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astrofísica

Dados do telescópio Webb reconstituem formação de nebulosa planetária

Imagens indicam que objeto celeste se originou devido à interação de pelo menos quatro estrelas

Imagem no infravermelho da nebulosa planetária Anel do Sul, com duas estrelas no seu centro. A mais avermelhada é uma anã branca e a mais azulada sua estrela companheira

NASA, ESA, CSA, STScI, Orsola De Marco (Macquarie University)

Em julho de 2022, o Telescópio Espacial James Webb (JWST) divulgou suas primeiras imagens do Universo. Um dos cinco objetos celestes capturados inicialmente pelos instrumentos de observação do Webb foi a nebulosa planetária Anel do Sul, que aparece nos catálogos astronômicos com a designação de NGC 3132. Trata-se de uma brilhante e ovalada nuvem de gás e poeira que envolve um sistema binário, composto por duas estrelas: uma velha e moribunda anã branca e sua companheira mais jovem e luminosa. Um estudo publicado nesta quinta-feira (8/12) na revista científica Nature Astronomy, iniciado logo após a divulgação das imagens do Webb, propõe que a origem da complexa nebulosa planetária não é consequência somente da interação de duas estrelas, mas de pelo menos quatro.

“A forma e as características da nebulosa não podem ser explicadas como resultante da influência de apenas duas estrelas”, diz a astrofísica Isabel Aleman, da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), de Minas Gerais, uma das autoras do artigo, feito por uma equipe internacional de quase 70 pesquisadores. “Assim que vimos as imagens do Webb, que contêm muitos detalhes nunca observados antes da nebulosa, decidimos formar um grupo com especialistas de diferentes áreas para estudá-la.” Os astrofísicos fizeram uma chamada informal, aberta a todos os colegas interessados, em grupos de discussão nas redes sociais, e montaram rapidamente uma equipe virtual para tocar o estudo. Ninguém tinha planejado esse trabalho com a NGC 3132, mas as imagens do Webb tornaram a ocasião propícia para a tarefa.

No artigo, os autores comparam as imagens do ocaso da estrela central do sistema, a anã branca, aos registros de uma cena de assassinato. Cada retrato pode fornecer uma pista de quem participou do crime. No caso da nebulosa, os registros do Webb funcionam como dicas sobre quantas e que tipo de estrelas estavam na vizinhança da anã branca quando ela começou a perder suas camadas mais externas, matéria-prima usada para formar o anel e halo da NGC 3132.

No início do século XIX, esse tipo de objeto celeste era confundido com planetas gasosos. Essa percepção não resistiu ao avanço do conhecimento científico, mas a denominação nebulosa planetária, mesmo equivocada, permaneceu em uso. Essas formações luminosas são o estágio final da vida de estrelas que originalmente tinham entre 1 e 8 massas solares. O próprio Sol pode gerar esse tipo de objeto celeste em seu derradeiro estágio. Na Anel do Sul, que dista cerca de 2 mil anos-luz da Terra, a estrela principal tinha 2,8 massas solares quando se formou há cerca de 500 milhões de anos (o Sol surgiu há cerca de 4,5 bilhões de anos).

Por volta de 2.500 anos atrás, essa estrela ejetou a maior parte de suas camadas externas, formadas por gases, e se reduziu a um núcleo mais denso e menor, de cerca de um quinto de sua dimensão original. Virou uma anã branca, classificação adotada pelos astrônomos para esse tipo de estrela moribunda. O anel brilhante que caracteriza as nebulosas planetárias é formado pelo material perdido pela anã branca.

Hubble Heritage Team (STScI/AURA/NASA/ESA)Imagem de 1998 obtida pelo Hubble da mesma nebulosaHubble Heritage Team (STScI/AURA/NASA/ESA)

Hoje se sabe que as nebulosas planetárias se formam geralmente em sistemas em que a anã branca apresenta uma ou mais estrelas companheiras. A presença de outros corpos celestes perto da estrela central afeta a forma e outras características do anel brilhante da nebulosa. “No passado, quando os instrumentos de observação eram mais simples, as imagens mostravam nebulosas planetárias com anéis que pareciam ser bem redondos e simples”, comenta o astrofísico Hektor Monteiro, também da Unifei, outro autor do trabalho, especialista no estudo desses objetos. “Agora, com telescópios espaciais como o Webb, vemos detalhes dessas estruturas que se mostram muito mais complexas.”

Lançado em dezembro de 2021, o Webb capta registros em diferentes comprimentos de onda do infravermelho próximo e médio, invisíveis ao olho humano, mas que são emitidos por todo tipo de matéria, com exceção da misteriosa matéria escura. O artigo não apresenta imagens dessas estrelas extras que fazem ou faziam parte da Anel do Sul, mas elenca indícios indiretos que seriam decorrentes da presença, atual ou do passado, desses corpos celestes.

“O maior espelho do Webb coleta mais luz e consegue enxergar estruturas mais fracas”, comenta, em entrevista por e-mail a Pesquisa FAPESP, a astrofísica Orsola De Marco, da Universidade Macquarie, da Austrália, primeira autora do artigo. “Em comprimentos de onda do infravermelho médio, é possível estudar as partes mais frias dos objetos celestes.” O espelho principal do Webb tem 6,5 metros de diâmetro. É quase três vezes maior do que o do telescópio Hubble, do qual é uma espécie de sucessor, e capta seis vezes mais luz. No entanto, os dois telescópios operam em frequências distintas do espectro eletromagnético. O Hubble registra essencialmente frequências da luz visível.

NASA, ESA, CSA, STScI, Orsola De Marco (Universidade Macquarie)Imagens do telescópio Webb mostram estruturas esbranquiçadas, formadas por “raios” de matéria ejetada, nas bordas do anel da nebulosaNASA, ESA, CSA, STScI, Orsola De Marco (Universidade Macquarie)

Também foram usados dados de outros instrumentos de observação celeste no estudo, como o Very Large Telescope do Observatório Europeu do Sul (Eso), no Chile, o Observatório San Pedro Mártir, no México, e os telescópios espaciais Gaia e Hubble. O telescópio Soar, no Chile, do qual a FAPESP é um dos sócios, foi outro fornecedor de informações para o trabalho. “A principal função dos dados do Soar foi permitir a determinação da estrutura tridimensional da nebulosa como um todo”, explica a astrofísica Claudia Mendes de Oliveira, da Universidade de São Paulo (USP), que também assina o artigo sobre a nebulosa planetária. “Isso possibilitou determinar a verdadeira distribuição de massa da nebulosa e permitiu entender melhor sua composição química.” O astrofísico Bruno Quint, que fazia doutorado na USP, é outro coautor brasileiro do trabalho, a exemplo de Denise Gonçalves da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Uma das pistas de que mais de duas estrelas participaram da formação da nebulosa é o registro de um excesso de emissão de radiação no infravermelho médio em torno da estrela companheira. “Esse dado implica a existência de um disco de poeira em torno dessa estrela”, comenta Monteiro. “A melhor explicação para esse disco é a presença de uma terceira estrela no centro da nebulosa, que teria interagido com a companheira e liberado material para formar essa estrutura.”

As imagens do Webb mostram com riqueza de detalhes um halo composto principalmente por gás hidrogênio molecular (H2) em torno do anel central da nebulosa dotado de estruturas de formato espiral. Essa faceta é interpretada pelos autores do estudo como resultado da existência de uma outra estrela escondida, a quarta do sistema, no centro da nebulosa. Os astrofísicos também não descartam a presença de uma quinta estrela mais afastada do centro da NGC 3132. “No entanto, os indícios dessa quinta estrela na nebulosa ainda não são robustos”, comenta Aleman.

Projetos
1. Exploring galaxy evolution and interstellar medium using SAM-FP and T80-South instruments (nº 17/50277-0); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Programa Sprint; Convênio Aix-Marseille Université (AMU), França; Pesquisadora responsável Claudia Lucia Mendes de Oliveira (USP); Investimento R$ 24.796,48.
2. Explorando dados do SAM-FP e T80-Sul (nº 19/11910-4); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisadora responsável Claudia Lucia Mendes de Oliveira (USP); Investimento R$ 204.658,25.
3. Ciência com o telescópio robótico brasileiro (nº 19/26492-3); Modalidade Projeto Temático; Pesquisadora responsável Claudia Lucia Mendes de Oliveira (USP); Investimento R$ 3.779.503,69.

Artigo científico
DE MARCO, O. et al. The messy death of a multiple star system and the resulting planetary nebula as observed by JWST. Nature Astronomy. on-line. 8 dez. 2022.

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