Dois novos biomateriais para uso odontológico prometem trazer grandes benefícios aos dentistas e seus pacientes. O primeiro deles é um filme flexível (ou membrana) empregado para auxiliar o processo de fixação de pinos usados em implantes dentários. O outro é um cimento odontológico que serve para restauração de dentes e para fixação de dispositivos protéticos, como pinos, coroas e bráquetes (peças metálicas para fixação) de aparelhos ortodônticos, usados na correção da posição dos dentes.
Os biomateriais, capazes de estimular o potencial regenerativo de tecidos humanos, foram desenvolvidos por dois pesquisadores do Grupo de Biomateriais do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (IQ/Unesp), campus de Araraquara, que integra o Centro Multidisciplinar de Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos, um dos dez Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) da FAPESP. Entre as vantagens dos novos produtos está utilização de tecnologia nacional que permitirá colocar no mercado materiais mais baratos em relação aos produtos usados atualmente.
O filme flexível, criado pelo doutorando em química Rossano Gimenes, é um compósito formado pela junção de dois polímeros (copolímero) PVDF-TrFe (fluoreto de polivinilideno-trifluoretileno) e pela cerâmica titanato de bário (BT). No mercado encontram-se membranas de polímeros (teflon, por exemplo) usadas para revestir cavidades ósseas bucais com lesões (extrações de dente, implantes, cirurgia) visando a proteger o coágulo sanguíneo que se forma no local. “Esse coágulo tem um papel fundamental na regeneração óssea e na integração entre o pino e o osso. É ele que fornece os nutrientes necessários para o crescimento das células ósseas”, explica a química Maria Aparecida Zaghete, orientadora de Gimenes e coordenadora do Grupo de Biomateriais. Sem essa proteção, por exemplo, cada vez que a pessoa vai escovar os dentes, o coágulo é involuntariamente removido, atrasando o processo de cura.
Além da função protetora, a membrana desenvolvida na Unesp também deverá acelerar o crescimento ósseo em função das interações piezelétricas entre o compósito e o osso. Piezeletricidade é um fenômeno físico no qual certos materiais submetidos a uma pressão mecânica respondem com a geração de cargas elétricas. Os ossos possuem essa característica e seu crescimento está associado à piezeletricidade. “Com o uso dessa membrana, estamos dando uma força para o osso regenerar-se de forma mais rápida”, afirma Gimenes. Atualmente, materiais semelhantes à disposição dos dentistas, como as membranas de teflon, têm somente a função de isolar o coágulo. Essas membranas não contribuem para regeneração do osso.
O “pulo do gato” na fabricação do compósito da Unesp foi a criação de uma cerâmica com características morfológicas capaz de potencializar a capacidade piezelétrica do copolímero PVDF-TrFe, vendido pela indústria química na forma de pequenas pastilhas (pellets) e usado numa ampla variedade de aplicações na indústria eletrônica, tais como hidrofones (detector de sinais sonoros submarinos), filtros acústicos e sensores de temperatura e pressão. Na fabricação do filme, os pellets são dissolvidos por um solvente orgânico e a solução resultante é misturada ao pó cerâmico desenvolvido por Gimenes com auxílio da aluna Luciane de Oliveira Coelho.
“Fizemos testes in vitro e in vivo, em tíbias de coelho, que demonstraram a biocompatibilidade e bioatividade dos compósitos, ou seja, não são rejeitados pelo organismo, não causam inflamação e curam lesões ósseas. Nos próximos dois anos, estaremos aperfeiçoando o compósito e, em seguida, partiremos para avaliação clínica em institutos e faculdades de odontologia”, diz o pesquisador. Confiante na viabilidade e no sucesso da membrana, Gimenes planeja tornar o produto viável comercialmente, num primeiro momento, por meio da criação de uma empresa própria. “Creio que o produto final possa chegar ao mercado com um preço inferior ao das membranas de teflon hoje disponíveis.”
Cimento de vidro
O outro material produzido pelo Grupo de Materiais do IQ-Unesp é um cimento de ionômero, um compósito formado pelas partículas de vidro e um ácido orgânico. A principal diferença em relação aos produtos similares existentes no mercado está no processo de preparação. A maioria dos pós dos cimentos comercias é importada e os vidros utilizados na sua fabricação passam pelo processo de fusão de óxidos, enquanto na Unesp esses produtos são produzidos num processo químico com sais solúveis em água.
A composição do cimento também foi alterada com a introdução de novo elemento, o nióbio. “Queremos desenvolver um produto final com características superiores ao tradicional”, afirma a professora Maria Aparecida, orientadora do doutorando Márcio Bertolini, idealizador do novo biomaterial. “O nióbio melhora a resistência química do ionômero, impedindo que o cimento seja degradado pelas alterações de pH da boca. Além disso, o nióbio atua na melhoria das propriedades mecânicas”, diz a pesquisadora. “Outra vantagem do nosso vidro é que temos maior controle na microestrutura, possibilitando um produto com mais qualidade.
Como usamos temperaturas mais baixas, os custos energéticos na produção dos vidros são menores, além de utilizarmos equipamentos mais baratos”, explica Bertolini. A expectativa dos pesquisadores é que o produto esteja finalizado dentro de um ano. “No momento, estamos melhorando o processamento dos materiais e as características morfológicas do vidro. Depois partiremos para a fase de testes, que será realizada em faculdades de odontologia”, diz Bertolini. Embora a principal aplicação desse cimento seja a fixação de pinos e peças protéticas, ele também poderá ser usado como ingrediente para acrescentar mais resistência e tornar outras resinas odontológicas mais baratas.
O Projeto
Filme Flexível e Cimento para Uso Odontológico; Modalidade Pesquisa do Centro Multidisciplinar de Desenvolvimento de Materiais Cerâmicos (CMDMC-Cepid); Coordenadora Maria Aparecida Zaghete – Instituto de Química da Unesp Araraquara; Investimento R$ 80.000,00 e US$ 15.000,00