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RECICLAGEM

De volta à produção de garrafas

Uma quantidade assustadora de garrafas plásticas de refrigerantes usadas boiando em rios e córregos em algum ponto de uma cidade inundada. Essa cena já se tornou típica no verão, principalmente nos grandes centros urbanos, onde qualquer chuva mais forte evidencia o problema do descarte dessas garrafas fabricadas com Poli (tereftalato de etileno), mais conhecido como PET, do inglês Poly (Ethylene Terephtalate).

Se aproveitadas, em cidades onde existe coleta seletiva de lixo ou por meio de catadores que vasculham os lixões, as garrafas de PET seguem para indústrias fabricantes de cerdas para vassouras e escovas, fios de costura, cordas, carpetes, enchimentos de travesseiros, cobertores, animais de pelúcia, entre outros produtos. Mas, se depender da professora Maria Zanin, do Departamento de Engenharia de Materiais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), o PET recuperado pode ter um destino mais nobre: voltar à produção das próprias garrafas.

Maria coordena o projeto Desenvolvimento de Método de Reciclagem Química de PET Pós-Consumo por Hidrólise, que tem como proposta estabelecer um sistema de despolimerização da garrafa usada, permitindo ao produto final (a matéria-prima original do PET, também chamada de monômero) voltar à linha de produção de novas garrafas. “Numa petroquímica, derivados do petróleo são transformados em plásticos. O processo elaborado pela nossa equipe faz o caminho inverso”, afirma a professora Maria. Ela explica que foi desenvolvido um método para transformar o PET em derivados do petróleo novamente, com grau de pureza suficiente para permitir o uso na fabricação do PET sem nenhum tipo de restrição mercadológica. “Durante o processo todas as impurezas ligadas química ou fisicamente ao polímero são separadas e, assim, o produto reciclado pode voltar a ter contato direto com alimentos”, diz a pesquisadora.

Mudança de rota
“O processo convencional de reciclagem – moagem, lavagem, secagem e processamento – só permite a utilização de produtos que não tenham contato direto com alimentos”, afirma. Dessa maneira, o produto reciclado sai do seu principal mercado, que sãoos frascos para refrigerantes, água, óleo de soja, vinagre, bebidas isotônicas, entre outros. A reutilização doPET nessas embalagens traz também um benefício para a economia do país. Segundo dados da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), o país consumiu, em 1999, quase 330 mil toneladas de PET, o que obrigou à importação de 146 mil toneladas do produto.

Além do polímero pronto, naquele ano foram importadas mais 27 mil toneladas de monômeros. O gasto total chegou a quase US$ 140 milhões. Além da diminuição das importações, a utilização de processos de reciclagem garrafa-a-garrafa tem outros benefícios importantes. Gera desenvolvimento de tecnologia própria, novos empregos, economia de recursos naturais (petróleo) e diminuição dos resíduos a serem efetivamente descartados. Tudo com a boa prática da reciclagem.

Primeiro mundo
Segundo dados da Associação Brasileira dos Fabricantes de Embalagens de PET (Abepet), foram recicladas, em 2000, 67 mil toneladas desse produto. Em relação ao ano anterior, o resultado registra crescimento de 34%. “Isso representa um índice de 24,6%, similar ao de países como Japão e Estados Unidos, onde a reciclagem de PET é feita há mais de 20 anos. Aqui, o processo de reciclagem tem pouco mais de sete anos”, compara Alfredo Sette, presidente da Abepet. Ele afirma que o sistema de coleta seletiva e implantação de cooperativas de catadores são fatores primordiais para o incremento desses números.

O número de garrafas PET descartadas impressiona os menos avisados. A professora Maria realizou uma pesquisa com resíduos urbanos, de agosto de 1997 a janeiro de 1999, em Araraquara, cidade com 180 mil habitantes, na qual foi constatado o descarte de mais de 7 mil garrafas PET por dia.

Durante a evolução dos trabalhos, que levou ao novo sistema de despolimeralização do PET, a equipe de Maria enfrentou várias dificuldades. Uma delas foi a ausência de informações, já que boa parte dos processos de reciclagem química está patenteada. A maior dificuldade nessa área é que os processos encontrados em artigos ou em patentes são normalmente incompletos, ao abranger o problema do começo até o meio ou do meio até o fim. Ainda segundo a professora, a ênfase nesses casos é dada à reciclagem de resíduos industriais, o que é uma realidade completamente diferente da reciclagem de resíduos pós-consumo, principalmente no Brasil. Aqui, fora as exceções, o lixo doméstico contém resíduos de todo tipo, dificultando a seleção e a limpeza dos produtos recicláveis.

Dessa maneira, Maria optou por um estudo abrangente, utilizando o PET em reação com a água. Na busca das melhores condições para essa reação foram utilizados vários parâmetros como temperatura da água, tamanho das partículas, catalisador (agente que acelera as reações químicas), pH, agitação, tratamento superficial e, posteriormente, pressão. A produção inicial, feita em vidraria comum de laboratório, atingiu 100% de monômeros após três horas. Posteriormente, foi construído um reator em aço inoxidável que permitiu a pressurização do sistema e a obtenção de temperaturas maiores. “Com o reator, foi possível atingir a totalidade da reação em cerca de 15 minutos com pressões 11 vezes maiores”, conta o engenheiro Sandro Donnini Mancini, que prepara tese de doutorado sobre o assunto.

Pureza original
Além de produzir os monômeros com o novo processo, os pesquisadores ainda buscam um nível de pureza semelhante aos produzidos em petroquímicas. O maior problema para o pleno desenvolvimento da hidrólise (quebra de ligações químicas pela água) comotécnica de reciclagem química é a dificuldade em obter o ácido tereftálico puro, o principal monômero do PET. Para isso, um método de purificação também foi desenvolvido.

Foram realizados dez ensaios de caracterização do material purificado, cujos resultados foram comparados com os do ácido tereftálico produzido pelas petroquímicas. “Apesar de algumas diferenças, as muitas semelhanças entre eles permitem a utilização do ácido tereftálico, produzido a partir de PET pós-consumo, para a produção do polímero sem as restrições de acondicionar alimentos”, analisa Maria Zanin.

Existem outras formas de reciclagem garrafa-a-garrafa diferentes da proposta pela professora Maria. Uma delas é a utilização de material reciclado como recheio num “sanduíche” multicamadas com material virgem que acondiciona o material reciclado convencionalmente (aplicação já aprovada pelo Ministério da Saúde desde o final de 1998). Outra forma é o chamado “super-clean“, um sistema de lavagem muito eficiente, que assegura a inexistência de qualquer elemento nocivo à saúde ou ao alimento a ser acondicionado. Esse processo ainda não é utilizado no Brasil, embora já existam pesquisas nesse sentido.

Percentual maior
Empresas que utilizam algumas das técnicas de reciclagem garrafa-a-garrafa pelo mundo aplicam um percentual pequeno de material recuperado junto com material virgem na linha de produção. Mas a tendência é que, com o barateamento do uso do PET reciclado, puxado pelo alto consumo, esse percentual possa ser gradualmente aumentado.

Para finalizar o seu projeto de reciclagem garrafa-a-garrafa, a pesquisadora Maria elabora um meio de recuperação do outro monômero do PET, o etilenoglicol. Segundo a professora, a passagem do método para uma escala industrial depende de ensaios em planta piloto e análises de custos. O pleno desenvolvimento da reciclagem garrafa-a-garrafa depende certamente da finalização desse projeto que servirá como estímulo para a adoção de sistemas mais elaborados de coleta e reciclagem de produtos cujo destino é o lixo.

O projeto
Desenvolvimento de Método de Reciclagem Química de PET Pós-Consumo por Hidrólise (nº 00/06867-6); Modalidade Linha regular de auxílio à pesquisa; Coordenadora Maria Zanin – Departamento de Engenharia de Materiais da UFSCar; Investimento R$ 9.741

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