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Botânica

Da quaresmeira ao jerivá

Tamanho do genoma de 100 árvores brasileiras varia até 20 vezes

Que tal seqüenciar o genoma de uma árvore brasileira? A idéia era boa, ainda mais num país que costuma ser apontado como o campeão mundial da biodiversidade. Só havia um problema: ninguém sabia qual era o tamanho aproximado de todo o material genético presente nos cromossomos de uma espécie arbórea. Se fosse muito grande, o genoma de uma árvore seria um desestímulo a um projeto de seqüenciamento integral. Essa era a situação em 2001, quando a proposta surgiu e, por falta de informação, não foi adiante. Agora o quadro mudou – e muito. O tamanho do genoma de mais de uma centena de árvores nativas do Brasil acaba de ser determinado pelo engenheiro agrônomo Marcelo Carnier Dornelas, um dos pesquisadores que participaram das discussões quatro anos atrás. Os resultados do trabalho indicam que não há um tamanho padrão para o genoma de uma árvore. A quantidade de pares de bases no DNA de uma espécie pode ser até 20 vezes maior do que em outra. O genoma compreende o conjunto de genes de um organismo e as informações moleculares que controlam o funcionamento desses genes.

Com suas típicas flores roxas, que colorem as cidades entre o Carnaval e a Páscoa, a quaresmeira (Tibouchina granulosa) apresenta o menor genoma. Tem 340 milhões de pares de bases nitrogenadas, as unidades químicas do DNA. O maior é o do jerivá (Syagrus romanzoffiana), um tipo de palmeira, também facilmente encontrada no meio urbano, cujo fruto carnoso e alaranjado serve de repasto para animais em áreas silvestres. O material genético dessa planta exibe 6,2 bilhões de pares de bases, o dobro da quantidade de “letras químicas” encontradas no DNA humano. O estudo, que será publicado em breve na revista Annals of Botany, também sugere que não existe uma relação clara entre o porte de uma árvore e o do seu genoma, a exemplo do que já foi demonstrado em espécies animais e em outros tipos de vegetais. Originários da Mata Atlântica, a quaresmeira e o jerivá exibem copas de altura mais ou menos equivalente, cerca de 10 metros, e o diâmetro de seu tronco gira em torno de 40 centímetros. Apesar do talhe biológico semelhante, ambas as árvores apresentam material genético de tamanho pra lá de distinto. Para dar maior segurança a seus dados, Dornelas determinou o tamanho dos genomas presentes no núcleo das células das árvores por dois métodos distintos, a citometria de fluxo e a microdensitometria de imagem. Ambas as técnicas foram originalmente concebidas para o diagnóstico de câncer.

Letras químicas
Não se deve confundir o estudo do engenheiro agrônomo, que mediu o tamanho do genoma de 118 espécies de árvores, com o trabalho de seqüenciamento do material genético dessas plantas, tarefa ainda mais complexa. São duas coisas diferentes. O pesquisador estimou quantas “letras químicas” existem no DNA de cada uma das espécies, mas não determinou em que ordem essas bases nitrogenadas aparecem em cada um dos genomas. As informações produzidas servem de referência para eventuais projetos de seqüenciamento. Mostram que árvores apresentam DNA de menor tamanho e, portanto, mais fácil de ser seqüenciado. Esse não é o caso do famoso e hoje pouco abundante pau-brasil (Caesalpinia echinata), que exibe um DNA enorme, com 3,8 bilhões de pares de bases. “Se um dia quisermos seqüenciar o genoma completo de uma árvore, o pau-brasil não seria uma das mais indicadas”, afirma Dornelas, que terminou o pós-doutorado no Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da Universidade de São Paulo, em Piracicaba, e assumiu em julho o cargo de professor no Departamento de Fisiologia Vegetal do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Já o do mogno, quem sabe?” Das árvores com madeira nobre, a Swietenia macrophyla, nome científico do mogno, é uma das que têm um dos menores genomas. Seu material genético é composto de 513 milhões de pares de bases.

Até agora, o genoma de apenas uma árvore, a Populus trichocarpa, um álamo (ou choupo) típico do hemisfério Norte e de grande importância econômica, foi totalmente seqüenciado. Um consórcio internacional terminou esse trabalho em setembro do ano passado. O material genético dessa forma de álamo é ligeiramente maior que o do mogno e dispõe de cerca de 50 mil genes, um quinto deles provavelmente típicos das árvores e não encontrados em outros tipos de vegetais, como a Arabidopsis thaliana, uma erva daninha de clima temperado, parente da mostarda, que funciona como planta-modelo para a biologia.

Confrontar o tamanho de genomas de distintas espécies ajuda a desmistificar a idéia de que seres com maior quantidade de DNA são sempre mais complexos que organismos dotados de material genético de dimensões reduzidas. Se isso fosse verdade, algumas amebas, que têm centenas de bilhões de pares de bases em seu genona, seriam a forma de vida mais sofisticada da Terra. “Ter um genoma grande não é sinônimo de maior complexidade para um organismo”, diz o biólogo Fernando Reinach, presidente da empresa de biotecnologia Alellyx e diretor-executivo da Votorantim Novos Negócios. “É como achar que a complexidade de um país tem alguma relação com seu número de habitantes”. Do mesmo modo, seria incorreto pensar que a palmeira jerivá é mais complexa que a quaresmeira só porque tem um DNA 20 vezes maior.

Genoma encolhido
Em alguns grupos de árvores com características comuns, o tamanho do genoma parece ser mais ou menos similar, embora seja arriscado fazer generalizações a partir de dados de apenas uma centena de espécies. O genoma de quatro espécies arbóreas da família das Anacardiaceae, cuja marca registrada é possuir frutos com formato de coração, não apresenta grande variação de tamanho: o menor, da aroeira-salsa (Schinus molle), conta com 410 milhões de pares de bases; o maior, do cajueiro (Anacardium occidentale), tem 50% a mais de “letras químicas”. Em outros casos, talvez devido ao maior número de espécies analisadas, as discrepâncias aparentemente são mais gritantes. Duas espécies da família das Annonaceae exibem genomas de tamanho bem distinto: o material genético da pimenta-de-macaco (Xylopia aromatica) é cinco vez menor que o do araticum (Annona coriacea).

Do ponto de vista evolutivo, algumas teses circulam no meio acadêmico sobre o possível significado do tamanho de um genoma. Uma delas é a de que o material genético de plantas angiospermas (que produzem flores) com origem mais remota no tempo seria menor que o de vegetais mais novos desse mesmo grupo. Se isso fizer sentido, o pesquisador paulista pode ter encontrado uma exceção à regra entre as Myrtoidae, ramo da família das Myrtaceae que compreende as árvores com frutos carnosos, como a goiabeira (Psidium guajava) e a jabuticabeira (Myrciaria cauliflora). Dornelas estimou o tamanho do DNA de 20 espécies de Myrtoidae e percebeu que todos eram menores que os de plantas da subfamília Leptospermoideae, outro ramo da família das Myrtaceae, composto por árvores que dão frutos secos, cujo aparecimento na natureza é considerado anterior ao de suas congêneres de fruto carnoso. “Parece que no interior das Myrtaceae houve, ao longo do processo evolutivo, um encolhimento no tamanho dos genomas”, afirma o pesquisador paulista.

Outro dado comparativo interessante: árvores do gênero Tabebuia, popularmente conhecidas como ipês, com flores amarelas, tendem a apresentar um genoma maior que as com flores roxas ou brancas. Pelo menos é o que se depreende da análise do tamanho do genoma de dez espécies do gênero. Os ipês-amarelos exibem DNA com mais de 2 bilhões de pares de bases; os roxos, com mais de 1 bilhão de pares de bases; e os brancos, em torno dos 900 milhões de pares de bases. Uma possível explicação para esse fenômeno seria o maior número de cromossomos nos ipês-amarelos. Essas árvores apresentam dois pares de 40 cromossomos, 80 no total, o dobro do encontrado nas espécies de ipê-roxo e branco. Por essa linha de raciocínio, ao longo de gerações, o aumento (ou a diminuição) no número de cromossomos levaria a alterações em traços externos das várias espécies conhecidas de ipês, provocando a troca de cor em suas flores.

Estudos comparativos
Como se vê, conhecer o tamanho do genoma de um organismo não serve apenas para apontar eventuais candidatos à fila do seqüenciamento. É também um dado importante para futuros estudos comparativos na área da botânica. Segundo um trabalho de janeiro deste ano feito pelos pesquisadores Michael Bennett e Ilia Leitch, dos Jardins Botânicos Reais de Kew, Inglaterra, existem dados sobre o tamanho do genoma de cerca de 4.100 plantas do grupo das angiospermas, que inclui as ervas, os arbustos e as árvores que produzem flores. “Com algumas exceções, essa amostra é dominada por plantas de importância comercial e seus parentes selvagens, espécies-modelos cultivadas para uso experimental, e outras espécies que crescem perto dos laboratórios de regiões temperadas, sobretudo da Europa Ocidental e América do Norte”, escreveu a dupla num artigo publicado na Annals of Botany. O estudo de Dornelas é o primeiro registro sobre o tamanho do material genético de plantas pertencentes a 60 gêneros e nove famílias de árvores. “É um trabalho importante, ainda mais porque enfoca espécies brasileiras”, opina Carlos Alberto Labate, do Departamento de Genética da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP. “E deve atrair o interesse de outros pesquisadores da área de conservação e evolução”.

O  Projeto
Perfil genômico de árvores brasileiras – da biodiversidade à genômica: Uma ponte entre o Biota e o AEG (nº 02/12778-1); Modalidade Auxílio à Pesquisa; Coordenador Marcelo Carnier Dornelas – Cena/USP; Investimento
R$ 3.000,00 e US$ 32.033,00 (FAPESP)

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