Um plástico biodegradável que se decompõe no solo em apenas 45 dias foi criado por pesquisadores brasileiros e franceses a partir de embalagens pós-consumo de PET, um polímero fabricado a partir da resina poli(tereftalato de etileno). O segredo para o desenvolvimento do novo polímero foi utilizar em sua síntese um outro tipo de plástico, no caso um poliéster alifático (um tipo de polímero com cadeias abertas de moléculas), para acelerar o processo de degradação. Por causa de sua estrutura molecular, composta por anéis aromáticos – formados por seis átomos de carbono e seis átomos de hidrôgenio em uma disposição especial de ligações simples e duplas que se alternam -, o PET é considerado um polímero não biodegradável, o que significa que, em condições ambientais de pH, pressão e temperatura, ele não se decompõe na natureza. Já os poliésteres alifáticos são facilmente consumidos pelos microorganismos presentes no solo. “Ao misturar os dois, conseguimos formular um produto altamente biodegradável”, conta a química e co-autora do trabalho Ana Paula Testa Pezzin, do Laboratório de Biotecnologia da Universidade da Região de Joinville (Univille), de Santa Catarina – as outras instituições envolvidas no estudo são a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e a Universidade Pierre e Marie Curie, de Paris.
Diversos produtos poderão ser fabricados a partir do novo plástico biodegradável, dependendo de suas propriedades (resistência mecânica, térmica, porosidade etc.), que variam conforme o teor de PET e de poliéster alifático utilizado em sua preparação. “As aplicações desse novo material não serão tão nobres quanto as do PET virgem, já que, ao ser reciclado, ele tem uma perda de suas propriedades originais. Imaginamos que seu uso será maior em produtos de rápido descarte, como plásticos para mudas de plantas, cabos de escovas de dente, cartões telefônicos e embalagens para cosméticos, entre outros”, afirma a pesquisadora. Segundo Ana Paula, um fabricante nacional de PET já manifestou interesse em utilizar o processo em larga escala, mas as negociações ainda estão em andamento e a empresa prefere não ser identificada.
O trabalho, intitulado “Reciclagem química de embalagens PET pós-consumo: síntese de novos copolímeros”, ganhou, no final de 2006, o Prêmio EcoPET de Incentivo à Reciclagem, na categoria pesquisas e processos inovadores, organizado pela Associação Brasileira da Indústria do PET (Abipet). O objetivo do concurso é reconhecer boas idéias e iniciativas em prol da reciclagem, necessárias para reduzir o impacto na natureza provocado pela grande quantidade de PET descartada. O Brasil, por exemplo, fabrica anualmente por volta de 374 mil toneladas de produtos, embalagens e garrafas plásticas do tipo PET, e somente 47% desse total é reciclado. O restante se acumula em aterros sanitários, lixões, rios e lagos, onde leva um século ou mais até desaparecer completamente.
Melhores resultados
A equipe testou três tipos diferentes de poliésteres alifáticos (PTS, PES e PEA), conhecidos por ser altamente biodegradáveis. O copolímero feito com a mistura de PET e PTS, sigla para poli(sebacato de trimetileno), foi o que mostrou os melhores resultados. Antes dele, os pesquisadores já haviam sintetizado um polímero com PET e poliéster PEA – ou poli(adipato de etileno) -, que começou a biodegradação em solo em sete meses, um período de tempo bem menor do que os cem anos do PET isolado. A biodegradabilidade dos copolímeros formados por PET e PTS, assim como dos outros dois, depende em grande medida da composição e do catalisador utilizados. “Após 45 dias no solo, amostras com apenas 20% de poliéster alifático encontraram-se no início do estágio de degradação, enquanto as com 40% já mostraram intensa deterioração. O aumento de teor de PTS foi um fator determinante para a aceleração da biodegradabilidade”, afirma a química da Univille.
O processo de síntese do polímero biodegradável é relativamente simples e ocorre por meio de uma reação normal de polimerização. As garrafas e produtos de PET são lavados, cortados e colocados juntamente com frações do poliéster alifático selecionado em um reator de vidro de 500 mililitros sob atmosfera inerte de nitrogênio, alta temperatura e agitação mecânica.
Em seguida, os pesquisadores adicionam um agente catalisador. “O plástico resultante dessa reação química possui propriedades mecânicas, térmicas e de biodegradação diferentes daquelas do PET”, explica a química Sandra Einloft, diretora da Faculdade de Química da PUC do Rio Grande do Sul, que ficou responsável pelos estudos relacionados à síntese química do polímero.
Para comprovar a excelente decomposição do novo material, os autores do estudo realizaram diversos ensaios de biodegradação, em que os copolímeros foram enterrados por tempo indeterminado no fundo de recipientes apropriados, chamados béqueres, contendo solo envelhecido e umidade entre 85% e 95%. De tempos em tempos, as amostras eram retiradas para análise morfológica. Essa caracterização foi realizada com emprego de microscópio eletrônico de varredura (MEV) e por várias outras técnicas, como calorimetria diferencial exploratória, análise termogravimétrica e cromatografia de permeação em gel, entre outros.
Segundo as pesquisadoras, o processo não foi patenteado porque o objetivo principal do grupo era tentar mostrar que existem soluções para o problema de acúmulo de embalagens PET em aterros e lixões. “Além disso, temos também interesse acadêmico em formar recursos humanos com conhecimento sobre o assunto e, ao mesmo tempo, queremos entender essas reações e como a composição dos copolímeros influencia suas propriedades e biodegradabilidade”, diz Ana Paula Pezzin. Várias dissertações de mestrado na PUC-RS e uma na Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) tiveram como tema a síntese de copolímeros a partir da reciclagem química de PET pós-consumo.
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