangoni, Silva estuda a seqüência completa da proteína com cristalografia de raio-X, em colaboração com o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), e elabora um modelo tridimensional da proteína. Já descobriu que é pequena. Aos poucos, a modelagem descortina os mecanismos de interação da proteína com as enzimas digestivas e sugere estratégias.
Para Silva, não há preocupação com efeitos sobre a saúde humana, já que o TDI é da mesma família de proteínas já existentes no feijão, com a vantagem de que esse inibidor enzimático mostrou-se mais resistente por estar presente em espécies evolutivamente distintas. O problema é como manter a modificação genética.
“A originalidade do trabalho da semente da copaíba foi encontrar na flora brasileira um agente eficiente contra uma praga da nossa agricultura”, diz Marangoni. O desafio de encontrar na biodiversidade nacional um produto natural de combate a uma praga agrícola de tal dimensão foi vencido e reconhecido com o relato da identificação do inibidor de tripsina este ano no Journal of Protein Chemistry. “De todo modo”, conclui, “ainda serão necessários alguns anos de pesquisa até que seja possível reduzir a voracidade do caruncho”.
O PROJETO
Isolamento e Caracterização Bioquímica de Inibidores de Proteinases Serínicas de Sementes de Copaifera langsdorffii. Estudo da Ação Antifungicida e Resistência contra o Bruquídeo callosobruchus Maculatus
Modalidade
Linha regular de auxílio à pesquisa
Coordenador
Sérgio Marangoni – Instituto de Biologia da Unicamp
Investimento
R$ 101.807,60