Reproduzir a beleza de algumas flores, repetir aquele tom que só uma orquídea consegue ter no auge de sua floração são os desafios que a clonagem de plantas ornamentais tem exercitado há alguns anos. A técnica utiliza um pedacinho minúsculo de um broto – mais precisamente o meristema, um aglomerado de células de 0,1mm – para multiplicar flores exemplares sem diferenciação genética. Embora empregada comercialmente há mais de 20 anos, a técnica passa constantemente por aperfeiçoamentos. Quem consegue utilizá-la com maior precisão e baixos custos, produzindo cópias perfeitas em grandes quantidades, livres de doenças e com combinações inesperadas, ganha mercado e nome. Um objetivo que está na trajetória da empresa ProClone Biotecnologia, instalada na cidade de Holambra, na região de Campinas.
A empresa busca qualidade e competitividade ao incrementar a produção de clones de diversas espécies de plantas, como orquídeas, gérberas e copos-de-leite. Com o apoio da FAPESP dentro do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE) desde 1997, a ProClone, que produz 40 mil mudas por mês, está se preparando tecnicamente para ganhar o mercado externo. Sua estrutura de exportação está pronta, mas “dormente”, diz a proprietária da empresa, a bióloga Monique Inês Segeren, que se associou a uma empresa holandesa, a Ceres Vitro, para poder conquistar o consumidor externo.
Com isso, Monique atingirá um dos objetivos que a levaram a abrir as portas de seu laboratório em 1989: participar do mercado mundial de flores e plantas, que movimenta, em toda sua cadeia produtiva, cerca de US$ 100 bilhões ao ano. Desse total, os produtores são responsáveis por valores próximos a US$ 16 bilhões. A Holanda é o principal exportador e importador mundial de flores e plantas ornamentais e serve de base para as maiores multinacionais do setor. No Brasil, o segmento da produção responde por 30% do faturamento, que alcança R$ 1,3 bilhão anualmente, cabendo ao Estado de São Paulo a responsabilidade por 70% desse valor.
Só em Holambra, são comercializados mais de R$ 273 milhões em flores por ano. Esse pequeno município de 10 mil habitantes, distante 155 quilômetros da capital paulista, teve origem em uma fazenda, onde foi formada uma cooperativa de agricultores holandeses que deixaram a Europa depois da Segunda Guerra Mundial. Nas últimas décadas, esses agricultores se dedicaram ao cultivo de flores, tornando-se referência nacional no setor.
No atraente mercado da produção de flores, a especialidade da ProClone é clonar mudas criadas por especialistas em melhoramento, propiciando uma multiplicação acelerada com todas as características originais da planta preservadas. Esse processo, além de ser designado de clonagem ou clonação, é chamado de micropropagação in vitro. O aperfeiçoamento dessa técnica está em desenvolvimento pela empresa desde que ela participa do PIPE há quatro anos. As inovações tecnológicas resultaram em um equipamento próprio de autoclavagem que faz a esterilização e prepara o meio de cultura usado em recipientes para a multiplicação das mudas.
Depois de pronto, o meio de cultura é distribuído, de forma controlada, para 650 recipientes num período de três horas. “No processo manual, seria possível encher apenas 20 no mesmo tempo.” Além da demora e margem de erro, o método manual implica maior gasto de energia e custo de mão-de-obra.Por enquanto, o equipamento de autoclave está instalado na ProVitro, joint venture formada entre a empresária e a Ceres Vitro, que está incubada na Companhia de Desenvolvimento do Pólo de Alta Tecnologia (Ciatec) de Campinas. Segundo a empresária, a esterilização do meio de cultura com a autoclave será feita no laboratório da ProClone, em Holambra, assim que as obras de expansão estiverem concluídas e forem instaladas outras duas máquinas de autoclavagem.
Melhor esterilização
A autoclave foi projetada pelo engenheiro Sérgio Koseki com equipamentos totalmente nacionais. Foi patenteada pela ProClone com o nome de Equipamento de Esterilização de Meio de Cultura e Distribuição Automática e, segundo Monique, não tem similar nacional. A máquina existente com funções semelhantes é alemã, mas a desenvolvida pelo técnico brasileiro tem como diferencial uma hélice, que torna os líquidos mais homogêneos e melhora a esterilização. Para Monique, o fato de a ProVitro estar localizada dentro de uma incubadora é fundamental para o desdobramento da segunda fase do projeto, o desenvolvimento de uma máquina complementar para o processo de clonagem de plantas que já está em fase de testes.
Trata-se do esterilizador a plasma da Valitech – outra empresa participante do PIPE e incubada no Ciatec -, que usa peróxido de hidrogênio na esterilização de potes plásticos, um processo revolucionário e com reduzido gasto energético. Segundo o pesquisador da empresa, Tadashi Shiosawa, a máquina esteriliza até 2 mil potes plásticos em uma hora. As outras formas de esterilização causam danos à saúde e ao meio ambiente, além de consumir muita energia, afirma o pesquisador. “O óxido de etileno é cancerígeno e causa danos ambientais e a radiação por raio gama tem restrições por sua periculosidade.” A máquina também vai permitir a reutilização dos potes plásticos após a lavagem, o que não é feito nem na Holanda, acrescenta Monique.
Com os novos equipamentos, a ProClone terá condições de prestar um serviço mais elaborado e rápido para o primeiro elo da cadeia produtiva de plantas e flores, o chamado melhorista. Esse profissional tem espécimes guardados em estufas, que funcionam como ferramentas para pesquisas de variação genética e mutação. Com elas, é possível criar mudas com características próprias, como, por exemplo, um copo-de-leite com cor diferente ou uma banana resistente a determinada praga. Segundo Monique, essesexperimentos visam,fundamentalmente, ao aproveitamento comercial do resultado. No caso de flores, o melhorista mostra sua criação em exposições que funcionam como vitrine para reprodutores de plantas e flores em busca de novidades.
Ganho de escala
Como o melhorista tem apenas algumas mudas do novo produto, é necessária uma multiplicação para que o produtor possa levar a planta para o mercado com rapidez e ganho de escala. Assim, o melhorista passa a matriz para um laboratório como o da ProClone, onde é realizada a multiplicação de mudas por micropropagação. Após testes com o grupo de plantas para verificação da qualidade, é escolhido o lote a ser multiplicado em larga escala. A próxima etapa ainda está no mesmo laboratório, ou na chamada biofábrica. A muda é transformada em milhões de mudas, sob condições controladas, em meio de cultura e com reduzido espaço de tempo. Após essa multiplicação, as mudas são entregues ao produtor, e só então sairão de seus potes para serem plantadas em canteiros de terra da estufa, para crescimento, floração e conseqüente entrega aos distribuidores e floriculturas.
Para garantir que a muda a ser multiplicada por esse sistema está livre de doenças conhecidas, é feito um teste de qualidade baseado no método Elisa (Enzyme linked Immunosorbent Assay). A aceitação no exterior de mudas clonadas no Brasil passa pelo teste Elisa. Trata-se de um método de padrão internacional usado para testar as reações ocorridas com as mudas diante da ação de vírus conhecidos e específicos para cada planta.
Certificado de origem
O consultor contratado pela ProClone, o pesquisador José Alberto Caram Souza Dias, do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), acrescenta que esse teste é determinante para obter certificado fitossanitário de origem, que comprova a qualidade e a inexistência de vírus e funciona como garantia de entrada da muda lá fora. Em seu trabalho na ProClone, Caram desenvolve máquinas para realizar o teste: trata-se de uma injetora-lavadora e de um aspirador para secagem das microplacas com 96 cavidades onde são depositadas amostras e reagentes, uma operação que se repete por três vezes com cada amostra. O preço do conjunto importado varia de US$ 2 mil a US$ 8 mil. Caram estima que as duas máquinas adaptadas por ele custem menos de R$ 1 mil.
Evasão de matrizes
A maior capacitação técnica na produção de plantas ornamentais no Brasil pode reverter uma situação no mínimo preocupante: a evasão de matrizes brasileiras, em que o caso mais flagrante é o de várias espécies de orquídeas nativas que estão sendo reproduzidas no exterior e reexportadas para o Brasil. Segundo Monique, uma muda importada de orquídea custa R$ 4, enquanto é possível reproduzi-la aqui a R$ 10 o lote de 50 mudas. A empresária acrescenta que existem hoje quatro grupos (gêneros) de orquídeas com excelente aceitação comercial – Phalaenopsis, Dendrobium, Oncidium, a chamada chuva-de-ouro, e Paphiopedilum, conhecida como sapatinho – e dois outros também com muita procura para reprodução: Catleya e Laelia, gêneros apreciados pelos orquidófilos, profissionais que reproduzem e vendem essas plantas em exposições e feiras.
“A coleção brasileira está bastante espalhada, mas a orquídea é uma planta altamente dependente de laboratório”, diz Monique. A ProClone também acelera a multiplicaçãodocopo-de-leite (Zantedeschia), gênero com 40 espécies de variadas cores, que tem demanda crescente no mercado nacional. Essa planta é importada da Holanda, mas sua origem é a África do Sul. Outras plantas que compõem a prateleira da ProClone são a gérbera (Gerbera), a calanchoe (Kalanchoe), além de folhagens como samambaias (Dicksonia e Polypodium) e filodendros (Philodendron).
A ProClone também faz reproduçãoin vitro de variedades de antúrio (Anthurium) desenvolvidas e produzidas pelo IAC.A estratégia de Monique é bastante clara: clona e desenvolve mudas que o mercado deseja e se antecipa à concorrência e ao desejo dos consumidores. Para isso inova na produção de equipamentos, procura brechas de mercado e se associa a parceiros tecnológicos e de investimento. A empresa tem seis funcionários e cinco bolsistas. O apoio financeiro de instituições de fomento à pesquisa faz parte de sua rotina desde o início das atividades da empresa, com o Programa de Capacitação de Recursos Humanos para Atividades Estratégicas (Rhae) do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).
Investimento na produção
Enquanto esperava o projeto da FAPESP ser aprovado, Monique cumpriu um programa de trabalho de oito meses no Quênia, onde gerenciou um laboratório com mais de cem funcionários da Ceres Vitro. Essa experiência foi importante para solidificar os laços empresariais com o sócio Hendrikus Petrus Schouten, para a formação da ProVitro. Ele, além da Ceres Vitro, também é proprietário da Ceres International, com sede na Holanda.
O olhar do sócio holandês pousa pelo menos quatro vezes ao ano na nova e embrionária empresa, para a qual já adquiriu uma área de sete hectares na região de Holambra. Ali, tão logo o empresário identifique o momento certo de investir, vai iniciar a construção de uma biofábrica que irá produzir mudas clonadas de várias espécies – em larga escala – com grandes perspectivas de exportação. O custo avaliado para esse empreendimento é de R$ 1,5 milhão. Por enquanto, Monique diz que seu sócio, em suas vindas ao Brasil, prospecta o terreno e conhece os produtores parceiros, que em suas estufas reproduzem as mudas melhoradas da ProClone.
O projeto
Desenvolvimento de Controle de Qualidade de Mudas em Laboratórios Coligados de Biotecnologia (nº 99/11514-6); Modalidade Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE); Coordenador Monique Inês Segeren – ProClone; Investimento R$ 263.000,00