Pode-se lembrar de Pink e de Cérebro, os camundongos inteligentes do desenho animado criado por Steven Spielberg, a partir do experimento coordenado pelo geneticista brasileiro Alysson Muotri no Instituto Salk dos Estados Unidos. Em meio a uma corrida mundial, Muotri conseguiu implantar células embrionárias humanas no cérebro de camundongos. O experimento – um dos primeiros feitos em animais – funcionou. As células embrionárias se diferenciaram em neurônio, entraram em contato com os neurônios naturais do roedor e responderam a impulsos elétricos, mas evidentemente os animais não deram nenhum sinal de quererem dominar o mundo, como Cérebro tenta em cada novo episódio do seriado da televisão.
“O número de células incorporadas ao cérebro dos camundongos é menor do que 0,1%”, diz Muotri, que trabalha sob a supervisão de Fred Gage, chefe do laboratório de genética do Salk. Sua intenção era verificar se é possível implantar células embrionárias humanas em animais – até agora, a maioria das pesquisas foi feita com células em cultura, in vitro. Esse trabalho, publicado no mês passado na PNAS, a revista da Academia de Ciência dos Estados Unidos, mostrou como produzir quimeras – animais que agregam características de outras espécies e, neste caso, podem se tornar um modelo para testar medicamentos em um organismo vivo, complementando as avaliações feitas em células humanas em cultura.
“Nosso modelo pode servir para avaliar o potencial de terapias levando em conta todo o organismo, com muitas variáveis e interferências”, diz ele. “Além disso, temos pela primeira vez um modelo para estudo das primeiras etapas do desenvolvimento humano, utilizando células normais ou células carregando mutações responsáveis por doenças específicas dos seres humanos, que ainda não contam com um modelo animal.” Camundongos quiméricos já são usados para estudar algumas doenças neurodegenerativas, como a esclerose lateral amiotrófica.
Para chegar a esses resultados, Muotri e a equipe do Salk, em colaboração com Kinichi Nakashima, do Instituto Nara de Ciência e Tecnologia, do Japão, primeiramente marcaram as células embrionárias humanas que iriam usar, adicionando em cada uma delas uma proteína fluorescente verde, que depois permitiria sua identificação. Só então as transplantaram no cérebro de quatro camundongos com apenas 14 dias de gestação, ainda no útero da mãe. Os animais sobreviveram à cirurgia e nasceram saudáveis, de parto normal.
Em Roma como os romanos
Ao abrir o cérebro dos camundongos, meses depois, os biólogos verificaram que de 50 a 100 das cerca de 100 mil células humanas implantadas em cada animal haviam se diferenciado em células nervosas, tanto as de preenchimento quanto os neurônios, que recebem e conduzem as mensagens pelo sistema nervoso central. Constataram também que a maioria das células transplantadas migrou do ventrículo, a cavidade do cérebro em que foram injetadas, e se espalhou por outras regiões, como córtex, hipocampo, tálamo, cerebelo e corpo caloso.
Em cada espaço em que se incorporaram, as células humanas ajustaram-se à arquitetura celular prévia, assumindo um tamanho, forma e orientação espacial similares aos das células que já estavam lá. Normalmente, os neurônios dos seres humanos medem 17 micrômetros e são 50% maiores que os equivalentes dos camundongos – ou das células embrionárias humanas que formaram neurônios no cérebro desses animais. A velocidade de crescimento das células humanas também acompanhou a dos neurônios dos próprios roedores – esse detalhe sugere uma notável semelhança entre os sinais bioquímicos que regem o amadurecimento das células nervosas no homem e no camundongo, ainda que as duas espécies tenham se separado de um ancestral comum há cerca de 20 milhões de anos.
Esse e outros experimentos indicam que, ao menos no cérebro de outras espécies, as células embrionárias humanas fazem o que se espera delas, deixando-se modular pelo ambiente embrionário e sem causar problemas, já que não se encontrou nenhum sinal de rejeição mesmo no cérebro dos dois animais que foram sacrificados um ano e meio após o nascimento. Outros especialistas já haviam demonstrado que as células embrionárias humanas incorporaram-se harmoniosamente no cérebro de embriões de galinha com 1,5 a 2 dias de desenvolvimento. São demonstrações do potencial das células humanas em formar ligações – ou sinapses – com os neurônios de outras espécies, embora ainda não se saiba se podem também se diferenciar em neurônios humanos e contribuir para a recuperação de tecidos lesados caso fossem aplicadas diretamente nos próprios seres humanos.
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