A comunidade científica costuma categorizar os ciclones do Atlântico Sul da mesma maneira: como ciclones extratropicais. Porém, ao estudar três ciclones formados próximos à costa brasileira, os pesquisadores Rosmeri Porfírio da Rocha e João Rafael Dias Pinto, do Departamento de Ciências Atmosféricas do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG/USP), concluíram que o desenvolvimento de um deles foi diferente do esperado para um ciclone extratropical da região. Publicado no Journal of Geophysical Research em julho deste ano, o estudo procura explicar a formação, a evolução e a dissipação de ciclones próximos à costa do Brasil para, no futuro, os meteorologistas terem à mão dados mais precisos sobre o desenvolvimento desses sistemas. Afinal, ignorar essas informações pode levar a previsões meteorológicas equivocadas ou surpreender os especialistas, como ocorreu com o furacão Catarina.
Em 2004, o Catarina atingiu principalmente os estados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, causando danos em cerca de 60 mil edificações. Apenas na região catarinense o prejuízo foi de mais de R$ 200 milhões, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Enquanto sopravam os ventos fortes, os meteorologistas debatiam se o Catarina era um furacão ou um ciclone extratropical – a falta de dados e de registros da passagem de furacões sobre o Atlântico Sul dificultava a análise. A confirmação ocorreu, principalmente, graças às informações coletadas por satélites internacionais, embora as medições de instrumentos brasileiros tenham colaborado.
Para amenizar essa falta de informações sobre as ciclogêneses na costa brasileira, os pesquisadores do IAG decidiram estudar o comportamento de três ciclones que se desenvolveram em diferentes regiões onde o fenômeno é mais comum. O primeiro escolhido foi formado entre o sul do Brasil e o Uruguai em agosto de 2005. O segundo, na região do rio da Prata, em junho de 2007, e, por último, o ciclone do sul da Argentina, em julho de 2008. Todos surgiram como ciclones extratropicais.
Qualquer ciclone pode nascer extratropical, subtropical ou tropical e mudar de categoria, ou seja, fazer uma transição. “Por exemplo, o Catarina nasceu como um ciclone extratropical que fez transição para furacão (também chamado de ciclone tropical ou tufão). As particularidades são o que difere um do outro”, conta Dias Pinto. Os ciclones extratropicais possuem frente fria e frente quente associadas e se formam em latitudes médias entre 30° e 60º (no hemisfério Sul, próximo à Região Sul do Brasil até o sul da Argentina) graças à diferença de temperatura do equador comparada ao frio dos polos. Os subtropicais podem ou não ter frentes e, geralmente, se formam entre as latitudes de 15° até 40° (que correspondem à área entre o Sudeste e o Sul do país). Os furacões não têm frente fria nem frente quente e se formam principalmente devido à energia obtida por meio da evaporação de águas oceânicas mais quentes.
As ferramentas escolhidas pelos pesquisadores para analisar os ciclones foram: uma técnica de Robert Hart, professor da Universidade do Estado da Flórida, e a teoria do ciclo de energia desenvolvida por Edward Lorenz, criador da teoria do caos. A técnica de Hart permite classificar qualquer ciclone independentemente de sua natureza. Já o modelo de Lorenz mostra a proveniência da energia usada pelo sistema para se desenvolver e também para onde essa energia é dispersada. “Ambas nos permitem analisar mais profundamente os ciclones e identificar seus diferentes tipos, evitando que outro furacão nos pegue de surpresa”, diz Dias Pinto.
Aplicando as técnicas, os pesquisadores descobriram que o primeiro ciclone quase se tornou subtropical. “O segundo era um extratropical bomba, isso significa que teve rápido e intenso desenvolvimento em 24 horas”, explica Dias Pinto. O tempo médio de vida de um ciclone é de três dias. “O mar sob atuação de um ciclone extratropical com essa intensidade provoca ondas grandes no oceano e ressaca devido aos fortes ventos”, completa Rosmeri. Ou seja, tratava-se de um ciclone extratropical, mas com características diferentes das condições corriqueiras. O terceiro ciclone, formado mais ao sul, mostrou-se um extratropical típico com todas as características já esperadas pelos meteorologistas.
Energia
Dois principais tipos de instabilidade podem contribuir para a formação, evolução e dissipação de um ciclone. A fonte de energia mais comum no Atlântico Sul é a baroclínica, obtida quando o ar frio (mais denso) e o ar quente (menos denso) se encontram gerando ondas. Uma outra fonte é a barotrópica, gerada pela mudança da velocidade dos ventos horizontalmente. “Usando a combinação de ferramentas conseguimos entender como esses mecanismos físicos atuam para diferentes desenvolvimentos e fortalecimentos de ciclones”, afirma Rosmeri.
Se os meteorologistas classificarem os ciclones como extratropicais durante todo o seu desenvolvimento, podem errar a previsão: a chuva pode perdurar por mais dias e os ventos serem mais intensos. “Foi o que ocorreu com o Catarina. Ele nasceu extratropical e virou um furacão”, conta Rosmeri. Os meteorologistas sabiam que se tratava de um evento catastrófico, mas discutiam sobre sua classificação, ou seja, se era um furacão ou um ciclone extratropical. “Na véspera de atingir a costa do Brasil, cada sistema de alerta – brasileiro e americano – apontava para uma resposta”, afirma Rosmeri.
A pesquisadora ressalta: “Não queremos fazer previsão do tempo, mas explicar a formação dos ciclones que atingem a costa brasileira. Entender a evolução dos ciclones dessas regiões do Atlântico Sul fornece subsídio para conhecermos o ciclo de vida deles e apontar possíveis furacões”. Segundo Rosmeri, por enquanto, usar apenas modelos numéricos para prever a evolução de um ciclone pode induzir a erros. “A maioria dos estudos que existem são sobre os ciclones do Atlântico Norte”, conta a meteorologista.
Artigo científico
DIAS PINTO, J. R.; DA ROCHA, R. P. The energy cycle and structural evolution of cyclones over southeastern South America in three case studies. Journal of Geophysical Research. v. 116, p. D14112. 26 jul. 2011.