Pesquisadores de São Paulo e da Bahia estão desenvolvendo um esforço conjunto para conhecer melhor como vivem e de que morrem as baleias jubartes (Megaptera novaeangliae) que frequentam a costa brasileira. Todos os anos entre julho e novembro centenas desses grandes cetáceos se deslocam das águas geladas da Antártida para regiões quentes do litoral brasileiro para procriar. Embora essa rota de migração seja bem conhecida, ainda se sabe pouco das condições de saúde das baleias e das razões que as levam a adoecer. O motivo é simples: não é fácil obter amostras de tecidos em condições adequadas para estimar o estado de saúde desses mamíferos marinhos que podem alcançar 16 metros de comprimento e pesar 40 toneladas e que vivem em constante movimento.
Um grupo de médicos veterinários da Universidade de São Paulo (USP) e do Projeto Baleia Jubarte (PBJ), que é financiado pela Petrobras, trabalha atualmente para mudar esse cenário. Sob a coordenação de José Luiz Catão Dias, da USP, eles iniciaram um programa sistemático de coleta de amostras de pele e de material biológico ejetado com o borrifo (ar expirado) das baleias. Com base na análise dos tecidos obtidos de animais vivos e também do material extraído da ossada de baleias que encalharam na costa do país, os pesquisadores planejam produzir um inventário da saúde das jubartes brasileiras.
“A partir do material biológico coletado dos animais vivos, estamos investigando diversos patógenos”, conta Catão. Ele e seu grupo estão analisando o acervo de fotos do projeto tiradas durante as expedições para verificar se os animais acompanhados ganharam ou perderam peso, desenvolveram lesões cutâneas ou pariram. “Queremos entender a dinâmica da saúde das baleias e como as atividades humanas podem influenciá-las, contribuindo para o encalhe e a morte dos animais”, afirma Catão.
Lesões e malformações
No início de novembro, Catão e Kátia Groch, sua orientanda no doutorado na USP, e os médicos veterinários Milton Marcondes e Adriana Colosio, do PBJ, apresentaram os primeiros resultados desse projeto em um artigo publicado na revista Diseases of Aquatic Organisms. Trata-se de um dos maiores levantamentos do mundo, segundo os pesquisadores, das enfermidades ósseas das baleias jubartes. No trabalho, eles analisaram os ossos de 49 animais que encalharam entre 2002 e 2011 na região de Abrolhos, no sul da Bahia.
Das 49 baleias, 12 apresentaram pelo menos um tipo de problema ósseo. Havia cinco casos de malformações congênitas; quatro de lesões inflamatórias; cinco de alterações degenerativas; e quatro de trauma (alguns possivelmente associados a choque com embarcações).
“A análise de alterações ósseas dos animais pode fornecer dados valiosos sobre a história de vida das baleias e suas condições patológicas”, conta Kátia. “Algumas dessas alterações podem ter contribuído para o encalhe das baleias, principalmente em decorrência de lesões na região da cauda, que encontramos em dois animais”, explica.
Na opinião dos pesquisadores, é necessário um monitoramento constante para entender o quanto esses animais são afetados pela exploração e modificação do ambiente marinho, que pode aumentar com as atividades de exploração de petróleo na camada do pré-sal. “As baleias e os golfinhos são indicadores da saúde do ecossistema marinho”, diz Kátia. “O resultado desses estudos é essencial para entender as ameaças às populações de baleias e subsidiar políticas públicas para sua proteção.”
No Brasil, a caça à baleia foi permitida até três décadas atrás, quando foi aprovada a lei federal n° 7.643, que proibiu a caça dos cetáceos. Mais tarde, em 2008, o decreto n° 6.698 declarou as águas jurisdicionais marinhas brasileiras “santuário de baleias e golfinhos”. Hoje a legislação nacional de proteção às baleias é considerada muito boa. “As baleias já estão sujeitas a grandes desafios naturais para se manterem vivas”, afirma Kátia. “A efetividade das políticas de proteção depende da eficiência da fiscalização e da conciliação entre o crescimento econômico, a exploração dos recursos marinhos e a preservação do ambiente.”
Projeto
Análise de aspectos sanitários de baleias jubartes (Megaptera novaeangliae) na costa sudeste e nordeste do Brasil, com ênfase em interações antropogênicas (n° 2011/08357-0); Modalidade Linha Regular de Auxílio a Projeto de Pesquisa; Coordenador José Luiz Catão Dias/FMVZ-USP; Investimento R$ 67.661,40 (FAPESP).
Artigo científico
GROCH, K. R. et al. Skeletal abnormalities in humpback whales Megaptera novaeangliae stranded in the Brazilian breeding ground. Diseases of Aquatic Organisms. 8 de nov. 2012.