Emissões de gases do efeito estufa causadas pelo desmatamento da Amazônia podem ser zeradas a partir de 2030 caso o novo Código Florestal brasileiro seja implementado integralmente. Essa é a principal conclusão do relatório Land use change in Brazil: 2000-2050, realizado por pesquisadores ligados ao projeto “Redução de emissões por desmatamento e degradação florestal (Redd-PAC)”, financiado pela International Climate Initiative, do governo alemão, com apoio da FAPESP. Os resultados do estudo foram apresentados no dia 7 de outubro na sede da Fundação, em São Paulo, e serviram de parâmetro para a elaboração da proposta brasileira de redução de emissões de gases de efeito estufa (INDC, na sigla em inglês), levada em setembro pela presidente Dilma Rousseff à Conferência das Nações Unidas para a Agenda de Desenvolvimento Pós-2015, em Nova York. Segundo o estudo, com a progressiva redução do desmatamento, mais esforços deveriam ser direcionados para combater a poluição gerada por outros setores, como o energético e o industrial. Sem investimentos em energias renováveis e na modernização de linhas de produção, por exemplo, será mais difícil o Brasil cumprir a promessa de diminuir suas emissões em 37% até 2025 (em relação a 2005) e em 43% até 2030. A meta brasileira será apresentada pelo governo durante a 21ª Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas (COP 21), que ocorrerá entre os dias 30 de novembro e 11 de dezembro em Paris.
Uma das projeções fornecidas pelo estudo indica que, em um cenário de plena aplicação do Código Florestal, com a restauração de áreas desmatadas nas margens de rios e em nascentes, seriam reflorestados cerca de 11 milhões de hectares (ha) no país até 2030. E as reduções de emissões por desmatamento no Brasil poderiam chegar a 110 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) em 2030. Essa marca representaria uma queda nas emissões de 92% em relação a 2000, quando se atribuiu ao desmatamento cerca de dois terços do CO2 lançado na atmosfera pelo país. “Isso significa que, para o Brasil, os desmatamentos tendem a deixar de ser um grande problema para o clima. O foco principal, neste momento, deve ser reavaliar a questão energética e o impacto da indústria nas emissões de gases de efeito estufa”, explicou Gilberto Câmara, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e coordenador do projeto Redd-PAC, que contou a com a participação de pesquisadores dos institutos de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e Internacional para Análises de Sistemas Aplicados (Iiasa, na sigla em inglês) da Áustria, além do Centro para Monitoramento da Conservação Mundial do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. “Não precisamos de mais legislação ambiental para conter o desmatamento. A questão hoje é fazer cumprir o Código Florestal”, disse Câmara.
Aprovado em 2012, o código busca combater o desmatamento ilegal. Determina a recuperação de áreas de reserva legal e torna obrigatório o Cadastro Rural Ambiental (CAR), instrumento criado para regularizar propriedades rurais e monitorá-las. O relatório estima que, com o cumprimento de tais medidas, o Brasil poderá conciliar produção agrícola com proteção ambiental. A expectativa é de que a área cultivada cresça nas próximas décadas, indo de 56 milhões de ha em 2010 para 92 milhões de ha em 2030, podendo atingir 114 milhões em 2050. Na avaliação dos pesquisadores responsáveis pelo trabalho, a atual legislação ambiental possibilita a ampliação do uso da terra, tanto para a produção de alimentos quanto para a de bioenergia, sem fazer com que o desmatamento cresça. No caso das pastagens, a expectativa é de que haja até uma redução da área utilizada, conforme sejam desenvolvidas técnicas para o aumento da produtividade.
“Projetamos uma redução em 10 milhões de ha de área de pastagem entre 2010 e 2030. Nesse ano, deveremos ter aproximadamente 230 milhões de cabeças de gado no país, ocupando 30% menos área por cabeça do que em 2000”, ressaltou Câmara. Atualmente, existe no país cerca de 200 milhões de cabeças de gado em uma área de aproximadamente 200 milhões de ha –média de uma cabeça por hectare. Esse tipo de pecuária, chamada de extensiva, predomina no Brasil. Para que as projeções do estudo aconteçam, o país precisa aumentar os investimentos em métodos alternativos capazes de elevar a produtividade agropecuária sem prejuízos ambientais. Um exemplo de técnica ainda incipiente por aqui é o sistema silvipastoril. Nele, o gado é criado em meio a florestas, em pastos arborizados, o que permite manter até cinco animais por hectare e produzir de 10 mil a 15 mil litros de leite por ano/ha, sem adubação e quase sem suplementação alimentar (ver Pesquisa FAPESP nº 192). “Reduzir o desmatamento implica fazer um melhor uso do solo. No entanto, diferentemente do que se pode imaginar, ainda não resolvemos esse problema no Brasil”, disse Sergius Gandolfi, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP).
Segundo Gandolfi, que participou dos debates que antecederam a aprovação do novo Código Florestal, é preciso ver a lei não só pelo impacto nas emissões, mas de maneira ampla. Para ele, uma retomada do Código Florestal anterior, que obriga a recuperar mais florestas, é necessária e ainda possível. Também permitiria, diz Gandolfi, uma maior e mais precoce redução das emissões, além de efetivamente salvar rios, lagos, mangues etc. “Retomar parte da legislação anterior é possível, porque atualmente tramitam no Supremo Tribunal Federal quatro ações diretas de inconstitucionalidade [Adins] contra o atual Código Florestal”, diz. O Ministério Público Federal questiona a constitucionalidade de dispositivos da nova lei relacionados às áreas de preservação permanente (APPs), à redução da reserva legal e também à anistia para quem promove degradação ambiental. “Assim, o documento aprovado há três anos ainda pode ser revertido em muitos pontos importantes”, explica Gandolfi.
De acordo com o pesquisador, cerca de 90% dos percursos de rios do país estão concentrados em calhas inferiores a 10 metros de largura. Para essas áreas, a legislação anterior, de 1965, previa uma faixa de proteção ciliar de 30 metros a cada margem, para proteger os riachos. “O código atual permite que a faixa de proteção seja reduzida de acordo com o tamanho da propriedade. Pode ter, por exemplo, apenas 5 metros, ou seja, seis vezes menor”, explicou. Segundo Gandolfi, uma faixa de proteção florestal de 5 a 8 metros não seria capaz de fazer a retenção de sedimentos e excesso de adubo que vão para os rios. “Isso mostra como o uso do solo ainda permanece precário no Brasil, com áreas de margens de rios e nascentes que deveriam ser reflorestadas, para garantir a segurança hídrica, sendo legalmente convertidas em áreas de produção”, diz.
Mudanças estruturais
Além do Brasil, outros países anunciaram suas propostas voluntárias para conter as emissões de gases de efeito estufa. Os Estados Unidos, responsáveis por 14% das emissões globais, pretendem reduzi-las em até 28% em 2025, em comparação com 2005. Já a China, responsável por 28% das emissões no mundo, reafirmou recentemente seu compromisso de alcançar o seu nível máximo de emissões de gases estufa no ano de 2030 ou antes dessa data, se for possível. Atualmente, segundo dados oficiais, o carvão atende a 66% da demanda energética do país, à frente do petróleo (18,4%) e do gás natural (5,8%).
As reduções esperadas nas emissões, porém, não seriam capazes de livrar o planeta de um aumento de temperatura de 2,7 graus Celsius até 2050. “Com os INDCs anunciados até o momento por alguns países, a redução da emissão no mundo poderia chegar até 40% em média”, disse Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da USP, no evento realizado na FAPESP. “Essa taxa, no entanto, pode ser ainda menor, pois as metas variam bastante em cada país, o que dificulta a definição de uma estimativa mais precisa. Para garantir que o aumento médio não passe de 2 graus, o corte das emissões globais teria que ser da ordem de 70%”, afirmou.
Gilberto Câmara propôs direcionar o debate para um dilema. “Queremos seguir para o lado do petróleo, com o pré-sal, ou para o lado dos combustíveis renováveis?”, indagou. Ele explicou que em 2035 o país deverá produzir aproximadamente 6 milhões de barris de petróleo por dia, ao mesmo tempo que é um dos países com maior potencial de produção de bioenergia do mundo. “Enquanto nosso consumo energético de combustíveis fósseis é da ordem de 20% da matriz energética, o consumo mundial de petróleo é de 50%. Quem projeta hoje um Brasil grande exportador de petróleo, projeta um mundo muito mais quente”, criticou. Rubens Maciel Filho, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ponderou que não é de uma hora para outra que se muda a matriz energética do país. “Temos um caminho interessante para andar junto com o petróleo, ainda aproveitando um pouco do que for retirado de águas profundas”, disse. “Talvez possamos aproveitar uma parte da renda do pré-sal e aplicar no desenvolvimento de biocombustíveis. A energia da biomassa, como a cana-de-açúcar, passa a ser estratégica a longo prazo”, salientou Maciel.
Segundo o presidente da FAPESP, o físico José Goldemberg, para que o Brasil consiga cumprir os compromissos que serão apresentados na conferência de Paris em dezembro é importante investir na modernização do setor industrial brasileiro, localizado principalmente no estado de São Paulo. “A modernização significa adotar inovações tecnológicas que não só reduzam o consumo de energia e outros insumos, mas também levem a indústria a um desempenho comparável ao dos países industrializados”, escreveu Goldemberg em um artigo publicado no dia 19 de outubro no jornal O Estado de S.Paulo.
Protocolo climático
No dia 8 de outubro, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente assinou um protocolo de intenções com a FAPESP, a fim de implantar o Protocolo Climático do Estado de São Paulo. O objetivo é auxiliar empresas a identificar ou desenvolver tecnologias voltadas à mitigação e adaptação aos impactos das mudanças climáticas. Treze dias depois, em um encontro realizado para apresentar o protocolo a empresas, associações e entidades empresariais paulistas, a secretária estadual do Meio Ambiente, Patricia Iglecias, disse que a parceria com a FAPESP permitirá apoiar principalmente as pequenas e médias empresas, para as quais é mais difícil implementar medidas de redução de emissões. “As grandes empresas e setores mais estruturados já possuem iniciativas nessa área”, disse à Agência FAPESP.
A adesão ao protocolo pode ser feita pelo site da secretaria. Representantes de grandes empresas, como Unilever, Grupo Votorantim e Carrefour, já assinaram um memorando de entendimento em relação ao documento. O protocolo institui um sistema que atribui pontos, num total de nove, às informações prestadas pelas empresas, como dados de inventários de emissão de gases de efeito estufa, metas voluntárias e medidas de adaptação climática, entre outros aspectos. Para Oswaldo dos Santos Lucon, assessor para mudanças climáticas da secretaria, o peso da indústria nas emissões de gases de efeito estufa aparece de diversas formas. “Desde o uso de combustíveis fósseis para transporte e logística até o impacto dos produtos finais, como no caso dos automóveis”, disse.
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